No final de fevereiro, pouco antes destes tempos sombrios devido ao inimigo invisível que nos ameaça, matando diariamente várias dezenas de pessoas em Portugal, sobretudo mais idosas, a Assembleia da República portuguesa acabara de discutir os diplomas referentes à questão da eutanásia.
Segundo um estudo recente, num inquérito em que 1500 respostas foram validadas, 43% dos inquiridos era a favor da eutanásia (sendo mais favoráveis os mais jovens e com maior grau de literacia) e 28% era contra (inquiridos que se identificavam mais com a direita).
Os representantes dos partidos no Parlamento debateram acaloradamente este tema sempre fraturante, que deve abarcar apenas pessoas maiores de idade, conscientes e lúcidas, sofrendo de doença incurável, irreversível e fatal, causadora de um sofrimento atroz. Trata-se sobretudo de um ato de escolha, quando se está ciente do que é suportar um sofrimento intratável, pela morte assistida.
No entanto, de acordo com a opinião de alguns deputados de diversos partidos, a regulamentação da eutanásia não deve significar um menor investimento do Estado na rede insuficiente de cuidados paliativos. A presidente da comissão de Saúde, Antónia Almeida Santos, defendeu que ninguém contesta que “proteger a vida é um direito do Estado”, e que “não se trata de instrumentalizar a vida”, disse.
Bebiana Cunha, deputada do PAN, disse que o que está em causa é um “acto de extrema e necessária bondade”, lembrando que “a vida é muito mais do que a vida física e fisiológica”, remetendo para as restantes esferas de vida humana: “a vida psicológica, a vida emocional, a vida social” e “um sentido de vida”, vincando ainda que “o projeto aqui apresentado não está contra o exercício profissional de quem tem por missão salvar vidas”. Pedro Filipe Soares (BE) lembrou o galego Ramon Sanpedro que ficou tetraplégico em 1968 e que lutou durante três décadas para pôr fim à sua vida.
E as opiniões divergiam consoante os deputados dos vários quadrantes políticos:
Telmo Correia, líder parlamentar do CDS: “Neste país é particularmente chocante instituir a eutanásia. Mais vale ser um arauto da cautela e do medo do que um arauto da morte.”
António Filipe, deputado do PCP: “A morte é uma inevitabilidade, não é um direito fundamental. Se fosse um direito não seria lícito fazer depender a antecipação da morte da decisão de terceiros como sucede em todas as iniciativas em debate.”
Sofia Matos, deputada do PSD: “Não posso deixar de reclamar para estas pessoas aquilo que reclamo para mim: poder escolher”.
Pedro Delgado Alves, do PS: “O juízo não é meu, não é seu, não é de cada deputado da Assembleia da República; é de cada pessoa.”
Os cinco projectos de lei que despenalizam a eutanásia (do BE, PAN, PS, PEV e Iniciativa Liberal) foram aprovados na generalidade. No entanto, não é o fim do processo legislativo. Depois desta aprovação, os projetos de lei seguem para o debate na especialidade, onde os diferentes projetos aprovados serão ajustados entre si até chegarem a um texto comum, o qual deverá depois ser novamente submetido a uma votação na especialidade e só depois a uma votação final global. Caso seja aprovada, a lei segue para Palácio de Belém, onde o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, poderá vetar, promulgar ou enviar para o Tribunal Constitucional.
Eduardo Ferro Rodrigues, Presidente da Assembleia da República, afirmou, em jeito de conclusão: “Correu bastante bem. É um debate difícil e muito apaixonado, nalguns casos, mas penso que o parlamento esteve à altura”.
A autora deste artigo não quer deixar de justificar a ausência de artigos seus desde o final de 2019, devido a problemas graves de saúde com consequências físicas equivalentes. Problemas que provocaram um sofrimento indizível, não só físico, como emocional e psicológico. Só em ocasiões tão ou mais graves do que esta se pode avaliar o cabimento de uma questão tão importante quanto a da eutanásia, pois trata-se, na maior parte dos casos, sobretudo de um ato de liberdade.
E nesta época de pesadelo que vivemos, assemelhando-se a um filme de terror de ficção científica em que ninguém quer fazer papel de vítima, o Professor de Física da Universidade de Coimbra, Carlos Fiolhais, afirmou numa entrevista dada recentemente: “estamos numa situação inédita, a de não termos serviços religiosos e tudo passar pelos meios de comunicação à distância que a ciência inventou. É muito complexo não haver funerais, uma realidade culturalmente muito entranhada entre nós, neste momento está limitada a serviços mínimos”. No entanto, deixa uma certeza: “Apesar de todos os ataques de vírus e bactérias, a humanidade está mais forte que nunca.”
Bibliografia:
Maria Lopes, Sofia Rodrigues, Liliana Borges e Nuno Ferreira Santos, PÚBLICO, 20/02/2020.
Imagem (Websi) gratuita em Pixabay
Maria Helena Garvão,
Lisboa, 15 de abril de 2020.