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O Brasil não se reconhece na CPLP

O Brasil não se reconhece na CPLP

No texto anterior (A lusofonia invisível no Brasil), os números sobre os registros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa em terras brasileiras denunciam a sua quase que completa invisibilização. Nos dois maiores jornais nacionais, Folha de S.Paulo e O Globo, a CPLP não existiu nos 20 anos, desde quando foi criada em 1996 até 2016. As notícias sobre a lusofonia, sobre as nações lusófonas, sobre essa comunidade que o Brasil é parte foram tão raras, em média 4 por ano, que é impossível fazer algum tipo de memória visível sobre o que é CPLP.

Ao constarmos, com números, essa invisibilização, três questões surgiram: Será que outras organizações internacionais, similares à CPLP, receberam desses mesmos jornais brasileiros o tratamento que a comunidade lusófona recebeu? Será que houve algum esforço institucional do Governo do Brasil para que essa comunidade fosse agendada/vista, mas os jornais não quiseram ver? E, por fim, será que a CPLP não produziu eventos, atividades relevantes, e não os comunicou, o que dificultou a divulgação pelos jornais brasileiros? Vamos por partes.

O Brasil é membro de várias entidades internacionais. Escolhemos duas para comparar com os registros da CPLP: o Mercado Comum do Sul (Mercosul) e o bloco “Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul” (BRICS). Usamos o mesmo sistema de busca de notícias nos acervos da Folha de S.Paulo e de O Globo. Coletamos registros do Mercosul e do BRICS também no mesmo período em que foi feito com a CPLP (janeiro de 1996 a dezembro de 2016), mesmo sabendo que o Mercosul foi criado em 1991, e os BRICS em 2008.

Os resultados mostraram que O Globo trouxe 33.548 notícias referentes aos BRICS e 29.130 sobre o Mercosul. Na Folha, o resultado foi de 12.967 registros para tratar do Mercosul e os BRICS obtiveram naquele jornal 2.175 notícias. Nesse mesmo período de 20 anos, lembremos que foram encontrados somente 80 registros na Folha sobre a CPLP e 81 em O Globo sobre a comunidade lusófona. Em resumo, também em relação as outras organizações internacionais, a CPLP não existiu.

Não é objetivo aqui discutir a ação política e as agendas jornalísticas que envolveram Mercosul e BRICS nas últimas duas décadas, além de não entrar nas motivações geoeconômicas dessas organizações e do Governo do Brasil. Os dados foram apresentados apenas para revelar que os dois maiores jornais realizaram coberturas internacionais, acompanham as “relações externas” do Brasil, e que o Mercosul e os BRICS obtiveram muito mais anotações do que a CPLP. Estamos a tratar de uma invisibilização construída em torno da comunidade lusófona, uma opção histórico-identitária lastreada por valores políticos de dois jornais da elite brasileira.

A segunda dúvida é a que trata da atenção direta do Governo do Brasil para com a CPLP. Governos e outras grandes organizações públicas e privadas, e até personalidades, são fontes importantes de informação para a Comunicação Social, para o jornalismo. Elas buscam se constituir assim, produzem visibilidades. Os presidentes da República, por exemplo, são fontes primárias de informações. Um bom esforço informativo de governos – sem falar em publicidade paga – resulta em maiores possibilidades de aproveitamento nas mídias de notícias favoráveis. Governos e personalidades conseguem pautar, agendar e inserir questões na Comunicação Social.

O governo brasileiro tem suas assessorias de comunicação social e produzem material para os jornais e demais mídias. Contudo, ao buscar no site do Ministério das Relações Exteriores do Brasil (MRE), pasta que detém a grande maioria dos registros sobre os contatos internacionais, percebemos que a CPLP é classificada como “mecanismo interregional”. A comunidade lusófona divide espaço no sitecom organizações como: BRICS, Fórum de Diálogo Índia, Brasil e África do Sul (IBAS), Cúpula América do Sul – África (ASA), Cúpula América do Sul – Países Árabes (ASPA), Fórum de Cooperação América Latina – Ásia do Leste (FOCALAL), Conferência Ibero-Americana, União Africana (UA), Liga dos Estados Árabes (LEA) e Aliança de Civilizações.

