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Dados pessoais combinados, captação e uso indiscriminado do Big Data

Dados pessoais combinados, captação e uso indiscriminado do Big Data

O convidado dessa semana é mestre em Direito e advogado no Brasil, Jorge Costa. Ele analisa a relação entre Tecnologia, Ciência e o Direito. Com ceticismo, o autor reflete sobre se as regras da concorrência podem e devem intervir nos temas de Big Data.

O crescimento exponencial da economia digital permitiu o surgimento de modelos de negócios baseados na coleta e processamento em larga escala de dados, o chamado “Big Data”. O uso do Big Data pelas empresas para o desenvolvimento de produtos, processos e formas de organização tem o potencial de gerar ganhos substanciais de eficiência e produtividade, por exemplo, melhorando a tomada de decisões, a previsão e permitindo uma melhor segmentação e segmentação do consumidor.

No entanto, a aquisição na demanda necessária para se beneficiar de economias de escala e alcance e efeitos de rede relacionados a Big Data pode potencialmente levar a posições de monopólio, reforçadas através de fusões de novos e novos prestadores de serviços que, à primeira vista, parecem estar no mesmo mercado. Sabemos que na era da nova economia, a informação é preciosíssima, e quem detem a informação tem o poder e consequentemente o dinheiro, sendo aí que algumas empresas na era digital consolidam seu poder, algumas já famosas pela prática, outras ainda nem tanto.

A prática de aumentar a lucratividade através da colheta de dados não é nova, nos Estados Unidos da America a empresa que talvez tivesse o maior banco de dados do mundo corporativo, ante da atual era digital era o Wall Mart.

Nos anos de 1990, o Wall Mart revolucionou o varejo ao registrar todos os produtos como dados, por meio de um sistema chamado Retail Link, o que levou os fornecedores a monitorar a taxa e volume de vendas e o estoque, obrigando que os próprios fornecedores cuidassem eles mesmos da reposição dos produtos, fazendo do Wall Mart a maior loja de consignados do mundo.

Mas o uso da informação de maneira mais eficaz se deu em 2004, quando a rede vasculhou a enormidade de dados de transações passadas: que item cada consumidor comprou e o custo total, o que mais havia em sua cesta, horários e até mesmo o clima. Ao fazer isso, a empresa notou que, antes de um aviso de furacão, não apenas as vendas de lanternas aumentava como também a de Pop-Tarts, um típico doce americano, o que levou ao Wall Mart a estocar caixa do produto e reposiciona-los assim que o anúncio de uma tempestade se aproximava.1

Anos se passaram mas a sede pelas informações não, e a colheta de dados ficou bem mais simplificada, levando a recentes casos de coletas e até vendas de dados, como o da empresa chamada IRobot, a fabricante de robôs-aspirador como os Roombas demonstrou planos de mapear as casas de seus usuários, para que assim possa vender as informações a eventuais interessados.

Fundada em 1990, a iRobot fez seu nome ao construir robôs de eliminação de explosivos para o exército dos EUA, antes de lançar o primeiro “robovac” do mundo em 2002. A empresa vendeu sua unidade militar em 2016 para se concentrar no setor de consumo, e seu principal produto o Roomba tem preços 375 e 899 dólares respondendo por 88 por cento do mercado de aspiradores robotizados dos EUA.

Todos os robovacs usam sensores infravermelhos ou de laser de curto alcance para detectar e evitar obstáculos, mas a iRobot, em 2015, adicionou uma câmera, novos sensores e softwares para a série 900 do Roomba que lhe deu a capacidade de construir um mapa enquanto controla sua própria localização dentro dos ambientes.

A denominada tecnologia simultânea de localização e mapeamento (SLAM) agora permite ao Roomba, e a outros robovacs top de linha fabricados pela Dyson e outros rivais, fazer coisas como parar de aspirar, voltar para a base para recarregar e retornar ao mesmo local para terminar o serviço.

Apesar de estar no ramo de limpeza há anos, os interesses da empresa vão além disso.

