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A frase aspeada, neste título, foi pronunciada pela atriz brasileira Fernanda Montenegro, em 24 de janeiro de 1999, quando ela manifestou o seu contentamento pelo Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro, entregue ao já clássico “Central do Brasil” (1998, de Walter Salles). Mais de vinte e cinco anos depois, na mesma premiação, Fernanda Torres, filha da referida personalidade, recebe, na noite de 05 de janeiro de 2025, o prêmio de Melhor Atriz Dramática pelo filme “Ainda Estou Aqui” (2024, de Walter Salles). O diretor é o mesmo, em ambos os longas-metragens, o que chama a atenção para uma questão referente à influência de determinados cineastas em premiações internacionais. Mas, venhamos e convenhamos, neste caso, o prêmio está longe de ser imerecido: Fernanda Torres é uma atriz extraordinária, e está mui competente no filme em pauta, em que interpreta a advogada Eunice Paiva [1929–2018], cujo marido foi assassinado após ser preso e torturado por militares, em 1971…
Vencedor do prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Cinema de Veneza, em setembro de 2024, “Ainda Estou Aqui” é baseado no relato homônimo de Marcelo Rubens Paiva, lançado em 2015. No livro, o autor fala sobre a sua relação com a mãe, que se torna sobremaneira politizada após o desparecimento de seu marido — o ex-deputado Rubens Paiva [1929–1971] —, e que falece em decorrência do Mal de Alzheimer. No filme, entretanto, o enfoque é objetivo, e aborda três situações distintas de sua convivência familiar: antes da prisão do marido, quando tudo era motivo para festividades e encontros entre pessoas queridas; durante e após a prisão, quando as cortinas e os portões precisaram ser fechados; e alguns anos depois, quando Eunice, já estabelecida enquanto advogada, passa a ser acometida pela doença. No desfecho, há uma aparição dramaticamente intensificada de Fernanda Montenegro, como a personagem mais velha, que emocionou de forma contundente os espectadores, justificando o enorme sucesso de audiência desta obra.
Não obstante toda a comoção relacionada ao enredo verídico, uma característica elogiável neste filme é a opção diretiva pela recusa melodramática — ao menos, em termos explícitos: a protagonista esforça-se para garantir o bem-estar de seus filhos, requerendo que eles se demonstrem alegres mesmo nos instantes em que os veículos midiáticos esperavam olhares programadamente entristecidos, conforme acontece numa sequência famosa, em que fotógrafos de uma revista pedem que Eunice e seus filhos pareçam tristes numa foto, e ela recomenda enfaticamente que todos eles sorriam. Este aspecto emocionalmente parcimonioso é enfatizado pela atriz Fernanda Torres nas entrevistas de divulgação do filme, nas quais ela esclarece que a direção de Walter Salles optou pelo inteligente recurso da subtração. Ela acrescenta que o filme não seria “político”, no sentido dogmático do termo, correspondendo muito mais à alcunha de “existencial”. Porém, como absolutamente tudo o que fazemos é político, o filme merece, sim, este aval, a despeito de algumas observações sobre o seu enfoque classista, destacadas por críticos argutos — alguns deles rechaçados pela torcida ufanista do filme, infelizmente.
Aproveitamos esta deixa para retomar um aspecto que sempre ocorre durante a temporada de premiações hollywoodianas, que é a prevalência do aspecto competitivo, em detrimento da secundarização de aspectos intrínsecos dos produtos artísticos indicados. Ou seja: não é porque temos uma compatriota concorrendo numa importante premiação estrangeira que os demais artistas mencionados na mesma categoria se tornam imediatamente usurpadores de consagração. Ou, ainda mais delicado: não é porque um prêmio “injusto” foi concedido, que devemos atacar quem o recebeu. Neste sentido, evidencia-se a abordagem direcionada, nas redes sociais, ao excelente filme francês “Emilia Pérez” (2024, de Jacques Audiard), ganhador das estatuetas de Melhor Filme – Comédia ou Musical, Melhor Filme em Fala Não-Inglesa, Melhor Atriz Coadjuvante (para a protagonista Zoë Saldaña) e Melhor Canção Original (“El Mal”), sendo que ele favorito em diversas categorias, já que era o filme com mais indicações, em termos quantitativos. Para além de seus inúmeros problemas conjunturais (não ter mexicanos na equipe técnica, por exemplo, num roteiro que versa sobre os efeitos deletérios do tráfico de drogas no México), o filme está sendo atacado e/ou repudiado por ter ganho prêmios que “deveriam” ser concedidos à obra brasileira. E isto é uma inversão (des)apreciativa de valores, que tem a ver com a reificação efetivada pelo Capitalismo!
Voltando à cerimônia que consagrou Fernanda Torres, precisamos aplaudir também os talentos de Demi Moore [premiada como Melhor Atriz – Comédia ou Musical, pelo filme de terror “A Substância” (2024, de Coralie Fargeat)] e Jodie Foster (premiada como Melhor Atriz em Minissérie, Antologia ou Telefilme por “True Detective: Terra Noturna”), sendo ambas responsáveis por discursos deveras emocionantes, contra o etarismo e o machismo que enfrentaram ao longo de suas respectivas carreiras. O longa-metragem “O Brutalista” (2024, de Brady Corbet), com mais de três horas e meia de duração, foi laureado nas categorias Melhor Filme — Drama, Ator Dramático (Adrien Brody) e Direção, enquanto, nas categorias televisivas, a minissérie “Xógum, a Gloriosa Saga do Japão” foi a grande vencedora, sobretudo nas categorias interpretativas. Na categoria Melhor Animação venceu o ótimo filme letão “Flow” (2024, de Gints Zilbalodis), enquanto “Conclave” (2024, de Edward Berger) recebeu o prêmio de Melhor Roteiro e Atticus Ross e Trent Reznor receberam o troféu de Melhor Trilha Sonora Original pelo empolgante trabalho desempenhado em “Rivais” (2024, de Luca Guadagnino). O Oscar 2025 reservará algumas boas surpresas, portanto.
Wesley Pereira de Castro.