Nós somos a súmula das nossas escolhas… No entanto, quando chegamos à idade adulta, poucas dessas escolhas foram nossas, de facto; e, outras, nem foram verdadeiras escolhas.
Grande parte da nossa infância foi condicionada pelos nossos pais. Aquilo que era visão do mundo dos nossos pais foi transferida para nós, através do processo natural de educação, e nós aceitámo-la; pelo menos, até ao momento em que tivemos liberdade para pensar pela nossa própria cabeça. Mas, por essa altura, já houve escolhas feitas pelos nossos pais, em nosso nome – e isto é natural, porque somos crianças e temos de ser ensinados –, e outras que, ainda que feitas por nós, foram condicionadas por eles; quer em termos educacionais, quer em termos de opiniões… A verdade – atentem bem – é que quando chegamos à idade adulta – e estou a considerar para esse marco o momento em que começamos a trabalhar – poucas das nossas escolhas foram de facto nossas, porque, quando começámos a ter liberdade para escolher, esse processo foi sabotado a dois níveis: sub-repticiamente, pela educação – a parental e a escolar – que nos condicionou a mente em termos dos paradigmas vigentes; e, diretamente, pela vida, pelas condições económicas, e outras, que nos circundaram, limitaram, condicionaram e que – necessariamente – continuarão a fazê-lo. Por isso, não houve – nem há – verdadeiras escolhas para ninguém…
No momento de uma escolha, tudo aquilo que nos construiu enquanto individuo, é evocado e – em teoria – a nossa escolha será resultado da nossa personalidade; escolheremos, por isso, o melhor para nós. Contudo, e ignorando o facto de nesta dinâmica a escolha já estar condicionada por tudo aquilo que somos, há factores externos com um poder impactante brutal e que podem nada ter que ver com quem nós somos: os nossos recursos. Quantos de nós já optámos por aquilo que designámos de segunda escolha?
Por vezes, apesar de sabermos qual é a escolha ideal, não a podemos fazer por falta de recursos. Estes recursos podem ser financeiros, mas há também outro tipo de recursos com poder limitativo; como a saúde, a idade, os estudos… E é por isso que, quando atingimos a idade adulta, para além de sermos o resultado de escolhas que não são inteiramente nossas, as nossas futuras escolhas, por consequência, já se encontram comprometidas …
Cada escolha que nós fazemos, excluí oportunidades da nossa vida; é assim que funciona: escolhemos um caminho, uma opção, uma oportunidade; as outras perdem-se. Poderão voltar a surgir no futuro?
Talvez… Mas se pensarmos que nossa escolha vai dar-nos determinados recursos, também entenderemos que os recursos das escolhas que não fizemos estarão a ser subtraídos do nosso universo de oportunidades. O Tempo, para nós, é uma linha recta num só sentido; e isso significa que mesmo que uma oportunidade perdida se assome mais à frente – no futuro – será também mais evoluída que aquela que perdemos e exigirá recursos que possivelmente não teremos. Se considerarmos isto, então perceberemos que a nossa escolha, lá atrás, traz um conjunto limitado de oportunidades para o futuro que estão intrinsecamente relacionadas com a nossa primeira escolha; e que, à medida que formos avançando na recta, mais difícil será conseguirmos voltar atrás e maior será o nosso condicionamento à primeira escolha.
Parece dramático…
Não. Só o será para quem não se revê neste sistema. Mas a maior parte de nós revê-se; vê isto como natural. E é. As escolhas na nossa vida são um sistema de matrioskas, e faz sentido que assim seja; principalmente num mundo virado para a especialização, globalização, resultados rápidos e sucesso… Para todos nós, o melhor caminho para a vida é recto, do ponto de partida ao ponto de chegada, com poucos – ou nenhuns – contratempos, escolhendo os estudos mais indicados para nós e que nos levarão à profissão mais adequada com o consequente sucesso maior.
Todavia, há aqueles de nós que chegamos à idade adulta e percebemos que a nossa matrioska está avariada… As escolhas que se foram fazendo não nos trouxeram para caminho do sucesso, mas para o caminho das frustrações. E é aqui que começamos a perceber que – na verdade – nunca escolhemos nada, porque tudo aquilo que fizemos foi, de alguma maneira, condicionado; ou pelos recursos financeiros, ou pelo que os pais pensavam, ou pela vontade de cumprirem os sonhos dos pais, ou por medo… Enfim; a fonte de razões é interminável.
Estou certo de que a maioria de nós nunca parou para pensar sobre isto; sobre a verdadeira autoria das escolhas. E é natural; é normal. É normal, porque, para além de ser um processo invisível, de alguma forma – e felizmente para alguns –, as escolhas que se fizeram redundaram no melhor para nós. Ainda assim, não é assim para todos…
Aqueles de nós que sentimos que o nosso caminho de vida é outro, que as nossas afinidades são outras diferentes daquelas que existem na nossa vida, que as rotinas preferidas são distintas das que se têm, já tentámos – mais do que uma vez, estou certo – corrigir isso; e aquilo que sentimos, nesse processo, foi frustração. Mas verdade é só uma: não temos recursos para fazer as mudanças que pretendemos, porque a escolhas que se foram fazendo, ao longo da vida, condicionaram-nos a ser aquilo que somos e só isso. Teremos alternativa?
Temos… Mas isso terá custos de toda a espécie; e, quanto mais à frente na recta do Tempo levarmos a cabo esta mudança, mais altos serão, porque os recursos necessários serão cada vez maiores. E é aqui que começa o drama…
Que farão, aqueles de nós, que, por uma questão idade, de saúde, ou até financeira, não pudermos levar a cabo essa nova jornada, por não termos forma de suportar os custos da mudança?
Bom… Se pensarmos que foram as más escolhas que fizemos que nos trouxeram aqui – numa atitude hipócrita, considerando o que aqui foi escrito -, haverá um certo conformismo; mas, se virmos a coisa da perspectiva aqui abordada, teremos de nos questionar sobre a verdadeira autoria das escolhas que nos conduziram a esta situação e, por consequência, sobre quem recai a verdadeira responsabilidade pelo nosso insustentável contexto.
E assim, a pergunta que se vem impondo desde o princípio do texto, materializa-se:
Seremos, realmente, nós, os principais autores da nossa vida?
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