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Muito se ouve falar da onda migratória de brasileiros que está vindo para Portugal. Famílias inteiras estão deixando as suas casas, osseus trabalhos (os da iniciativa privada chegam a pedir demissão; os servidores públicos pedem licença sem vencimento, licença para capacitação, entre outros) em busca de uma nova vida em Portugal.
Portugal passou a ser visto como o Eldorado neste momento. A proximidade histórica de Brasil e Portugal resultou na facilidade linguística, na existência de parentes em ambos os países (ou ao menos), via de regra, um descendente português na família brasileira, entre outros aspectos.
No entanto, é preciso que se fale sobre o que está gerando esta “arrevoada” de brasileiros para Portugal atualmente; é preciso refletir sobre isso e aqui não irei tratar das consequências deste movimento migratório, posto que será necessário uma coleta de dados a futuro e análise sociológica para tanto. Analisarei, brevemente, a conjuntura política e social atual deste processo migratório e a importante questão de Direitos Humanos, tanto para os que ficam no Brasil, quanto para aqueles que vêm para Portugal.
A falácia da crise econômica
No dia 22 de fevereiro de 2018, na SIC Notícias foi veiculada uma reportagem, cujo título era “Não dá mais, Brasil!”. Esta mesma reportagem começa mostrando um cenário de violência, trazendo inclusive dados soltos como: “61mil homicídios em 2016”, “7 pessoas mortas por hora”. Então, começo perguntando: esta estatística foi retirada de onde? Está se referindo a um contexto nacional, regional ou local? Fala então de um Estado de Terror. A seguir, fala de uma situação de instabilidade social, com 12,9% da população desempregada, em 2017, e mais uma vez não se informa de qual fonte foram retirados os dados. A reportagem menciona um elevado custo de vida, a instabilidade política e econômica que o país está enfrentando, ao menos deixando claro que o que se está vivendo no país é um Golpe de Estado, um Estado de Exceção, mas sem mencionar que, desta vez, foi assegurado pelo Poder Judiciário. Em 16 de fevereiro de 2018, a intervenção dos militares começa pelo Estado do Rio de Janeiro.
Mas para entender isso, temos que “começar do início”. Luis Inácio Lula da Silva foi Presidente da República no Brasil de 2003 a 2011. As principais marcas do seu governo foram a estabilidade econômica, o crescimento do país, a redução da pobreza e da desigualdade social, por meio de implementação de políticas públicas eficazes, lembrando que estas medidas são convencionadas e obrigatórias ao Brasil quando ratificou os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Dentre os programas sociais, criou o Bolsa Família, o programa Fome Zero, o Primeiro Emprego, o Combate à Mortalidade Infantil e à Escravidão. Criou ainda o ProUni, dando bolsas de estudos em instituições privadas de ensino superior.
Após Lula, Dilma Vana Rousseff tomou posse no seu primeiro mandato iniciado em 1 de janeiro de 2011. Foi a primeira mulher a assumir o cargo de chefia do Poder Executivo do Brasil. Dilma manteve o rumo do Brasil no plano do desenvolvimento econômico da valorização externa do país, da integração regional e na redução da desigualdade social. Avançou com o Programa Bolsa Família, criou o Brasil sem Miséria e atacou a pobreza extrema em três eixos: garantia de renda, acesso a serviços e inclusão produtiva. Resultado: 22 milhões de brasileiros deixaram a miséria e o Brasil saiu, em 2014, do Mapa Mundial da Fome, segundo o Relatório Global da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Criou ainda o Programa Minha Casa, Minha Vida, o Ciência Sem Fronteiras, entre outros.
Em 26 de outubro de 2014, Dilma foi reeleita, em uma campanha eleitoral complicada e acirrada. O candidato vencido e as forças que com ele estavam não aceitaram esta vitória e a desqualificação começou de forma intensa, pelos meios de comunicação de massa, pelas redes sociais, disseminando um discurso de ódio, nunca antes visto. Esse é o foco do conservadorismo brasileiro: impedir a continuação da diminuição da desigualdade social, pois é sabido e difundido pelo mundo como o Brasil avançou de modo progressista após o ingresso de Lula na Presidência da República. Este não era o fim das desigualdades sociais, mas o início delas e as elites não estavam dispostas a permitir que isso se perpetuasse por mais tempo.
Dilma iniciou oseu mandato em 1º de janeiro de 2015, mas sem qualquer governabilidade. A crise no Brasil era política, mais do que econômica. Imensas forças antagônicas e interesses diversos, nacionais e internacionais, confluíram para um processo de Impeachment, sob o mote de “corrupção” e “pedalada fiscal”, sendo esta prática uma estratégia utilizada pelos diversos governos para atrasar o repasse de dinheiro aos bancos públicos responsáveis por programas federais, realizada igualmente por presidentes anteriores e que não sofreram qualquer sanção.
