“Dos fracos não reza a história” é um provérbio frequentemente utilizado para descrever um conceito negativo de história, sugerindo que esta tende a recordar somente aqueles que de alguma forma se destacaram e se superiorizaram a outros, ignorando os que não tiveram sucesso ou simplesmente foram subjugados.
Ainda que alguns historiadores contestem esta visão, argumentando que a história deve traduzir uma re/construção social das múltiplas vozes e perspetivas, a fim de fornecer uma compreensão holística e rigorosa do passado; a verdade é que isso não é uma tarefa fácil, dadas as complexas relações de poder e autoridade presentes nos contextos sociais. Infelizmente, prevalece a ideia subjacente ao provérbio de que a história tende a favorecer apenas aqueles que se sobressaíram, deixando de lado muitas vozes e perspetivas importantes.
Com efeito, em contextos de exercício autocrático de poder, não há espaço para outras narrativas ou para a discussão, e os fatos são subvertidos de maneira a se enquadrarem nas pretensões de quem manda. Inclusivamente em democracia, a arte de esgrimir argumentos nem sempre é neutra, pois depende de uma teia complexa de relações e instrumentos de oportunidade e razão.
A vista disso, para alguns o processo de desenvolvimento e valorização pessoal pode ser visto como um recurso atávico, enquanto para outros pode constituir um embaraço. Nesta conjunção, concorrem fatores genealógicos que transcendem os indivíduos, remetendo a um conceito arraigado de antiguidade, ainda muito presente na civilização ocidental. Esses fatores dão vantagem àqueles que possuem uma imagem favorável pré-inscrita na memória coletiva. Por outro lado, existem os chamados “self-made man”, ou seja, aqueles que se tornam bem-sucedidos por conta própria, mesmo sem o suporte de fatores externos, conforme concebido por Henry Clay (1777-1852). Na realidade, esses caminhos são bastante distintos e socialmente valorizados de maneiras diversas. Em termos práticos, isso traduz-se numa clara separação entre aqueles que representam o “status quo” e os adeptos da mudança.
O fenómeno em questão não é de fato recente e tem raízes numa ideologia política com vários séculos de existência. Na verdade, durante a Revolução Francesa, os membros da Assembleia Nacional eram separados em grupos que se sentavam à esquerda e à direita do presidente da Assembleia. Simbolicamente, os defensores da igualdade, justiça social e mudança política e social sentavam-se à esquerda, enquanto os representantes dos círculos que valorizavam a tradição e a hierarquia se sentavam à direita.
Desde então, as categorias políticas mencionadas têm sido reproduzidas e sobrevivido a diferentes contextos históricos e sociais, sendo ainda amplamente utilizadas como uma maneira de identificar posições políticas e ideológicas e justificar comportamentos sociais. Entretanto, é notável que essa divisão representa atualmente uma visão simplificada da realidade e tende a resultar em generalizações excessivas, não oferecendo uma resposta adequada para a complexidade dos problemas ou as necessidades das pessoas.
Outrossim, tanto o provérbio mencionado quanto os modelos sociais e políticos são influenciados pelo viés inconsciente. Ou seja, eles fundam-se em pressupostos que as pessoas formam fora de sua própria consciência, criando barreiras invisíveis que favorecem uns em detrimento de outros. Essas crenças geram categorizações e classificações que muitas vezes não refletem a realidade e castram a valorização da diversidade e inclusão, bem como o crescimento conjunto. É importante destacar as habilidades e contribuições individuais, independentemente de sua origem, a fim de reorganizar as relações entre as pessoas e promover uma sociedade mais justa e equitativa.
Funchal, 17 de abril de 2023