Não há dúvidas de que a boa informação é condição fundamental para a sobrevivência humana na terra, porém, só funciona se a informação estiver correta. É neste último detalhe, a exatidão da informação, que mora um dos maiores perigos da contemporaneidade.
Como dizia minha avó:
Fulana ouviu o galo cantar e nem sabe onde. Como pode agora querer me ensinar se nem ela tem certeza de nada. Coitada!


Prezado leitor, prezada leitora, no Brasil, país em que vivo, a expressão “ouviu o galo cantar e não sabe onde” significa que a pessoa ouviu uma notícia aos pedaços, juntou do seu modo e saiu contando a sua versão dos fatos pelo mundo. Já o termo sabereta, é utilizado para identificar aquela pessoa que sabe de tudo, tem opinião formada sobre tudo, mas não se aprofunda em nada, tem um conhecimento apenas superficial, sem ter a noção dessa condição.
Mas vamos ao texto, antes que o leitor se canse e comece a prestar mais atenção ao galo cantando do que ao escrito.
É próprio da condição mental humana escanear os ambientes e as pessoas durante todo o tempo, mesmo que de forma inconsciente. É dessa forma que nosso cérebro colhe informações e monta os circuitos mentais sobre tudo o que vê, ouve, escuta e sente. A cada informação nova os circuitos vão se expandindo e criando grandes conectomas mentais, que acrescentados aos circuitos já existentes, formam o conhecimento sobre algo, que pode ser uma situação, pessoas, emoções, acontecimentos ou simples detalhes, que ao juntar-se mais tarde com um circuito maior, formam informações “um pouco mais completas” sobre algo.
Percebam que escrevi “um pouco mais completas” e não completas. A completude é algo quase impossível no universo, quiçá entre os humanos. Tudo é relativo, as certezas, as lembranças, as conclusões, o conhecimento, as impressões, tudo é uma questão de percepção.
Mas afinal, existe exatidão em algo?
O cérebro humano é formado por uma massa encefálica composta, entre outras substâncias, de células nervosas que se conectam o tempo todo, de acordo com os estímulos internos e externos. Cada vez que um estímulo chega ao sistema nervoso central humano tem início uma procura imediata de informações apreendidas anteriormente, que possam se relacionar com a informação nova e dar um sentido ao novo conhecimento, formando um circuito novo ou ampliado por informações recentes. Há uma necessidade cerebral constante em estabelecer relações com o que vemos, ouvimos, lemos, observamos ou simplesmente vivenciamos, na tentativa de identificar se a aprendizagem nova poderá ser útil ou não para a sobrevivência na terra. É preciso ter algum sentido.
É nesse momento que tem início aquela vontade por vezes incontrolável de ter que entender e interpretar tudo, como se o mundo fosse autoexplicável e bastasse um pouco de observação para logo ter em mente uma nova teoria da conspiração, ou uma receita infalível para a cura de algo grandioso, ou ainda, a chave da felicidade.
E por aí vai um cérebro alucinado tentando estabelecer relação de tudo com tudo, um verdadeiro “sabereta” ambulante, sempre com opiniões pontuais, dicas infalíveis e exemplos de vida.


