HOMERO E O ALFABETO, quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?
Após vários milénios das histórias serem transmitidas oralmente, cristalizaram uma forma de dizer que formularam a melhor concepção, a melhor lógica, e a melhor dição das coisas, para terem pronto entendimento, o melhor ritmo, e a sequência de dizer mais atrativa, e convincente. Em muitos lugares do mundo haviam contadores de histórias, estes que entre os povos de língua árabe fixaram histórias contadas da mesma forma por muitas e muitas gerações de contadores que nos mercados, bazares e suks tinham seu local, como se fora um mini-teatro, onde também muitas gerações de ouvintes os iam escutar. Pais com seus filhos, estes que quando eram crianças ouviram as mesmas histórias, e sabiam-nas de cor em muitas das suas passagens, textos repetidos com os mesma termos, nas mesmas sequências, que as tornavam emocionantes e bem conhecidas.
O surgimento dos alfabetos fonéticos, que amadureceram por todo o planeta, desde os antigos silabários, passando, numa evolução, pelas línguas silábicas, até atingirem formulações idiomáticas mais complexas, vêm trazer a possibilidade da recolha destes textos fixados oralmente, em papel, ou seja de forma escrita, um caminho novo que tomavam, e que permitiu que chegassem até nós, dois milénios e meio depois, com as mesmas formas e relações sequenciais estabelecidas pela tradição oral. Assim haviam histórias contadas e re-contadas que eram as preferenciais para registro pela nova forma de guardar o que se dizia, agora, então, sob a forma de texto, em pergaminhos que as preservariam para além da memória do contador de histórias. (Veja “Nine greek lifes. Plutarco.)
Na Grécia.
Ponto de encontro de civilizações, ponte entre Ocidente e Oriente, permeável às mais diferentes influências, em suas cidades-Estados, estruturaram-se diferentes sensibilidades, expressas em estilos, expressões e linguagem diversas, e que com a expansão das duas diásporas gregas, e a da seguinte Magna-Grécia, que incluirá na esfera de ação grega entre vinte a trinta outros dialetos e culturas (etruscas, calabresas, campânias, sicilianas, apúlicas, etcetera, etcetera) da enorme diversidade cultural do que hoje chamamos Itália, além da parte africana que já estava incluída. Aliás esse momento de expansão da ‘Megale Hellas’, que irá trazer à cultura grega, novos poetas, novos músicos, novos cientistas, novos filósofos, etcetera, dá-se exatamente no momento da fixação do alfabeto fonético grego, por volta da metade do oitavo século antes de Cristo.
Evidentemente para manter seu mundo, o mundo pan-helênico era mister um elemento de uniformização, este mesmo que a palavra escrita vem promover. Não será coincidência a contemporaneidade desses três elementos, posto que todos representam forma de unidade. Assim, um povo que escreva da mesma forma, conheça as mesmas histórias, estará mais facilmente apto a ter um mesmo governo. Na continuidade do processo de fusão identitária é neste mesmo momento que se iniciam os Jogos Olímpicos, que buscará trazer os deuses à esta unidade. Onde se incluirão no Universo pan-helénico os atletas. (*)
Esta forma nascente de escrever as palavras ditas, que ocorre na metade o oitavo século a.C, traz de pronto consigo uma artificialidade bi-unívoca, que em sua qualidade dupla mais confundirá por equivalências improváveis, que de dentro para fora forçam apreciações incompatíveis, sendo que no sentido inverso, de fora para dentro, trará adaptações muito peculiares, onde o mundo helênico se verá forçado a as introduzir, tudo isto irá gerar dimensões até mesmo despropositadas na escrita. +
“So the lover of great literature when he is confronted all unprepared with the Greek way of writing, feels chilled at first, almost estranged The Greeks wrote on the same lines as they did everything else Greek writing depends no more on ornament than the Greek statue does It is plain writing, direct, matter-of-fact It often seems, when translated with any degree of literalness, bare, so unlike what we are used to as even to repel All the scholars who have essayed translation have felt this difficulty and have tried to win an audience for what they loved and knew as so great by rewriting, not translating, when the Greek way seemed too different from the English The most distinguished of them, Professor Gilbert Murray, has expressly stated this to be his method:
‘I have often used a more elaborate diction than Euripides did because I found that, Greek being a very Simple an austere Language and English an ornate one a direct translation produced an effect of baldness with was quite unlike the original.’ “
“The Greek Way to western civilization” by Edith Hamilton page 48 e s.