Em reportagem publicada em 24/07/2017 pela agência internacional de notícia Reuters, o chefe-executivo da empresa, Colin Angle, afirmou que pode chegar a um acordo e vende-los a empresas como Amazon, Apple e Google nos próximos anos.

“Há todo um ecossistema de coisas e serviços que as casas inteligentes podem entregar quando se tem um mapa rico da casa que o usuário permitiu que seja compartilhado”, disse Angle.

A ideia é que informações como tamanho da residência e distância entre móveis sejam compartilhados com aparelhos dessas empresas, como seus assistentes digitais.

Ante esses exemplos, cabe-nos identificar em que medida a utilização de dados pessoais dos usuários, decorrente ou não de violações aos seus direitos de personalidade pode se converter em poder econômico.

Os dois exemplos noticiados aqui expostos, ao mesmo tempo que desperta uma preocupação e até um alarde pelo impacto que pode causar ante a violação de privacidade não é nenhuma novidade, sendo prática comum já antes da capacidade monstruosa de captação de dados que temos hoje, e gigantes da tecnologia como a própria Google tem captado informações de seus usuários, a maioria das vezes inclusive com seu consentimento a longos anos, principalmente com a massificação do uso de gadgets e aparelhos celulares cada vez mais interativos, com assistentes virtuais e facilidades para seus usuários.

No entanto por mais preocupante que possa parecer, como tudo é relativamente recente, e acontece em velocidade galopante para a aplicação do direito, adequação das leis e julgamentos no tocante ao tema, parece-nos uma cortina de fumaça que acaba por afastar a questão de maior relevância nessa captação indiscriminada, armazenamento e utilização dos dados, já que mais nocivo que a relação direta da privacidade do consumidor e seus dados, pode ser o poder que essas empresas detem no mercado de posse de tão poderosa ferramenta, pretendo o presente artigo apontar tais riscos, passando por alguns conceitos importantes para entendimento do tema.

ENTENDENDO O USO PRÁTICO DO BIG DATA

Big Data é a denominação dada aos conjuntos de dados cujo tamanho está além da capacidade de uma ferramenta tradicional de banco de dados coletar, armazenar, gerenciar e analisar, representando na atualidade o que podemos chamar de próxima fronteira para inovação, concorrência e produtividade.

Para manusear esses dados tão abundantes em volume, tão diversos em variedades e em velocidade, que os meios antigos e tradicionais de captura e análises são insuficientes ou economicamente inviáveis, sendo necessário sofisticados algarítimos capazes não só de capturar, como analisar e utilizar esses dados.

Caracterizado comumente pelos 6V’s, que em inglês são: volume (great volume), variety (various modalities, types of data), velocity (rapid generation, processement of data), value (valor), veracity (veracidade) e validation (validação).

Ou seja, a facilidade de leitura de dados que a nova economia permite, demonstra que cada indivíduo é o somatório de suas relações sociais, de suas interações e conexões on line com os conteúdos. Atualmente, quando o objetivo é conhecer alguém verdadeiramente, os analistas observam os dados em torno do indivíduo, os contatos e ligações estabelecidas, relacionando praticamente todos os aspectos da vida para, a partir das ferramentas e sistemas do Big Data, identificar padrões de comportamento, fazer correlações e análises preditivas.

De acordo com Mayer-Schönberger e Cukier2, não tardará e o Big Data será uma parte imprescindível da solução para os problemas globais mais prementes como o enfrentamento das mudanças climáticas, a erradicação de doenças, além da promoção da boa governança e do desenvolvimento econômico.

Esse moderno fenômeno demonstra uma capacidade de captar volumes grandiosos de informações, analisá-las de imediato e tirar conclusões.

Um mecanismo em constante acensão, de amplitude crescente com funções tão distintas que servem para facilitar a vida humana, podendo ser um mecanismo facilitador, desde uma busca por melhores preços para um consumidor até a capacidade de obtenção de informações que conferem ao seu detentor capacidade para estabelecer estratégias empresariais e, em algumas situações, caracterizando-se um Essential facility3, um poder de mercado e até mesmo uma posição dominante para unilateralmente interferir no funcionamento do mercado.

