A semana passada, aquilo que se passou com o ultimo Live de «Como é que o Bicho mexe…», da autoria de Bruno Nogueira, encheu as redes sociais de comentários espantados de especialistas em Marketing; um caso de estudo para alguns e uma prova, para outros, de que os artistas tinham outras formas menos clássicas de ganhar dinheiro. Li muita arbitrariedade, muita escrita de inveja, muitas palavras esperançosas de outros artistas – conhecidos ou não -, até que – finalmente – li um artigo, do Público ou do JN – não estou certo e, agora, já não consigo encontrar –, onde um especialista de Marketing apontava, com assertividade, duas ou três coisas fundamentais para entender isto que aconteceu.
Quais é que são elas?
Primeiro, comecemos por dizer que o Bruno Nogueira estava cercado de outros nomes bem conhecidos na praça, como Nuno Markl; e ainda que – talvez -, mesmo sozinho, pudesse tê-lo feito, não estava. Segundo, não estamos a falar de artistas com centenas de seguidores; eles têm milhares de seguidores. E, por fim, não menos importante e – talvez – o verdadeiro aspecto diferenciador: estamos numa pandemia, confinados em casa…
Para mim, focando-me neste ultimo aspecto, pois – como disse – é, na minha opinião, o verdadeiro eixo de diferenciação, é evidente que confinados em casa, com programação televisiva medíocre, entregue de bandeja aos media que pouco mais sabem do que pegar num facto, virá-lo do avesso, cortá-lo em pedaços, baralhar e voltar a juntar tudo como um puzzle até que nada mais faça sentido e se acabe a noticiar que o cão da vizinha do primo do tio do sobrinho cujo pai tem Covid morreu em circunstâncias estranhas, toda a gente se iria ligar ao último Live do Instagram do «Como é que o Bicho mexe», porque estamos a falar de um programa feito por gente inteligente, com propriedade, com piada e que, volta não volta, até convidavam – ou simplesmente apareciam – outras pessoas estimadas pelos portugueses; não nos esqueçamos que até o Cristiano Ronaldo fez a sua aparição… E, para além disso, tínhamos praticamente acabado de sair do Estado de Emergência; era – para muita gente – uma espécie de Reiveillon ou, como muitos disseram, equivalente a vencer o Euro de novo… Havia uma predisposição geral para o festejo…
No entanto, num cenário normal, pré-pandemia, nada disto teria ocorrido; esta iniciativa – que talvez nem tivesse existido ou, tendo, teria outro nome com certeza – jamais teria a adesão que teve. As pessoas estariam cansadas dos seus trabalhos, focadas nos seus problemas e prefeririam embriagar-se ouvindo os media a ser despertadas por umas piadas bem ditas por dois dos melhores humoristas nacionais. Uma coisa que a pandemia nos trouxe foi tempo para nós, para pensarmos na vida, para nos centrarmos em quem nós somos; e isso era uma coisa que não havia antes…
Em resumo, o Milagre do último Live de «Como é que o Bicho mexe» é resultado do trabalho extraordinário do autor, ao longo do tempo que «esteve no ar»; principalmente porque sabemos que outros houve que fizeram Lives sem qualquer tipo de sucesso similar. Ainda assim, não vale pena tentar tirar coelhos da cartola para tentar vender ideias e cursos de marketing, porque isto foi orgânico, foi natural, aconteceu… e é o fruto do trabalho honesto do Bruno Nogueira – e companhia – que apenas beneficiou das circunstâncias excepcionais desta época.
Dito isto, ingresso, agora, no que aqui me traz de verdade…
A Joana Latino, uma jornalista conhecida dos portugueses, terá feito um comentário sobre isto que aqui falei. Lido assim de primeira, pensa-se que ela até estará a elogiar o Bruno Nogueira – e está -, mas de caminho lançou umas farpas à classe artística portuguesa em geral; e, claro está, não foram bem recebidas.
Não vou entrar em detalhes sobre o que foi dito e rebatido, mas eu penso que é o clássico caso de «Em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão…»
Em primeiro lugar, saliento que as criticas apontadas à Joana Latino são merecidas; ainda assim, creio que as fez por não ter atentado nos três factores que acima referi. E, ao pôr toda a classe artística portuguesa no mesmo nível do Bruno Nogueira ou do Nuno Markl, entrou num mundo de fantasia – até porque fora do contexto da pandemia nem eles teriam conseguido o que conseguiram – e ofendeu todos aqueles que, por muito que gostassem, sabem que não lhes basta fazer umas Lives no Instagram, pois têm apenas algumas centenas de seguidores.
Em segundo lugar, o «Como é que o Bicho mexe» não rendeu nada a quem o fez, porque não se pagava bilhete, nem era conteúdo premium… Logo, não se pode apontar, este, como um caminho para a classe artística…
Em terceiro – e, aqui, eu concordo com ela – diz que está de altura de se acabar com o discurso miserabilista da classe artística; concordo, mas não pelas razões que ela evoca…
O discurso miserabilista faz parte do modo ser português; ele existe em muitas profissões e em especial naquelas em que se pode depender do Estado e dos seus subsídios. Mas já se sabe; quem depende do Estado nunca vai estar satisfeito…
Eu entendo que a Cultura é suficientemente forte para não depender do Estado. E acho, também, que é miserabilista a atitude subserviente dos artistas que dizem que o que dizem por não terem apoio do Estado… Os artistas não deviam ter de apelar ao Estado para os sustentarem; devia ser o contrário…
E é agora que dizem: «Mas não é assim!»
De facto… Hoje em dia, não é assim. Há muitas áreas com parcos apoios e outras sem apoios alguns e, quando não há resposta do público – e agora não tem havido pelo que se sabe – os artistas passam por sérias dificuldades, porque nada ganham… E o Estado, aqui, devia ser chamado à responsabilidade, porque, para além de aparentar ter-se esquecido dos artistas nos apoios orquestrados para fazer face ao contexto especial em que vivemos, se as coisas hoje são como são, se os artistas – apesar de não o deverem, e os que os têm – dependem dos subsídios do Estado, à inépcia deste Estado o devem…
O Nuno Markl, em resposta a esta polémica, no Instagram, postou – entre outras coisas – que as pessoas olham para a arte como secundária; quando não é…
Eu concordo com ele; inteiramente. Mas também é difícil olhar para a Cultura de outra forma enquanto ela for tão cara para os portugueses e enquanto os portugueses não forem ensinados – desde tenra idade – a estimar os artistas e a dar importância à Cultura. E é aqui que está a responsabilidade do Estado pelo estado de coisas na Cultura…
O Estado não tem que subsidiar os artistas ou a Cultura, o Estado tem de investir na Cultura, promover o gosto dos portugueses pela Cultura; e isso começa-se na educação, dotando os programas escolares de capacidade Cultural, ensinando o gosto pela Cultura… Um dia, a procura será suficiente para que os preços se tornem mais acessíveis e os artistas possam viver das suas artes sem problemas.
Acham que estou a ser utópico e simplista?
Talvez; porque há muito mais a fazer… Podíamos falar do nível salarial dos portugueses, por exemplo; ou, até, dos pseudo-artistas que por aí andam a ocupar o espaço que poderia ser dado aos verdadeiros…
Mas hoje não vou falar disso…
Imagem de Annalise Batista por Pixabay