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Cabo do Medo

Cabo do Medo

Têm-se multiplicado as notícias que envolvem o Teletrabalho; e, da mesma forma, têm-se multiplicado as observações que se fazem – através desses artigos – sob as vantagens e desvantagem do Teletrabalho…

É natural; diria eu… Nunca o Teletrabalho esteve tão presente nas nossas vidas como agora. Infelizmente não foi pelas melhores razões, mas neste momento o Teletrabalho é uma realidade bem presente no mercado de trabalho e na mente das pessoas; mas – infelizmente, também – nem todos sabem bem o que é o Teletrabalho.

Devido à Pandemia, muitas empresas viram-se forçadas a colocar mais de 60% da sua força laboral em Teletrabalho; algumas conseguiram-no com sucesso e outras não. E isto criou-nos um problema social, porque ninguém escolheu passar para este regime de trabalho à distância e como tal nem todos estavam preparados para ele; quer em termos mentais quer em termos materiais. Foi-nos imposto devido às circunstancias especiais que vivíamos e ainda vivemos…

O Código de Trabalho diz que nenhum trabalhador pode ser colocado em Teletrabalho sem o seu acordo prévio e reduzido a escrito; e é por isso que o governo vem dizendo que o Teletrabalho vai acabar… Mas antes de irmos aí, quero fazer umas ressalvas, com intuito de esclarecer quem me esteja a ler…

Teletrabalho é o acto de trabalhar à distância; não tem que ser em casa e não tem que ser pelos seus próprios meios. Digo isto, porque nos primeiros dias do Grande Confinamento – como lhe chamam o os media -, li muito Freelancer aflito com esta invasão de novos Teletrabalhadores, reclamando que eles – os novos – não eram verdadeiros Teletrabalhadores porque, ao contrário deles, não tiveram de lutar para conquistar os seus clientes. Já tive oportunidade de escrever um texto, por aqui, explicando que regra geral o Freelancer trabalha à distância, porque tem de o fazer, mas que para se trabalhar à distancia não tem que se ser freelancer; como de resto se viu. E, da mesma forma, digo que trabalhar à distância não tem que ser em casa…

Bom; nas circunstâncias do Grande Confinamento – necessariamente –, sim. Contudo, as abordagens ao Teletrabalho começam, agora, a ser projectadas para o futuro; e é por isso que faço este reparo: o Teletrabalho não tem que ser feito em casa.

O que não tem faltado por aí é pessoas a dizer que coisas sobre o Teletrabalho que não fazem sentido. Recentemente, por exemplo, li, no Linkdin, que o Teletrabalho, ao contrário do que se pretende, não torna mais fácil conciliar a vida profissional com a vida pessoal. E eu pergunto: onde é que isso está escrito na definição de Teletrabalho?

E o ministro do Trabalho, noutro exemplo, veio dizer que o Teletrabalho tem de acabar porque há pessoas a dizer que, em casa, trabalham 12 horas por dia…

Não vou dizer que é mentira nem que é verdade; no entanto, a minha experiência é muito distinta.

Eu fiz, durante 2 meses, Teletrabalho e adorei; não tive qualquer tipo de dificuldade. É verdade que não tenho filhos e tenho um escritório em casa e tenho consciência que isso me faz de mim um caso particular…

Conheço, contudo, casos de pessoas que reclamam de trabalhar em casa, porque nem despem o pijama; e, outras, que dizem sentir falta do tempo da viajem para o trabalho, porque é-lhes essencial para separar a vida pessoal da vida profissional… Ora – desculpem-me – balelas!

Eu – todos os dias, nestes dois meses – levantava-me à hora normal, fazia a barba, tomava banho, vestia-me, tomava o pequeno-almoço e, depois, sentava-me em frente ao LapTop à hora certa.  Esta é para aqueles que falam do pijama…

Para os outros, é fácil; saiam da casa por um tempo similar ao do trajecto para o emprego; e criem esse tempo de separação que vos faz falta…

No entanto, todos sabemos que estas não são as verdadeiras razões; estas são as desculpas que se encontram. As verdadeiras razões são as mesmas que levam o ministro a dizer que o Teletrabalho tem de acabar; e não: não são as 12 horas de trabalhos diárias…

O grande problema é o Paradigma Vigente…

Como acontece com muita coisa, o Teletrabalho não é para toda a gente. O Teletrabalho é para pessoas autónomas que saibam gerir o seu tempo e que não precisem de mostrar que trabalham; mesmo quando não o estejam a fazer.