Não é exagero afirmamos que estamos diante de uma revolução emparelhada à Internet, e tal avanço tecnológico tem críticos fervorosos, que trazem fundamentos dignos de atenção, como é o caso Hilbert, alemão de 39 anos, doutor em Comunicação, Economia e Ciências Sociais, e que investiga a disponibilidade de informação no mundo contemporâneo.

Segundo Hilbert o fluxo de dados entre cidadãos e governantes pode nos levar a uma “ditadura da informação”, algo imaginado pelo escritor George Orwell no livro 1984.

Vivemos em um mundo onde políticos podem usar a tecnología para mudar mentes, operadoras de telefonia celular podem prever nossa localização e algoritmos das redes sociais conseguem decifrar nossa personalidade melhor do que nossos parceiros, afirma”4.

Para Hilbert os provedores de internet buscam permissão para coletar dados privados dos clientes há muito tempo, incluindo o histórico de navegação na web, e compartilhar com terceiros, como anunciantes e empresas de marketing.

Um provedor de internet pode ver suas buscas na internet, se, por exemplo, você assiste Netflix ou Hulu. Essa informação é valiosa, porque poderiam orientar sua publicidade a residências que usam seus serviços.

O professor da Universidade da Califórnia e assessor de tecnologia da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, diz que a operadora de celular sabe onde você está graças a seu celular. O Google também sabe, porque você tem Google Maps e Gmail no seu telefone. E cada transação que faz com seu cartão de crédito é um ponto de dados, cada curtida no Facebook. Inclusive pode haver registros de como você movimenta o mouse ao usar a internet.

Seu telefone te mostra quantas chamadas fez. A operadora deve coletar essas informações para processar sua conta. Eles não se preocupam com quem e o que falou. É apenas a frequência e duração de suas chamadas, algo conhecido como metadados. Com isso é possível fazer uma engenharia reversa e reconstruir um censo completo de um país com cerca de 80% de precisão: gênero, famílias, renda e educação.

Se tenho informação mais detalhada – por exemplo, se a operadora registra seus deslocamentos por meio das conexões às antenas. É possível prever com até 95% de precisão onde você estará em dois meses, e em que hora do dia.

Você tem o celular consigo a cada segundo e deixa uma pegada digital; cada segundo está registrado por diversas empresas”5

Como exemplo de empresa focada mais exclusivamente em dados, o professor cita o Facebook, que tem um pouco mais de informação, há, por exemplo, as “curtidas”, o que você gosta e quando. Pesquisadores da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, fizeram testes de personalidade com pessoas que franquearam acesso a suas páginas pessoais no Facebook, e estimaram, com ajuda de um algoritmo de computador, com quantas curtidas é possível detectar sua personalidade.

Com cem curtidas poderiam prever sua personalidade com acuidade e até outras coisas: sua orientação sexual, origem étnica, opinião religiosa e política, nível de inteligência, se usa substâncias que causam vício ou se tem pais separados. E os pesquisadores detectaram que com 150 curtidas o algoritmo podia prever sua personalidade melhor que seu companheiro. Com 250 curtidas, o algoritmo tem elementos para conhecer sua personalidade melhor do que você.

Essa ferramenta para uma empresa de marketing, é algo muito interessante. Com o Big Data também elevamos muito o poder de previsão das Ciências Sociais. Desenvolver um algoritmo de inteligência artificial pode custar milhões de dólares. Mas uma vez criado pode ser aplicado a todos. Então é algo que está sendo empregado rapidamente em vários países.

De maneira a exemplificar medidas pioneiras no uso dos dados, Hilbert cita a operadora de celular Telefônica, que, trabalhou muito em previsão de localização. E até já começou a vender esse tipo de informação. Então caso você queira abrir uma empresa em alguma capital da América Latina para vender gravatas você paga e te dizem em que hora e onde os homens caminham. E você fica sabendo em qual saída do metrô deve instalar sua loja.

Dessa forma, o Big Data, compreendido como um fenômeno tecnológico e a sua vasta variedade de potencial de uso para a análise de grandes volumes de dados, exige reflexões acerca da eficiência das leis atuais e dos padrões éticos da sociedade para proteger a privacidade, assegurar a concorrência e o bem-estar do consumidor.

