Houve uma altura em que me senti sozinho…
Foi aqui há muitos anos – mais de 20 –, quando de repente fiquei sem chão…
A história não é muito complicada – se contada; vivida, a história – literalmente – é outra.
A importância dos outros na nossa vida não deve ser encarada de ânimo leve, porque é bem verdade que nenhum homem, ou mulher, é uma ilha, mas também não é mentira – parafraseando Sartre – que o inferno são mesmo os outros; e, às vezes, nós também.
O ser humano – dizem – é um ser gregário. E faço a ressalva, porque temos de ser inteligentes – e diligentes – e perceber que em milhares de anos de História fomos condicionados a pensar, a agir e a acreditar em determinadas coisas, porque tudo isso permite a manutenção de um modo de vida e de um sistema autossustentado cujos principais interessados não querem mudar; mas isto pode ficar para outra vez…
O ser humano procura criar ligações com os outros, porque é na relação com os outros que vive as emoções, os sentimentos, e o ser humano é um ser de emoções. Por isso, muitas vezes, até em busca de um sentimento de pertença ou em busca de uma razão de existência, procuramos os outros, como se esses outros é que fossem a resposta…
Isto é um erro; ainda que muitos o comentam por ingenuidade. As respostas estão sempre em nós. Os outros, quanto muito, podem ser o instrumento através do qual nós descobrimos as respostas que procuramos; mas – sem dúvida – os outros podem ser de vital importância para que essas respostas cheguem até nós. E é por isso que – por vezes – esses outros acabam por se tornar símbolos dessas respostas; uma espécie de avatar de um sentimento ou razão.
Todavia, esses outros são pessoas como nós e também eles estão nessa busca e também nós representamos respostas, sentimentos e razões para eles. Muitos de nós, esquecemo-nos disso; da mesma forma que – por muitos anos – ignoramos a nossa mortalidade, ignoramos, também, que somos importantes para os outros…
Sim; eu sei… Parece que é ao contrário, mas não é. Durante grande parte da nossa vida, nós – parece – só pensamos em nós, no que nos é importante; como é que podemos ignorar que somos importantes para os outros, se achamos que tudo o que importa somos nós?
Acho que já se percebe o que quero dizer… Ignoramos que temos uma responsabilidade para com os outros.
Nada disto é consciente; claro está.
Mas sempre que os sentimentos que nutrimos pelos outros são honestos e sinceros importamo-nos com esses outros; gostamos de ajudar, de estar lá, de promover o crescimento desses outros através do nosso contributo – seja lá ele o que for; e esperamos o mesmo. Uma relação pressupõe sempre trocas e, sendo verdadeira, elas sempre existirão, porque não somos ilhas.
No entanto, por vezes, as relações não são assim; são perniciosas, são veículos de opressão e exploração, são infernais…
Faço uma ressalva: não estou a falar de nenhum tipo de relação em concreto. Falo da relação entre pessoas, independentemente do contexto.
Por vezes, numa relação, a sinceridade de sentimento só existe de um lado; só um lado pune pelo outro, só um se importa com o outro… Estas relações não interessam a ninguém.
Há coisa de 20 anos – mais coisa menos coisa – eu aprendi isso. Percebi que aquilo que eu buscava nos meus amigos não era aquilo que eles buscavam em mim; percebi que a tolerância que eles tinham para comigo não era a mesma que eu tinha para com eles; percebi que o valor que eu lhes atribuía não era o mesmo que eles me atribuíam a mim; percebi – enfim – que não estávamos na mesma página…
Houve erros de parte a parte, ninguém é perfeito, no entanto, entendi, a dada a altura, que inconscientemente – talvez – eu fora sendo excluído e que – de repente – uma amizade a três, em que eu fora o elo de ligação, se tornara numa amizade a 2+1; eu passara a ser um apêndice. Ora, os apêndices, adoecem e tiram-se…
Os detalhes não importam, certamente todos tivemos as nossas razões, mas eu levei algum tempo para tomar consciência do que se passara e lembro-me das muitas noites que passei a deambular sozinho pelas ruas, sem me sentir bem em lado algum, sem pertencer a lado algum, como um cão abandonado, como um fantasma, como um espírito perdido…
Tentei resgatar esta amizade por várias vezes, fiz o mea culpa no que tinha de fazer, mas tudo o que recebi foram cobranças e indiferença. E, ainda hoje, continua tudo em aberto, nada foi resolvido; e tenho a sensação de que só é assim, porque todas as iniciativas são tomadas por mim e eu já não existo para eles, apesar de eles continuarem a existir para mim… Acho – no meu entender – que isto diz muito sobre tudo.
Lembrei-me disto, hoje, porque ouvi na rádio o tema «Sozinho» dos Taxi; e aquele refrão «Tudo vai e vem sem, dar por mim; Tudo vai e vem, sem ter um fim» ecoou em mim e trouxe-me à memória aquelas noites de há 20 anos em que eu andava sozinho pelas ruas, esquecido…
A verdade é que os sinais desta amizade fraudulenta já estavam lá há muito tempo, mas foram – por mim – ignorados por falta de confiança, por culpa, pelas circunstâncias várias que me rodeavam; enfim, por ter achado que precisava deles, do que eles simbolizavam para mim, das respostas que eles eram… O meu conselho é que nunca se esqueçam que as respostas estão dentro de nós e, se dentro de vós soar o alarme, não ignorem, resgatem-se e preservem-se, porque a importância dos outros na nossa vida não deve – mesmo – ser encarada de ânimo leve; não somos ilhas, mas também é verdade que o inferno são os outros…
Imagem de Okan Caliskan por Pixabay