(*) NÃO ACREDITO EM COINCIDÊNCIA TÃO ABRANGENTE.
Na literatura grega.
“The art of the literature of Greece stands in singular contrast to these, isolated, apart The thought of the Greeks has penetrated everywhere, their style the way they write, has remained peculiar to them alone. In that one respect they have had no copyists and no fol- lowers The fact is hardly surprising One must know a foreign language very well to have one’s way of writing actually altered by it, one must, m truth, have entered in to the genius of that language to such a degree as is hardly possible to a foreigner And Greek is a very subtle language full of delicately modifying words, capable of the finest distinctions of meaning Years of study arc needed to read it even tolerably Small wonder that the writers of other countries left It alone and, unlike their brother artists m stone, never imitated Greek methods English poetry has gone an altogether different way from the Greek, as has all the art that is not copied but is native to Europe.” Edith Hamilton – same book page 47. Grifo meu.
Numa civilização que se expandia e conquistava a contribuição de outras identidades, outros povos, a preservação de sua identidade original é uma corrente de resistência da Civilização helênica, em contraste com a pan-helenística, uma necessidade política, a que Homero não poderia estar infenso, sobretudo em virtude da época em que viveu. E seus textos, frutos de uma maneira muito peculiar de utilizar as palavras, e que se revestiam do caráter da busca da factualidade, mesmo após séculos, sendo mesmo suas descrições de Tróia as que levaram à sua descoberta arqueológica dois milênios e meio depois, através de suas referências geográficas, o que leva-nos a crer que esteve no local, hoje na atual Turquia. O rio Scamander, suas descrições particulares, levaram Schliemann ao sítio certo. Tudo isso combinado vem demonstrar que a figura histórica de Homero tinha um compromisso com a verdade, que estaria, obviamente vinculado à uma pureza linguística que se foi mantendo ao longo das sucessivas edições de seus textos, sendo mesmo encontradas partes da Βατραχομυομαχία, idênticas entre si com milênios de interregno.
(Conforme ressalta o Dr. Nino Luraghi em seus textos quanto a identidade literária.)
Pensamento direto e desviante.
O subtítulo que aqui emprego, que é o do livro do Prof. Robert H. Thouless, excelente contributo para atendermos as nossas diversas formas de pensar, que bem analisado, juntamente com a história do período arcaico helenística e em especial as dos “sons, signos e fronteiras” chegaremos à conclusão que há uma superposição de lógicas que se perderam ou refundiram-se, como podemos ver em Carl Grimberg: “La Grèce et les sigines de la puissance romaine” que busca interpretar a transladação cultural de que nós somos ‘debitários’ e devedores. Nicola Abbagnano em sua História da Filosofia nos dá conta das posições identitárias recriadas ao longo dos séculos, milenia, que se recompõem e reproduzem.
O pobre do Homero só tinha as histórias que terá ouvido para se apoiar, o que ademais o torna exclusivo.
Madame la Marquise.
Diz uma antiga canção infantil francesa: “Tourne tourne, tourne la vie, tourne la Terre et tourne tout.” E segue contando à senhora marquesa as peripécias e desgraças que sucederam em sua herdade, afirmando que: “Tout va très bien.”
Assim fazem os que têm algo a esconder. Eu não li o Vlachos, mas espero que ele tenha ‘sacado’ no seu: ‘As sociedades políticas homéricas’, que da evolução do pensamento homérico originou-se um forte pensamento anti-homérico, que a todo rigor terá uma intenção oculta. Quem sabe essa de fundo imperialista, que ao renegar a formação político-filosófica grega, ‘soit disant’ homérica, o que é inegável ao menos em sua origem, nisto que virá a se traduzir em Democracia, tenham a prevenção de impor o descrédito como solução prática em substituição da verdade histórica. Sugiro a leitura dos Primeiros Diálogos Socráticos, onde Platão revela a força da palavra em sua pureza do pensamento direto, em contrate com o desviante que se vem instaurar – Ver também Os últimos dias de Sócrates, pelo mesmo Platão, um dos poucos que não se desaguisou da matriz socrática, como fica claro da leitura de sua ‘A República’.
Sócrates que apesar de nunca ter escrito nada, era muito pesado para a ‘polis’, um indiscutível dedo acusador, por isso foi sentenciado à morte, já Homero, certamente, à inexistência.