Os escritórios estão cheios de gente que finge trabalhar, que fica até mais tarde para mostrar ao (à) chefe que é empenhada – enquanto está na net; ou, então, que passa o dia na conversa com os colegas e depois do horário dá aquela corridinha de mais meia-hora, porque até cai bem à empresa. Vá lá… Todos conhecemos gente assim!

Estas pessoas, em casa, não têm público! Meu Deus! Como é que podem fazer o seu espectáculo de empregado (a) modelo?!

Mas a culpa não é deles; a culpa é do Paradigma…

E o Paradigma instalado é este: o trabalho é no escritório, onde se pode controlar – ou melhor, pensa-se que se pode controlar – o tempo do trabalhador, onde se pode pressionar para isto ou para aquilo, e onde, por culpa destas coisas, os trabalhadores desenvolveram técnicas de defesa pessoal, como fingir que estão muito ocupados; tão ocupados que todos os dias saem mais tarde. Mas isto está tão entranhado que ninguém se questiona; é um processo do qual – muitas vezes – nem se tem consciência. Depois diz-se que se precisa da viajem da casa para o trabalho ou que nem se tira o pijama…

Actualmente – entendo, eu – há dois grandes grupos: os apologistas do Teletrabalho, composto – necessariamente – por gente que é autónoma, sabe gerir o seu tempo, que dá mais importância à qualidade do trabalho do que à quantidade e que não sente necessidade de provar às chefias que é válido porque trabalha muitas horas; e os outros – uma larga maioria – que quer voltar para o escritório o mais depressa possível porque – simplesmente – não sabem viver o Teletrabalho.

E está tudo bem. Não há um grupo certo e um grupo errado; são dois grupos compostos por pessoas diferentes, com características diferentes e – necessariamente – com necessidades diferentes. O que não está bem é o governo vir falar do fim do Teletrabalho como se ele fosse um grande mal…

Antes da Pandemia, as empresas – por N motivos – estavam surdas às vantagens do Teletrabalho; contudo, forçadas à sua implementação, muitas começaram a ver as vantagens. E são novidade, essas vantagens?

Não. Todos as conheciam de experiências anteriores: redução de custos; e aumento de produtividade. A diferença é que agora deixou de ser uma coisa que se diz e passou a ser uma coisa que viram e sentiram.

Ouvir o governo a dizer que Teletrabalho tem de acabar, para mim, é forçar o regresso da miopia que antes havia. Porque, se é verdade que o Teletrabalho não é para todos, não é menos verdade que o trabalho no escritório também não seja. E pergunto:

Então, vamos acabar com o Teletrabalho porque há muita gente que não gosta dele e vamos impor o regresso ao escritório de toda gente; inclusive das pessoas que preferem trabalhar fora do escritório?!

Eu acho que ainda é muito cedo para se saber como tudo se irá resolver. Contudo, acredito que, por força da Pandemia, algumas novas dinâmicas se tenham imposto e tenham vindo para ficar…

E tudo isto, toda esta discussão em torno do Teletrabalho, é resultado do medo que a grande maioria das pessoas – que se julgam incapazes de trabalharem nesse regime – têm de ter de o fazer; e das empresas que ainda acham que é a pressão, o estar a ver por cima dos ombros dos colaboradores, a ameaça subentendida de um abrir de olhos, são as melhores maneiras de garantir a produtividade… Mas não tenham medo; nem uns, nem outros.

A nova normalidade – como dizem – vai ter no escritório quem dele precise e sinta falta, mas vai ter em Teletrabalho quem seja capaz de se gerir autonomamente. Se para isso se vai alterar o código de trabalho, ou não; ou se será um processo orgânico criado e dinamizado pelas pessoas e empresas, ninguém sabe…

Temos de dar tempo ao tempo… Mas a História tem provado que o caminho da evolução sustentável passa sempre por dar, a cada um, aquilo que precisa, e acho que a sociedade está cada vez mais atenta a isso; o tempo do «somos todos iguais» ficou lá atrás, em dezembro de 2019, agora é o tempo de todos termos o mesmo direito à felicidade!

Imagem de John Hain por Pixabay 

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