Esta semana, num dos blogs que sigo – Ministério dos Livros -, li um género de desabafo…
Sendo sucinto, falava-se sobre as pessoas que não leem, mas fingem que sim, e das outras que, não lendo, não o assumem; são coisas distintas, como a autora bem refere – e distingue – e com consequências diferentes.
Não venho, contudo, dissertar sobre o artigo referido, porque nada tenho a acrescentar ao mesmo; dentro do teor da matéria apresentada. No entanto, dentro daquele teor – necessariamente – tenho de fazer referências a outras situações, das quais, aquelas referidas no artigo mencionado, são apenas expressões.
E tudo isto vem a propósito, não só da leitura do artigo – Reflexões Livrescas -, mas também de algumas observações pessoais que tenho vindo a fazer e, até, de algumas reações recentes a artigos meus…
Assim sendo, temos todos de tomar consciência de que as pessoas são preguiçosas; e cada vez são-no mais… E isto não é bom, mas também não é algo que façamos em consciência. Aliás, toda a nossa evolução assenta na premissa da preguiça; na procura de fazermos sempre mais com menos esforço… Por isso, a preguiça – disfarçada daquilo que lhe quiserem chamar – é-nos natural. Dito isto, é natural que tendo acesso a conteúdos mais facilmente assimiláveis para o nosso cérebro, com menos custo para nós, esses sejam os favoritos.
No outro dia, na RTP, exibiu-se o Fronteiras XXI, onde uma especialista explicava que assistir a vídeos é muito mais descansado para o cérebro do que ler, porque a imagem fornece tudo e o cérebro não tem de imaginar como é; algo que teria de acontecer se, em vez de se ver, tivesse de se ler. E esta é – na minha humilde opinião – a principal razão porque as novas gerações praticamente abandonaram os livros; e, também, como explico a seguir, o motivo maior para a nossa incapacidade emocional para lidar com a realidade e para a existência de um certo analfabetismo em ser-se uma pessoa…
Disse essa especialista, também, que apesar do facilitismo cerebral nos empurrar para a imagem, o processo de aprendizagem não mudou; o cérebro continua a precisar de ler para aprender.
Não sei como é convosco… Eu acho extraordinário a quantidade de tutoriais que há no Youtube, são todos muito úteis do ponto de vista prático, contudo, dou por mim, quando preciso – quando sinto precisar – de uma informação mais sustentada, e estruturada, a procurar por artigos escritos; e, a maior parte das vezes, são muito difíceis de encontrar. Mas sentirão isto as novas gerações?
Como, se nunca lhes foi alimentada a experiência da leitura?!
Como poderá alguém saber se uma coisa é melhor do que outra se uma delas nunca foi experimentada?
E como é que chegámos a este ponto?
A resposta à última pergunta é: porque falhámos – a sociedade, entenda-se – no nosso papel de vigilância…
Há anos que vivemos tão assoberbados de projectos, de olhos no futuro – ou no passado – que, de certa forma, deixámos que as nossas crianças crescessem sozinhas. Tivemos consciência disso?
Não; claro que não… Afinal, andávamos ocupados a construir um mundo melhor para elas. E, quando as primeiras dessas gerações começaram a pegar naquilo que lhes deixámos, sem qualquer preparo do ponto de vista emocional, sem qualquer preocupação com as consequências das suas ações no futuro, começaram a criar uma sociedade cada vez mais perfeita para elas dentro do contexto que conheciam.
E foi assim que chegámos a este mundo atual, onde se confunde informação com conhecimento… Alimenta-se a ilusão de que o conhecimento está a um click de distância, sem esforço, disponível sem investimento de tempo ou dedicação, como fosse fast-food cerebral.
Com o passar do tempo tornamo-nos dependentes disto, daquela ilusão, e recusamo-nos a despender muito tempo com alguma coisa que possa já estar na «net»… O resultado está aí – para quem quiser ver; este mundo completamente desorientado e onde não se pode estar 100% certo das notícias que se produzem nem das informações que nos são veiculadas. Este é um mundo onde – naturalmente – iremos começar a desconfiar de tudo e de todos e onde só – talvez – uma autoridade forte, inspirada em fundamentalismos radicais, poderá manter tudo unido…
E terá sido para isto que criámos todos estes projectos em direção a um futuro melhor?
Não; claro que não… Mas, quando a humanidade começou a tornar-se demasiado preguiçosa, abdicou de se instruir a si própria – de pensar pela própria cabeça – e passou a preferir consumir aquilo que os outros diziam ou mostravam sobre isto ou aquilo; e de repente perderam a capacidade para se concentrarem – porque há muitos estímulos, pois a cada segundo produzem-se milhares de informações -, para raciocinarem, para deduzirem e para interpretarem.
Assim é cada vez mais normal que as pessoas não saibam ler, de facto, não consigam interpretar o que se pretendia dizer ou escrever, que extrapolem conclusões erradas – tendo, evidentemente, por base, os seus próprios interesses – e que assumam posição falsas, se acharem que elas lhe trazem influência; e porquê?
Porque sabem que a maioria das pessoas não vai «perder» tempo em verificar se é real o conhecimento do que falam…
Como disse a autora de Reflexões Livrescas: as pessoas que fingem ter lido, ou não assumem não ler, partem do pressuposto de que os outros são como eles. E, infelizmente, têm razão.
Ainda vamos a tempo de parar isto. Apesar dos movimentos de índole fascista, fundamentalista e radical estarem a proliferar pelo mundo, numa evidente consequência da estupidificação da humanidade, poderemos parar isto.
Antes de mais, para não continuarmos a falhar, precisamos mudar o discurso. Este discurso das novas gerações repete-se deste que tenho memória, mas está errado, porque leva-nos a empurrar este problema para o futuro, como se o problema fosse com as gerações que estamos, agora, a educar, mas não é; pelo menos, não é só… O problema já existe e está nas novas gerações de há muitas anos atrás; que são aquelas que agora estão a «mandar».
Depois, não poderemos lutar contra a maré e teremos de a aproveitar… Não poderemos parar o avanço tecnológico – é um tsunami de proporções bíblicas -, nem os hábitos que traz e que estão instalados; teremos é de saber aproveitar isso para empoderar o saber, para transmitir verdadeiro saber, para ensinar o prazer de pensar e de chegar a conclusões pela nossa própria cabeça e educar as futuras gerações para o processo dedutivo.
Como?
Não sei… Eu sou só um escritor, preocupado…
Imagem de Andy Faeth por Pixabay