Na prática, a CPLP, que é a única “comunidade” como “mecanismo inter-regional”, tem um espaço diminuto, quase invisível, com raras informações e quase nenhuma notícia sobre ela no sitedo governo brasileiro nos últimos anos. Existe uma outra comunidade, a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), mas ela está localizada no setor de “integração regional”. Em resumo, não há espaço para CPLP nas estruturas de comunicação do Governo do Brasil, o que revela um profundo não reconhecimento dessa comunidade, isto é, não é uma comunidade que se exercita, que se partilha, que se vive.

E, por fim, a última questão. A entidade CPLP, que tem sede física em Lisboa, tem um siteonde busca destacar as suas atividades. Ela produz uma série de ações importantes de comunicação, mas, a nosso ver, acabam por ser limitadas em razão de uma pequena equipe e poucos recursos financeiros. Mesmo com essas dificuldades, há um significativo esforço de divulgação das ações da CPLP. Quando essa entidade completou 18 anos, por exemplo, foi produzido um documento em que estão listadas as principais atividades dessa organização, ano a ano. Como o Brasil comandou a CPLP nos anos 2001 a 2002, realizamos uma comparação das ações oficiais dessa entidade nesses dois anos com os registros sobre ela nesse mesmo período nas páginas da Folha de S.Paulo e de O Globo.

Em 2001, os números de atividades relevantes da CPLP foram 12. Na Folha, naquele ano, foram identificados somente 3 registros e, em O Globo, 2. No ano seguinte, a comunidade teve 18 registros sobre grandes ações, porém os jornais apenas trouxeram 3 pequenas notícias em O Globo e 2 na Folha, em todo o ano de 2002. Essa discrepância é maior ao observarmos quais atos a entidade fez e quais as notícias foram publicadas nos jornais no mesmo período. Em 2001, por exemplo, foi realizada uma conferência de ministros do ambiente da CPLP, outra dos ministros da defesa, e outra sobre educação. Naquele ano registrou-se também um encontro lusófono do ensino superior, um fórum de escritores em língua portuguesa, as eleições em Timor-Leste com missão da CPLP, além de outras ações. Esses são acontecimentos noticiáveis em uma comunidade, onde há deliberações que podem ser objeto de debates. Entretanto, nem a Folha nem O Globo não trataram de nenhum desses eventos e temas.

Essa investigação sobre os registros da comunidade lusófona no Brasil nos possibilitou ter a dimensão material que denuncia mais o que não foi publicado do que aquilo divulgado, isto é, os poucos registros são a prova material da profunda invisibilização da CPLP no Brasil. Além disso, a comparação entre a comunidade lusófona com outras entidades internacionais e as “comunicações” do governo brasileiro e da própria CPLP ajuda a pensar sobre esse processo de construção de uma CPLP invisível. Não há uma invisibilização fruto apenas para opções jornalistas, mas um apagamento, um não reconhecimento articulado que envolve também outros atores.

O fato é que o Brasil, a maior nação lusófona do mundo, não reconhece a sua comunidade e busca ocultar e apagar quaisquer traços de identidade com os demais povos de língua portuguesa. Essa constatação exige mais aprofundamento. Proponho avançar um pouco mais e tentar descobrir o porquê dessa opção em silenciar, em impor uma invisibilização da CPLP no Brasil. Para isso, vamos mexer, vasculhar, investigar sobre o pouco que foi divulgado, quais as temáticas, como foram as abordagens, o que se disse sobre essa comunidade no Brasil. Ou seja, apostamos que o dito e o visto sobre ela podem relevar o porquê de tantos silenciamentos e invisibilizações.

No próximo texto, apresentamos mais resultados dessa investigação, agora sobre as temáticas que estiveram ancoradas nas poucas notícias sobre a CPLP no Brasil nas últimas duas décadas.  Até lá.

 

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