CONSIDERAÇÕES SOBRE POSIÇÃO DOMINANTE NA data-driven economy

Agora que já temos ideia de como o Big Data pode ser utilizado, e como algumas empresas vem usufruindo de tal ferramenta, passamos a fazer uma breve explanação do conceito de posição dominante.

Parte-se do pressuposto de que mesmo a empresa que não atue sozinha no mercado pode deter poder econômico tal que lhe permita agir de forma independente e com indiferença a existência ou não do comportamento dos outros agentes. Em virtude da ausência de ambiente concorrêncial, o agente econômico titular de “razoável” poder não sofre maiores pressões de competidores econômicos. Neste caso, a posição de pequenos agentes será sempre de sujeição ao comportamentoda outra empresa. Não é necessária a completa ausência de concorrência no mercado para que se verifique a posição dominante: basta que a concorrência não seja de tal grau a ponto de influenciar significativamente o comportamento do “monopolista”.6

A Suprema Corte norte-americana define poder de mercado como “o poder de controle dos preços ou de exclusão da concorrência, obrigando outrem a fazer algo que não faria em um mercado competitivo.”

Dentro do que já vimos até aqui, não seria nenhum absurdo concluir que poderíamos estar diante de uma situação em que através do mapeamento dos dados do usuário, utilizando-se de sofisticados algorítimos, teríamos empresas que estariam pulverizando a concorrência e corroendo o mercado, já que aparentemente tal tecnologia é capaz de atever o comportamento do usuário, além de diversas outras funções.

Essa conclusão já alerta a comunidade iternacional, que procura monitorar as questões vinculadas ao tema, afim de dar uma resposta antes de um possível desastre econômico, ante as nocivas práticas que o monopólio pode trazer para o mercado e o desenvolvimento.

O principal desafio, é que nos mercados relevantes envolvidos na questão do Big Data, é de extrema complexidade a quantificação do poder dos agentes. Critérios como o faturamento ou o volume de vendas, tradicionalmente utilizados para tais fins, não parecem ser suficientes o suficiente na economia voltada aos dados, principalmente diante da necessidade de mensurar o poder potencial dos agentes, cujo exercício deve ser objeto de prognoses em cenários de curto e longo prazo.

Assim, surgem debates sobre a possibilidade de novos critérios que possam ou deveriam ser considerados na análise concorrencial. Algumas delas, como a mensuração do volume de dados à disposição de determinado agente econômico, bem como a sua capacidade de processamento dos dados obtidos.

Entretanto, somente o volume dos dados está passível de uma métrificação objetiva, o qual, mesmo assim, pode não ser um indicador fidedigno de poder econômico. Já que os dados só são relevantes na medida em que podem ser convertidos em informações úteis, o que mostra a interdependência entre os dados e o seu processamento.

O IMPACTO DO BIG DATA NA ECONOMIA

Apesar de ser um fenômeno tecnológico fantástico que auxilia o desenvolvimento humano com vasto potêncial e possibilidades de uso, como toda ferramenta, deve ser observado os seus efeitos nocivos, e esses efeitos já despertaram preocupação e atenção da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que deu início aos debates em 2011 gerando no ano seguinte um relatório “The Digital Economy”7, em que diversos especialistas indicam que a concorrência em mercados digitais, os quais tem características peculiares únicas, com inclinações a práticas como “winner takes all”, os efeitos de rede, mercados de dois lados, ritmo acelerado de inovações e elevadas quantias de investimento. Essa natureza cíclica da concorrência mostra que plataformas digitais bem-sucedidas tendem a adquirir poder de mercado significativo, porém transitório. A economia digital também se caracteriza e tem como essencial a concorrência dinâmica, baseada em ciclos contínuos de inovação, desenvolvimento e rupturas.

É comum ver as discussões sobre o Big Data saírem da ótica concorrencial e adentrar em temas relacionados à defesa do consumidor e a proteção de seus dados. Isso não diminui a importância de questões relacionadas ao Big Data no tocante à consumidor, proteção de dados e livre concorrência, mas demonstra que a solução para o problema tem que vir em conjunto, afinal nada mais prejudicial aos consumidores do que uma concentração de mercado.