A sensibilidade humana aliada a percepção não é capaz de captar todos os estímulos externos pertinentes a um determinado fenômeno, acaba por captar os que se mostram mais relevantes individualmente e isso resulta em uma percepção falha da realidade. Cada indivíduo tem a sua percepção do fenômeno, mesmo que uma multidão veja o mesmo acontecimento ele será registrado pelo cérebro de cada um de acordo com suas memórias, vivências anteriores e histórico de vida. Cada pessoa tem um arranjo mental único, fruto da sua percepção de mundo também única.
Quando aprendemos algo novo e não temos a possibilidade de ampliação desse conhecimento, da confrontação de ideias e do contraditório, limitamos nosso saber sobre o assunto e sobre o mundo que o rodeia. Ao impedir esse exercício cognitivo tornamos robustas uma única via de aprendizagem, uma única conexão neural, que de tanto ser usada, se torna um procedimento automático, impedindo a ampliação da realidade e limitando a visão de mundo. Podemos então afirmar que essa pessoa adquiriu um viés cognitivo, uma via rápida de conhecimento de algo que na maioria das vezes não dá conta de entender o todo, fragmentando o conhecimento para que caiba dentro das possibilidades cerebrais do indivíduo.
O galo agora canta online
Enquanto na época da minha avó o galo cantava pelas ruas e demorava um pouco para sua cantoria chegar aos ouvidos disponíveis, agora o galo canta de forma instantânea, para um público totalmente desconhecido e diverso. Digamos que o galo abandonou a opção offline para ficar online. Talvez seja por isso que o número de saberetas parece ter aumentado, mas para afirmar tal suposição, seria preciso pesquisa.
Fico aqui pensando em supostos títulos para essa pesquisa:
- A relação entre o número crescente de saberetas e a cantoria do galo;
- A influência do blog @galosabereta na disseminação de Fake News;
- Resultados quantitativos entre galos online e offline;
Haja imaginação!
Levantamento feito pelo jornal Folha de São Paulo[1] com o objetivo de identificar a quantidade de usuários dos diversos meios de comunicação que aderem às notícias falsas, constatou que as páginas chamadas de “Fake News têm maior participação dos usuários de redes sociais do que as de conteúdo jornalístico real. De 2017 a 2018, os veículos de comunicação tradicionais apresentaram queda de 17% em seu engajamento (interação), enquanto os propagadores de Fake News tiveram um aumento de 61%”.
Ainda na mesma pesquisa, constatou-se que os meios de comunicação que divulgam notícias falsas, o fazem mesclando notícias reais com as não reais, provocando uma certa letargia mental nos usuários, que na ânsia de propagar em primeira mão a notícia, não percebem ou ignoram a existência das Fake News. “Outra característica é a utilização de montagens em vídeos e imagens. O usuário da internet é muito visual, por isso, uma foto manipulada ou fora de contexto pode ser facilmente divulgada como verdadeira.”
Se relacionarmos o resultado da pesquisa realizada pelo jornal Folha de São Paulo com o antigo fenômeno do galo cantou, não sei onde, mas sei de tudo, percebemos que o que mudou foi a rapidez da informação aliada ao seu enorme poder de alcance e adesão. A pessoa, aquela que ouve o galo, continua a mesma, só que agora, TOTALMENTE CONECTADA.
Como mudar esse cenário?
Esta é, sem dúvida, uma daquelas perguntas que valem 1 milhão de dólares, mas arrisco dizer que um exercício de humildade cairia bem. Não há necessidade de saber tudo, ter opinião formada sobre tudo, ter medo de falar “não sei”. O “não sei” pode ser libertador e evitar uma série de problemas existenciais que assolam a humanidade. Mas enquanto isso não ocorre, é urgente reaprender a ler.
Algumas pesquisas apontam para a diminuição acentuada de leitores pelo mundo. Esse fenômeno é preocupante não só pelo consequente aparecimento de desinformação, mas pelo prejuízo cerebral humano eminente. A oralidade correta está relacionada com a boa leitura, a junção das duas pode resultar em discernimento mental, em percepção da realidade e em momentos de silêncio. Este último, cada vez mais ausente, porém, fundamental para a inteligência humana.


Estudos comparativos entre leitores e não leitores mostram que uma pessoa não leitora frequente de textos com média a grande intensidade, apresenta maior dificuldade de aprendizagem, menor capacidade em funções como memória, planejamento, controle inibitório, criatividade e metacognição. Estes cérebros estariam sujeitos a índices menores de potência cognitiva, por não usarem a capacidade mental leitora de forma sistemática.
Leitura para o cérebro é algo que se aprende com o uso e treino, é um hábito, quanto mais se lê mais vocabulário se adquire, mais possibilidades de conexões neurais se obtém e mais se acelera a capacidade do próprio pensamento, que de certa forma, pode ser entendido como “inteligência”.
Especificamente sobre a relação cérebro e leitura, sugiro ao leitor deste texto que visite um artigo publicado nesta mesma plataforma, de minha autoria, intitulado “Neurociência e comportamento: o impacto da ausência de leitura para o cérebro humano”[3].
Por hora, fico aqui com o meu silencio, pausa necessária diante de um mundo cada vez mais tomado pela desinformação e cantorias de galos pós-modernos.
Palavras-chave: Cérebro. Comportamento. Fake News. Leitura. Galo.
[1] Veja mais sobre “O que são Fake News?” em: https://brasilescola.uol.com.br/curiosidades/o-que-sao-fake-news.htm
[2] Disponível em: https://www.publishnews.com.br/materias/2024/11/19/53-dos-brasileiros-nao-leem-livros-aponta-pesquisa-retratos-da-leitura-2024 — Acesso em 24/03/2025.
[3] Disponível em: https://apatria.org/uncategorized/neurociencia-e-comportamento-o-impacto-da-ausencia-de-leitura-para-o-cerebro-humano/ — Acesso em 25/03/2025.
Uma resposta
É saberete.