Em 17 de abril de 2016, 367 deputados federais autorizaram o processo de afastamento temporário de Dilma Roussef e o vice-presidente, Michel Temer, assumiu a presidência em caráter interino. Em 31 de agosto de 2016, o Senado Federal, com o voto de 61 senadores, decidiu pelo afastamento definitivo de Dilma, que perdeu o cargo, mas manteve os seus direitos políticos, o que demonstra mais uma vez a natureza da ação, pois se tivesse cometido crime, os direitos políticos seriam naturalmente cassados por 8 anos.
Não dá mais, Brasil
Como disse, a reportagem da SIC inicia falando da violência, do desemprego, da crise política e econômica. Sabe-se que em 16 de fevereiro de 2018, o governo federal decretou a intervenção militar no âmbito da segurança pública no Estado do Rio de Janeiro. No entanto, ninguém fala que, segundo o Mapa da Violência de 2016, os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro tiveram os seus índices de homicídios reduzidos para metade (comparando 2014 e 2004), enquanto os Estados do Rio do Grande do Norte e do Maranhão quadruplicaram.
Importa registrar aqui quem é, prioritariamente, esta vítima dos homicídios registrados em 2014, conforme o Mapa da Violência de 2016: são homens, jovens, entre quinze e vinte e nove anos, e negros. Há uma clara seletividade racial e social nessas mortes, onde o teatro de operações dá-se, sem cerimônias, sem hora marcada, sem aviso e no “doa a quem doer” nas comunidades carentes1. Tombam membros de facções criminosas, tombam policiais, em serviço ou não. Ninguém está livre desta chacina, da criminalização da pobreza, onde os policiais estão inclusos. No entanto, têm autorização para “meter o pé” na porta de casa de morador de comunidade, porque “pode estar ocultando algum criminoso”, podendo atirar ou deixar que atirem entre si (na lógica do “bandido bom é bandido morto”), podendo, inclusive, “fichar” os moradores, aos moldes de um posto de controle alfandegário, por exemplo, mas sem qualquer mandado judicial para tanto; ao mesmo tempo que têm que apenas fiscalizar e garantir a lei e a ordem nos bairros de classe média ou mais. Nestes, não é permitido atirar. É preciso manter a ordem; o status quo.
Mas como diz Caetano Veloso, “alguma coisa está fora da ordem; fora da nova ordem mundial” e a criminalidade foi noticiada cada vez mais pelos meios de comunicação de massa na zona sul e nas áreas da zona oeste do Rio de Janeiro frequentadas pela classe média e, portanto, por ela sentida. Tudo isso é a efervescência necessária a ser contida: classe subalterna alcançando os bancos universitários e se formando médico/as, advogado/as, engenheiro/as. Violência de rua chegando à sua porta, estampada e fomentada pelos meios de comunicação, pelas redes sociais, sobretudo, com discursos de ódio cada vez mais enraizados. Na periferia, tudo bem. Lá é local de crime, diz a teoria das janelas partidas. Aqui, na zona nobre, não! Não se pode transpor a linha entre aqueles que têm e, portanto, são e aqueles que não têm e, portanto, nem existem.
Ao invés de políticas públicas eficazes à redução da desigualdade social, o Estado, fomentado por interesses transnacionais, reserva aos setores vulneráveis, invisibilizados e indesejados da sociedade o seu braço penal. Via de regra é por este meio que o Estado chega a esta camada da sociedade. No entanto, a criminalidade tocou a classe social mais abastada e os meios de comunicação de massa fazem o seu papel na tomada de proporção da sensação de insegurança na população (não só porque a insegurança vende, mas porque ela acaba sendo instrumento de controle). E quando essa classe se sente ameaçada o aeroporto é a saída. Segundo dados da Receita Federal, o número de emigrantes passou de 9.887, em 2013, para 21.701, em 2017. A maior comunidade de imigrantes em Portugal é a de brasileiros, sendo, segundo a reportagem da SIC, hoje perto de 81 mil, não contando com aqueles que estão em situação irregular ou aqueles que já obtiveram a dupla nacionalidade.
Os brasileiros têm procurado Portugal para o seu processo migratório e o perfil desses imigrantes são agora, prioritariamente, de classe média, classe média alta, que estão fugindo de um clima de violência, clima este já experimentado pelas classes subalternas há décadas, mas que nunca tiveram recursos e nem oportunidade para recorrer ao aeroporto; muitos não tiveram ensejo sequer para recorrer aos bancos escolares. Então, é importante que se olhe para este processo migratório como ele é: como pessoas que possuem condições de deixar tudo para trás e começar de novo, enquanto aqueles que sofrem violência sistemáticas, institucionalizadas, e que são há décadas invisibilizados, continuam lá “presos” em suas casas, comunidades ou status quo. Para estes nada muda e a continuar o cenário político, o retrocesso é garantido!
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