E apesar de herculanos esforços para proteção desses dados, o que se encontra na atualidade são medidas pontuais de defesa dos consumidores e proteção dos seus dados, sendo que atualmente todos esses consumidores estão conectados uns aos outros pela internet, formando uma grande rede, momento em que todos passamos a fazer parte de uma comunidade global e sem fronteiras, interligando com outros indivíduos se utilizando de redes sociais, e-mails, pagando pelo serviço utilizando nossas informações pessoais, o que demonstra o pouco efeito prático da maioria das medidas, ante até a conveniência que o fornecimento desses dados proporciona.

Fica claro que deve se ter uma preocupação com o consumidor diante a tal situação, só que se limitarmos nossa preocupação de forma individualizada, sobre os dados de cada indivíduo estaremos nos afastando do problema sobre a ótica da posição dominante de mercado, que por sua vez tem capacidade de ser muito mais nocivo ao consumidor. Isso porque, a concentração econômica, em regra, limitadora dos agentes que concorrem no mercado, faz com que os consumidores estejam envolvidos no efeito rede. Se por um lado, o acrescimo de usuários deixa um serviço mais interessante ao concetar as pessoas, por outro, o consumidor se vê refém de aderir a tal serviço, sujeitando-se as políticas impostas pelo agente econômico, caso contrário estará fora da rede, o que hoje em dia significa fora da sociedade.

E quando se trata de concentração econômica, sobretudo quando tratamos de mercados de dois lados ou até mesmo multiplataformas, isso acaba por interferir negativamente na competição de players menores, que em desvantagem de informação raramente conseguem sobreviver na competição com players que atuam em diversas camadas utilizando-se o Big Data ao seu favor.

Dessa forma os orgãos de que atuam na defesa da concorrência devem aperfeiçoar o entendimento sobre o funcionamento do Big Data, entendo a forma de coleta, armazenamento e processamento. Para que possa haver um diálogo entre a indústria do Big Data e os interessados, organizando audiências públicas, trocando informações e ideias com orgãos que atuam em defesa da concorrência em outros países, trazendo uma equidade maior para o setor, até porque a ferramenta veio para ficar.

FUSÕES DE EMPRESAS, ANTITRUSTE E BIG DATA.

Nas mãos dos agentes que agem na defesa da concorrência em âmbito internacional, já chegaram alguns casos envolvendo concorrência, principalmente casos em que houve a fusão de duas empresas, o que nos ajuda a entender como os agentes de defesa da concorrência tem se posicionado quanto ao tema, o que nos permitirá verificar como questões envolvendo Big Data e domínio de mercado estão sendo tratados na prática.

Um dos casos de maior repercursão nos EUA foi o caso do Google quando adquiriu a DoubleClick, o questionamento levado a Federal Trade Commission – FTC era se a combinação do banco de dados do Google de informações de pesquisa de usuários e os dados do consumidor da DoubleClick coletados em nome de seus clientes editores aumentariam o poder de mercado da Google no mercado de intermediação de anúncios. Após uma breve investigação, a Comissão concluiu que não seria, a comissão considerou que a combinação de informações e o comportamento de busca na web do Google e da DoubleClick já estava disponível em diversos concorrentes do google, não trazendo nenhuma vantagem competitiva.8

Já que por um lado, os dados coletados pela DoubleClick pertenciam exclusivamente ao seu banco de dados e o Google concordou em respeitar as restrições contratuais. Além disso, a comissão concluiu que, mesmo que o Google acessasse os dados da DoubleClick, não havia informações competitivas sensíveis suficientes para dar a Google uma vantagem anticompetitiva no mercado em relação a seus rivais publicitários. Em suma, nem os dados disponíveis para o Google, nem os dados disponíveis para DoubleClick, foram uma entrada essencial para um produto de publicidade online bem-sucedido.

A Comissão também não viu como os dados dos consumidores da Google e da DoubleClick poderiam ter valor estratégico particular na preservação da posição do Google no mercado de intermediação de anúncios.

