Introdução
A invasão da Ucrânia pela Rússia, iniciada em fevereiro de 2022, representou uma rutura sem precedentes na segurança europeia e global, desafiando os princípios do direito internacional e da estabilidade geopolítica. Diante desta ameaça, a União Europeia (UE) consolidou-se como um ator-chave na resposta internacional, mobilizando assistência militar, económica e humanitária à Ucrânia.
A cimeira extraordinária do Conselho Europeu de 6 de março de 2025, convocada pelo Presidente António Costa, reflete um ponto crítico dessa trajetória, reunindo líderes europeus e o Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky para debater a continuidade do apoio europeu e a construção de uma estratégia de defesa sustentável. Este artigo analisa a importância deste apoio, os desafios geopolíticos e jurídicos envolvidos e as perspetivas para uma paz duradoura, fundamentando-se em estudos académicos recentes.
1. O Apoio Europeu à Ucrânia: Necessidade Estratégica ou Fardo Sustentável?
Desde o início da guerra, a UE destinou cerca de 135 mil milhões de euros à Ucrânia, englobando fornecimento de armamento, apoio financeiro direto e assistência humanitária (Cimeira Extraordinária do Conselho Europeu, 2025). Apesar desse compromisso, a manutenção do apoio enfrenta desafios políticos e sociais crescentes.
Estudos indicam que a opinião pública europeia se encontra dividida quanto à continuidade do auxílio. Eck e Michel (2024) demonstram que, enquanto alguns setores defendem o reforço da ajuda para garantir a vitória ucraniana, outros alertam para a necessidade de realocar recursos internos para desafios económicos e sociais. Esta pressão reflete-se em decisões governamentais, tornando a sustentabilidade do auxílio uma questão central no debate político europeu.
No plano jurídico, a assistência militar levanta questões sobre os limites do direito internacional. Statsenko (2025) discute a aplicação do artigo 51 da Carta das Nações Unidas, que reconhece o direito à autodefesa da Ucrânia, mas alerta que a crescente militarização do conflito pode ser interpretada por Moscovo como uma escalada direta da UE. Assim, o equilíbrio entre apoio militar e diplomacia torna-se um desafio estratégico fundamental.
2. O Reforço da Defesa Europeia: Soberania e Cooperação Militar
A cimeira europeia de 2025 também sublinha a necessidade de reforçar a segurança e soberania militar da UE. O aumento do orçamento de defesa dos Estados-membros em mais de 30% entre 2021 e 2024, atingindo 326 mil milhões de euros, demonstra uma reorientação estratégica significativa (Cimeira Extraordinária do Conselho Europeu, 2025).
A guerra na Ucrânia expôs vulnerabilidades na política de defesa europeia, tradicionalmente dependente da NATO e dos Estados Unidos. Schulze e Pupcenoks (2025) argumentam que a invasão russa acelerou a integração militar dentro da UE, impulsionando iniciativas como a Cooperação Estruturada Permanente (PESCO) e o Fundo Europeu de Defesa. No entanto, persistem desafios, incluindo a falta de uma política de defesa comum consolidada e a dependência tecnológica do setor militar norte-americano.
Adicionalmente, a segurança energética tornou-se uma dimensão central da estratégia europeia. Peterson (2024) analisa o impacto das sanções à Rússia e a necessidade de diversificação das fontes de energia da UE. A redução da dependência do gás russo, embora essencial para a autonomia estratégica, gerou impactos económicos, reabrindo o debate sobre o equilíbrio entre segurança e sustentabilidade ambiental.
3. A Construção de uma Paz Justa e Duradoura: Realidade ou Utopia?
A cimeira de 2025 busca definir parâmetros para uma solução negociada do conflito. António Costa enfatizou a necessidade de uma paz “global, justa e duradoura”, baseada no respeito à integridade territorial da Ucrânia e em compromissos diplomáticos sólidos.
Contudo, a definição de uma paz sustentável enfrenta desafios geopolíticos complexos. Unan e Klüver (2024) demonstram que, para a maioria dos europeus, a segurança tornou-se a principal preocupação, muitas vezes sobrepondo-se à urgência de um acordo de paz. Por outro lado, Kanniainen e Lehtonen (2025) analisam a divisão ocidental sobre a abordagem militar: enquanto países como Polónia e os Estados bálticos defendem um apoio militar irrestrito, outros, como França e Alemanha, enfatizam a via diplomática.
A experiência histórica sugere que uma paz duradoura requer não apenas o fim das hostilidades, mas também mecanismos eficazes de reconstrução e reconciliação. Schulze e Pupcenoks (2025) sublinham a importância da participação inclusiva nas negociações, garantindo que qualquer acordo respeite os direitos das diversas comunidades e evite novos ciclos de instabilidade.
Conclusão
A cimeira de março de 2025 representa um momento crucial para a definição do futuro da segurança europeia e do apoio à Ucrânia. A manutenção da solidariedade internacional, a consolidação de uma defesa europeia soberana e o compromisso com negociações realistas são essenciais para a construção de uma paz duradoura.
No entanto, a sustentabilidade desse apoio enfrenta desafios significativos, desde a resistência política interna até ao impacto das decisões estratégicas na estabilidade global. Como evidenciado pelos estudos analisados, a guerra na Ucrânia não apenas redefiniu a segurança europeia, mas também reconfigurou as relações internacionais e a perceção do papel da UE no mundo.
A Europa deve, portanto, equilibrar apoio militar, cooperação diplomática e investimento na sua própria segurança para garantir que a paz não seja apenas um objetivo, mas uma realidade concreta e sustentável.
Referências Bibliográficas
Eck, B., & Michel, E. (2024). Breaking the Stalemate: Europeans’ Preferences to Expand, Cut, or Sustain Support to Ukraine. Disponível em: OSF
Kanniainen, V., & Lehtonen, J.M. (2025). Supporting Ukraine Militarily: Why Is the West Divided?. Disponível em: SSRN
Peterson, S.P. (2024). Security at Too High an Environmental Cost?: The European Union’s Energy Independence Strategy and its Environmental Implications. Disponível em: Purdue
Schulze, J.L., & Pupcenoks, J. (2025). Securitizing Russian-speakers in Estonia and Latvia: The Frame-Policy Nexus before and after Russia’s Invasion of Ukraine. Disponível em: Cambridge
Statsenko, A.V. (2025). From Nuclear Disarmament to Military Aid: An International Legal Analysis of Ukraine’s Right to Self-Defense. Disponível em: Baltija Publishing
Unan, A., & Klüver, H. (2024). Europeans’ Attitudes toward the EU following Russia’s Invasion of Ukraine. Disponível em: Cambridge