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O Dia em que a Terra Parou

O Dia em que a Terra Parou

Chamem-me louco, se quiserem!

Não me importa! Afinal estamos todos dentro de casa, escondidos de uma coisa que ninguém vê… Rasa a loucura, esta nossa atitude; não é?

Por isso, se sou louco, sou tão louco quanto vocês!

No entanto, não se deixem enganar, porque isto não é um grito de revolta; e muito menos um apelo à mesma. Vendo o «bicho» ou não – que é o mais provável –, a mim é que não me apanham a passear na marginal… Estar em casa é aquilo que todos temos de fazer agora; sair à rua só para o essencial é fundamental…

Ainda assim, não sou capaz – é mais forte do que eu – de deixar de olhar para isto de fora e perceber o quão lunático parece – pelo menos, aos mais favorecidos pela falta de inteligência –estarmos todos encerrados com medo de uma coisa que ninguém vê. Parece aquelas coisas das histórias infantis… «Ai! O Papão…»

Desculpem esta verborreia… Deve ser de passar muito tempo em casa…

Bom… Sendo louco, da perspectiva dos burros – desculpem a honestidade – que acham que isto é uma gripe e que não há nada lá fora, ou sendo louco porque já não se aguenta mais o confinamento – porque queremos ir a uma esplanada beber um imperial e comer um prego, ir jantar fora, estar com os amigos e com a família; a verdade é estamos – mesmo – todos a dar um pouco em loucos. É ou não é?

Por isso, peço-vos que não estranhem isto que vos vou contar; dêem-me um desconto… Pode ser?

Uma das maiores e mais evidentes consequências que a paragem do mundo teve foi a quebra dos níveis de poluição. Sendo o melhor exemplo de todos, Veneza: águas cristalinas e cheias de vida marinha; peixes e golfinhos…

Por isso, eu não me admiro se ao olhar para o céu, durante o dia, o acho mais azul; nem se à noite vejo mais estrelas do que as que avistava antes da quarentena.

Outra coisa que noto, também, é uma maior actividade da vida animal; especialmente os pássaros. Eu passo o dia a escutar os pássaros; de manhã, ouço-os num chilrear alegre e, ao final do dia, num chilrear de – enfim – final de dia. O som da passarada tornou-se o ruído de fundo do mundo e eu dou por mim a notar que isto era coisa que só se escutava em zonas muito remotas da civilização.

Também notam isto?

Eu não sei… Gosto muito disto; desta calma que nos vai envolvendo…

Podem dizer que vem aí uma crise económica de proporções gigantescas… Eu cá não sei!

Alguém previu que um vírus zombie – segundo um artigo do Público da semana passada – iria fazer parar o Planeta?!

A verdade é que todas as previsões são feitas com base naquilo que foi a nossa experiência anterior e acontece que sobre isto não temos experiência nenhuma… Por isso, eu cá não sei se virá essa crise dantesca… Olhem; a avaliar pela vontade que as pessoas têm de ir passear e comer fora, acho que quando tudo acabar, até boteco da esquina terá fila de espera…

O mundo foi obrigado a parar para mudar; para que as pessoas deixassem de andar a correr de um lado para o outro sem que soubessem muito bem porquê, ou para quê, e sem que isso as fizesse crescer enquanto seres humanos. As gentes preocupavam-se em acumular riquezas, bens materiais, valorizam-se por isso e não por aquilo que em essência eram…

Não me vou alongar muito mais sobre isto, porque quem costuma ler os meus textos sabe do que falo; e eu falei muitas vezes sobre esta necessidade de paragem… O que interessa é que a Natureza encontrou uma forma de nos parar; já que nós não demos esse passo que urgia dar…

E, agora que parámos, vejo que a partilha começou; de repente, quem mais tem – sejam pessoas ou instituições – vê-se «obrigado» a dar a quem menos tem… A compaixão entrou no coração das pessoas que não conseguem ficar indiferentes ao sofrimento de outras pessoas; que nem conhecem… Finalmente acordámos e percebemos que estamos todos no mesmo barco…

Eu tenho fé que o mundo, quando recomeçar, recomeçará diferente e muitos dos nossos erros não voltarão a ser cometidos… Não sou ingénuo; sei que levará muitos anos a operar-se esta mudança, mas ela vai acontecer.

Deixo, por fim, uma provocação… Não acham curioso que algumas semanas de paragem tenham sido suficientes para baixar, desta forma, os níveis de poluição e sempre nos tenham feito crer que isto era uma coisa inalcançável senão em centenas de anos? E, se não fosse isto, não teria já sido possível termos, enquanto civilização, chegado a um acordo de paragens – ou reduções significativas – de produção para se ir atenuando, paulatinamente, a pegada ecológica?

São coisas para pensar…

Pode ser que agora que tomámos consciência de que estamos todos no mesmo barco, percebamos que temos de cuidar uns dos outros; e do barco – já agora – para que ele não se afunde… O Corona ainda nos deixa estar escondidos em casa, mas, se for o barco a afundar-se, os nossos camarotes não nos salvarão…

Imagem de Anrietta_Titova por Pixabay

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