Os principais concorrentes do Google nesse mercado – Microsoft, Yahoo!, e Time Warner – cada um tinha acesso a seus próprios armazenamentos de dados exclusivos do consumidor, incluindo dados construídos de seus próprios sistemas de busca, servidores de anúncios e serviços de intermediação de anúncios. Enquanto o Google não tinha acesso às lojas de dados de seus concorrentes, o que não era, era difícil ver como o Google detinha qualquer vantagem estratégica sobre eles no mercado de intermediação de anúncios.

Apesar de parecer pelos exemplos que os casos são de simples solução, é importante salientar, como faz Ana Frazão que na data-driven economy, as dificuldades para a identificação e estimação do poder econômico ficam ainda maiores. Uma das razões é o fato de que a ideia de substituibilidade entre produtos e serviços, tão importante para a identificação do mercado relevante, torna-se mais fluida. Em muitos casos, além das eventuais zonas de sobreposição, há fundadas dúvidas sobre que produtos ou serviços, apesar de não idênticos, são funcionalmente semelhantes a ponto de integrarem o mesmo mercado relevante.9

Já no mercado da União Europeia, por exemplo condenou o Google por abuso de posição dominante no mercado de buscas para favorecer o seu comparador de preços10, trazendo o debate para saber se serviços semelhantes que, assim como é o caso do Facebook, também oferecem buscas poderiam ser considerados integrantes do mesmo mercado relevante.

Este caso concreto consolida o posicionamento da comissão quanto ao tema, para a FTC o armazenamento de dados de um consumidor de uma empresa não é mais valioso que o de outra empresa, mesmo que sejam coletados de diferentes plataformas. E a coletânea de dados do consumidor eram substitutos funcionais uns dos outros. Enquanto a Google não pudesse impedir que outras empresas acumulassem seus próprios dados do consumidor, isso não era uma preocupação competitiva, não estava privando assim outros concorrentes de adotar um sistema semelhante, ou até inovador.

Claro que um conjunto diferente de fatos pode levar a um resultado diferente do ocorrido no caso da Google/DoubleClick. Se existe uma vantagem competitiva associada ao acesso a um grande volume de dados dependerá de conjunto específico de fatos, incluindo o mercado específico em questão, portanto, deve-se analisar as questões de Big Data e antitruste caso a caso e estar atento às transações e a conduta que parecem incompatível com a concorrência.

Além da questão suscitada, a fusão Google/DoubleClick também trouxe uma questão paralela envolvendo concorrência e privacidade. Os defensores da privacidade exigiram que a FTC bloqueasse a fusão na premissa que a combinação dos respectivos conjuntos de dados pessoais da Google e da DoubleClick poderiam ser explorados de uma forma que ameaçava a privacidade dos consumidores.

A Comissão respondeu enfatizando que o único objetivo na revisão das fusões é identificar e desafiar transações que prejudiquem a concorrência. No entanto, embora a investigação tenha focado principalmente sobre o impacto da fusão nos mercados de publicidade on-line, a Comissão também considerou a possibilidade de que a transação possa ter um efeito adverso na privacidade do consumidor, em última análise, a comissão não encontrou qualquer evidência de possível dano.

O fato é que, os agentes antitruste, devem estar preparados para considerar a proteção da privacidade como um aspecto da concorrência. Da mesma forma que as empresas podem competir oferecendo proteção de garantia com seus produtos, eles também podem oferecer diferentes opções de privacidade e recursos para atrair consumidores a comprar seus serviços, a nuance de detalhes em cada caso concreto é de extrema sensibilidade.

De fato, essa decisão da FTC apesar de não reconhecer danos a concorrência por motivos de privacidade, adicionou outras medidas para proteger a privacidade dos consumidores anunciando um conjunto de propostas princípios de publicidade.

A FTC reconheceu a necessidade de maior transparência e controle do consumidor à luz das questões de privacidade levantadas pela publicidade comportamental trazendo um conjunto de princípios como uma forma de promover a auto regulação da indústria. Os princípios tomaram em conta os potenciais benefícios econômicos da publicidade on-line para os consumidores, incluindo conteúdo on-line e equilibrou esses benefícios contra os riscos que podem resultar dos consumidores não contemplando plenamente a forma como funciona a publicidade comportamental.

