Recentemente (mais precisamente em abril do presente), a Sociedade Brasileira de Cardiologia emitiu um Documento chamado “Diretrizes Brasileiras de Medidas da Pressão Arterial Dentro e Fora do Consultório”, relatório esse elaborado por 67 especialistas na área, que visa orientar e uniformizar o procedimento junto aos consultórios e a sociedade.
Vou me reservar o direito de não adentrar em questões e termos técnicos, apenas extrair o viés sociológico ao qual me propus, sem, é claro, pregar desinformação.
A razão de ser da Diretriz, mediante amplo estudo que há décadas vem amadurecendo (basta acessar o Google Acadêmico com as palavras-chave “hipertensão jaleco branco”, “síndrome do avental branco” para constatar) na comunidade científica, tem como escopo o fato de a pressão arterial do paciente se alterar pela simples ambiência ao consultório e/ou presença de um profissional com jaleco branco.
O que prega a Diretriz? Em síntese bem apertada, que o paciente precisa considerar também a medição da pressão arterial em casa, para se ter uma amostragem mais ampla e sem a interferência do “fator jaleco”. Somando-se essas aferições, dá para chegar a um diagnóstico mais fiel à realidade.
Sim, as pessoas podem sofrer “pressão” ao ver um uniforme!
Não é a toa o uso de fardas, togas, máscaras, capacetes, crachás, coletes…
Tribos remotas diferenciam suas hierarquias com indumentárias próprias. Assim os romanos, gregos, samurais chineses, egípcios…
Quando se trata de uma roupa especial com “investidura estatal”, não é mais a pessoa física que está ali, mas o Estado! Tanto é que na previsão legislativa brasileira, os crimes cometidos por funcionários públicos são chamados de crimes próprios, porque só eles são sujeitos ativos do tipo penal.
E onde quero chegar?
Que, se uma Entidade de Classe, baseada em estudos científicos, reconhece que o psicológico de um paciente sofre alteração num procedimento médico pelo simples fato do ambiente/uniforme, é de se supor que o medo do cidadão periférico (sobretudo o negro), se justifica ao ver o “braço armado” do Estado se aproximando, porque, historicamente, é o estrato social mais violentado pelo poder estatal.
Exagero meu?
Em 2020, assim escreveu o jornal francês Le Monde:
[…] O texto [estudo] aponta ainda que entre 2015 e 2019, cerca de 25 mil brasileiros foram mortos pela própria polícia, sendo que 75% são homens jovens e negros de bairros pobres (MARCHESINI, 2020).
Ora, quando se tem um legado de opressão, violência, desigualdade e abandono, naturaliza-se um medo apenas pela presença do agente do Estado, reforçando que não é mais o cidadão ali, mas alguém investido do poder estatal.
Esse poder, autoridade, se não controlados, geram aberrações como a que se segue, em matéria do site UOL:
Da imagem acima, depreende-se que a autoridade do Estado tem foco preponderantemente em cor e condição socioeconômica, a primeira quase sempre atrelada à segunda.
Ou repensamos o modelo de distribuição de renda, empoderamento (palavra gasta e mal aplicada) de minorias e vulneráveis, ou cada vez que uma viatura cruzar as vielas escuras das favelas brasileiras, sabemos bem de quem a pressão arterial vai aumentar.
Isso é, se der tempo.
REFERÊNCIAS:
O GLOBO. https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2024/04/12/medir-pressao-no-consultorio-e-mais-preciso-que-em-casa-entenda-as-novas-regras-da-sociedade-brasileira-de-cardiologia.ghtml. Acesso em 11.mai.2024.
MARCHESINI, L. 2020. https://www.metropoles.com/brasil/policia-brasileira-e-a-mais-violenta-do-mundo-aponta-jornal-frances. Acesso em 11.mai.2024.