Seguindo a mesma lógica no caso em que o Facebook adquiriu o Whasapp, a comissão considerou que o grande número de dados de usuários não estava dentro do controle exclusivo do Facebook , considerando que mesmo que o Facebook pudesse usar o WhatsApp como ferramenta potencial para melhorar os objetivos de propaganda do Facebook, isso não impediria uma competição no mercado de propagandas.11

Dessa forma, percebe-se que as autoridades em antitruste estão preocupadas se os players tem poder de mercado suficiente, em razão do fácil acesso a dados, que podem distorcer a concorrência. Grandes players verticalmente integrados, podem ensejar em problemas de concentração, principalmente nesse extremamente dinâmico mercado, que nos últimos anos vem mudando drasticamente, com o surgimento de novos players e a competição de quem tem o melhor algorítimo, geralmente utilizando em propaganda, isso pode beneficiar tanto o anunciante quanto ao consumidor se for utilizado de maneira efetiva.

Percebe-se que as decisões do FTC estão seguindo premissas bem liberais, sem nenhum tipo de intervenção no que tange ao debate do Big Data eo abuso de poder econômico, deixando claro a posição a favor do livre mercado, acreditando que qualquer player tem a capacidade de se utilizar da mesma forma, acreditando que os usuários se amoldariam a novos serviços ou novos players que podem fazer igual aos já presentes no mercado ou até aprimorar seus algorítimos de forma a ser o próximo detentor da maior fatia do mercado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na era do Big Data, os benefícios trazidos por esta revolução só serão efetivos ao consumidor com a implementação de medidas de proteção de dados, mas, sobretudo, com a existência de um ambiente necessariamente competitivo, onde a livre concorrência será capaz de conter eventuais abusos do poder econômico.

Não há dúvida de que a agregação de dados pode ter implicações importantes para concorrência. Mas, como observado, não parece que grandes dados exigem novas regras de antitruste ou novos modos de análise. Em vez disso, o que é importante é um exame cuidadoso das questões para que haja uma compreensão clara da relação, se houver, entre Big Data e o exercício do poder de mercado, sempre observando a delicada relação existente entre o mercado, o consumidor, sua privacidade e como ela está sendo utilizada.

Claro, considerando a análise, manipulação e uso de dados importantes ainda estão evoluindo conforme novas ferramentas são criadas para extrair esses dados, temos que estar abertos a novos padrões de fato e novas teorias de danos a concorrência.

Além disso, quando os dados em questão são informações do consumidor, preocupações de privacidade devem ter uma consideração relevante, mas apenas se houver evidências de que as partes da fusão competem com o outro sobre privacidade. Caso contrário, tais preocupações são mais adequadamente abordadas fora do contexto de antitruste através de um processo separado sobre as práticas de privacidade e segurança de dados das partes, o que de forma pulverizada ainda atingiria os efeitos esperados.

O outro ponto que deve ser observado, ao impor as leis antitruste exclusivamente para proteger o processo competitivo e promover o bem-estar dos consumidores, garantimos que não estará sendo privado de forma inadvertida os consumidores, que devem e podem ser beneficiados em larga escala pelos potenciais benefícios do Big Data. Em algumas circunstâncias, o Big Data pode desempenhar um papel competitivo e benigno, e em outras circunstâncias, ele pode fornecer uma fértil fonte de competição de inovação. Devemos permitir que esses cenários sigam seu curso natural, desde que não seja feito prejuízo à concorrência ou ao processo competitivo.

O fato é que o problema econômico que o Big Data pode trazer, como em efeitos de rede quando este permite uma barreira de entrada, já previsto nas regras de concorrência existentes são suficientes para resolver, quando, uma intervenção do órgão competente for necessária. A típica, solução para tal problema, seria dar acesso aos dados que estas empresas possuem aos seus concorrentes, atuais e potenciais, mitigando-se assim a dita barreira de entrada. Mas isto vai na contramão do que as autoridades do mundo todo parecem estar neste momento evitar, pois existem fundadas preocupações com privacidade e regras de concorrência. E de fato, um acesso mais amplo a dados pode significar mais concorrência, mas certamente que também significa menos privacidade, sem mencionar que somente os dados sem os complexos algoritmos que fazem esses dados virarem uma ferramenta preciosa, tal medida seria possivelmente contraproducente.

Por fim, as regras da concorrência podem e devem intervir nos temas de Big Data sempre que destes resultem questões que justifiquem a sua aplicação. O que não está devidamente claro é em que circunstâncias essa intervenção deve ocorrer. O problema está identificado e a reflexão em curso por todo o mundo, sendo de suma importância buscar a total transparência no uso dos dados, adequando a metodologia do antitruste afim de dar uma resposta adequada.

REFERÊNCIAS

Mayer-Schonberger Viktor, Cukier Kenneth – Big Data: Como extrair volume, variedade, velocidade e valor da avalanche de Informação Cotidiana – 2013

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella Direito Administrativo. São Paulo: Atlas – 2012

LISSARDY, Gerardo. ‘Despreparada para a era digital, a democracia está sendo destruída’, afirma guru do ‘big data’. BBC. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/geral-39535650>

FORGIONI, Paula A.”Os Fundamentos do Antitruste” São Paulo: Editora dos Tribunais – 2016

Disponível em: http://www.oecd.org/daf/competition/The-Digital-Economy-2012.pdf

Commission Decision of 11 March 2008, case M. 4731 Google/DoubleClick, para. 364-366

FRAZÃO, Ana. Big data e impactos sobre a análise concorrencial: Direito da Concorrência é um dos mais afetados pela importância dos dados. Jota. Disponível em: https://www.jota.info/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/big-data-e-impactos-sobre-analise-concorrencial-13122017

Commission Decision case 39749. Disponível em: <http://ec.europa.eu/competition/elojade/isef/case_details.cfm?proc_code=1_39740>

Commission Decision of 3 October, case M. 72171 Facebook/WhatsApp, para. 167-189

1 Mayer-Schonberger Viktor, Cukier Kenneth – Big Data: Como extrair volume, variedade, velocidade e valor da avalanche de Informação Cotidiana – 2013

2 Mayer-Schonberger Viktor, Cukier Kenneth – Big Data: Como extrair volume, variedade, velocidade e valor da avalanche de Informação Cotidiana. São Paulo: – 2013

3 Também traduzida como doutrina da instalação essencial, assim se designa a teoria que analisa, no âmbito da regulação, o acesso a bens essenciais, utilizada como forma de as agências provocarem livre concorrência, em condições isonômicas. Uma hipótese comum é o “compartilhamento de rede de infraestrutura detida com exclusividade por determinado agente com os demais, denominados entrantes“. In. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella Direito Administrativo. São Paulo: Atlas – 2012

4 LISSARDY, Gerardo. ‘Despreparada para a era digital, a democracia está sendo destruída’, afirma guru do ‘big data’. BBC. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/geral-39535650>

5 LISSARDY, Gerardo. ‘Despreparada para a era digital, a democracia está sendo destruída’, afirma guru do ‘big data’. BBC. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/geral-39535650>

6 FORGIONI, Paula A.”Os Fundamentos do Antitruste” São Paulo: Editora dos Tribunais – 2016

7 Disponível em: http://www.oecd.org/daf/competition/The-Digital-Economy-2012.pdf

8 Commission Decision of 11 March 2008, case M. 4731 Google/DoubleClick, para. 364-366

9 FRAZÃO, Ana. Big data e impactos sobre a análise concorrencial: Direito da Concorrência é um dos mais afetados pela importância dos dados. Jota. Disponível em: https://www.jota.info/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/big-data-e-impactos-sobre-analise-concorrencial-13122017

10 COMISSÃO EUROPEIA. Caso 39749. Disponível em: <http://ec.europa.eu/competition/elojade/isef/case_details.cfm?proc_code=1_39740>

11 Commission Decision of 3 October, case M. 72171 Facebook/WhatsApp, para. 167-189

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