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“A tosquia é provisória, cansei de ser um andarilho!”: notas sobre uma minissérie clássica!

“A tosquia é provisória, cansei de ser um andarilho!”: notas sobre uma minissérie clássica!

A vontade de chorar diante de produtos artísticos não corresponde a um simples masoquismo evasivo: é um provedor de catarse que permite-nos refletir, a partir da projeção em relação à dor dos personagens, acerca de nossas próprias atitudes e efetivar algumas mudanças comportamentais, no afã por evitar destinos trágicos semelhantes. Não obstante esta ser uma interpretação deveras rasteira, aplica-se bem ao amparo audiovisual que buscamos em tempos politicamente tão turbulentos…

Depois de um ano tão tumultuado como foi 2020, é sobremaneira providencial que um espectador hipotético deparasse-se com uma reprise da minissérie “Pássaros Feridos”, num canal aberto de TV. Realizada em 1983 e dividida em quatro capítulos com durações distintas, esta minissérie é uma das mais qualitativamente elogiadas de todos os tempos. E os méritos são abundantes…

Produzida com todo o requinte da era clássica de Hollywood, esta obra conta com um elenco primoroso e com a trilha musical do célebre Henry Mancini [1924-1994], que pontua os clímaces dramáticos e a passagem de várias décadas de maneira primorosa. A minissérie foi amplamente premiada e o livro em que ela foi baseada é o mais vendido na Austrália, país onde ocorrem os principais eventos da longa narrativa.

Escrito pela romancista Collen McCullough [1937-2015], o livro homônimo foi originalmente publicado em 1977 e logo converteu-se num ‘best seller’. A adaptação televisiva soube captar com primazia as diversas subtramas emocionais que surgem em meio à situação tramática que serve de chamariz: a paixão avassaladora de uma jovem por um ambicioso pároco.

A trama da minissérie inicia-se na década de 1920, quando o padre Ralph de Bricassart (Richard Chamberlain, na melhor interpretação de toda a sua carreira) encontra a poderosa Mary Carson (Barbara Stanwyck, soberba), uma mulher que comanda com mão de ferro a fazenda Drogheda, enorme propriedade destinada à criação de ovelhas. Ostensivamente atraída pelo padre, em termos sexuais, Mary estabelece uma relação de amor e ódio com ele, visto que não consegue demovê-lo de suas inclinações clericais…

Em dado momento, Mary Carson resolve convidar o seu irmão Paddy Cleary (Richard Kiley) para trabalhar como capaz em sua fazenda. Este chega com sua esposa Fiona (Jean Simmons), quatro filhos homens e a pequena Maggie (inicialmente vivida por Sydney Penny). Por ser a única mulher entre os filhos do casal Cleary, Maggie é bastante subestimada, e recebe um carinho inaudito do padre Ralph, por quem apaixonar-se-á posteriormente. Situações conflituosas desencadeiam-se no interior da família Cleary, até quando descobre-se que um dos filhos não foi concebido por Paddy, o que engendra uma crise que trará graves conseqüências, sobretudo no que tange à formação do caráter inevitavelmente ressentido de Maggie, que será interpretada por Rachel Ward na idade adulta.

Ao longo das quase oito horas de duração da minissérie, serão inúmeras as situações de tensão urdidas pelo roteiro, que inspira-se em eventos-chave de famosas tragédias antigas, encenadas oportunamente diante dos personagens que viajam à Grécia. Crianças morrem, casais separam-se, rixas estendem-se por muitos anos. E há cenas esperadas de reconciliação, em que as lágrimas são abundantes, bem como os acordes não diegéticos da supracitada trilha musical de Henry Mancini. Em mais de um sentido, esta minissérie é uma bem-vinda atualização dos melodramas canônicos de Hollywood, em especial “…E O Vento Levou” (1939, de Victor Fleming, George Cukor, William Cameron Menzies & Sam Wood), em relação ao qual guarda diversas semelhanças.

Como toda a minissérie é conduzida por um único diretor – o canadense Daryl Duke [1929-2006], cuja filmografia é pouco expressiva, apesar do sucesso em seus trabalhos televisivos – há uma coerência benfazeja entre os episódios e situações, de modo que “Pássaros Feridos” também pode ser compreendido como um extenso longa-metragem. Mas a catalogação que o teórico brasileiro Arlindo Machado [1949-2020] faz em relação à “narrativa seriada” no livro “A Televisão Levada a Sério” chama a atenção para um aspecto fundamental, o fatiamento da narrativa. Este possui “um papel organizativo muito preciso, que é o de garantir, de um lado, um momento de ‘respiração’ para absorver a dispersão, e, de outro, explorar ganchos de tensão que permitem despertar o interesse da audiência, conforme o modelo do corte com suspense, explorado na técnica do folhetim”. Ou seja, acontece tanta coisa – e em pouco tempo – ao longo dos quatrocentos e sessenta e sete minutos de duração da minissérie, que, literalmente, é preciso pausar um pouco para recuperar o fôlego.

Ainda citando Arlindo Machado: “se os intervalos que fragmentam um programa de televisão fossem suprimidos e os vários capítulos diários fossem colocados em continuidade numa mesma seqüência, o interesse do programa provavelmente cairia de imediato, uma vez que ele foi concebido para ser decodificado em partes e simultaneamente com outros programas”. Aqui, portanto, ressurge a diferenciação, polêmica e/ou descartada por alguns críticos atuais, no que tange às distinções específicas entre linguagem estritamente cinematográfica ou televisiva, com a ressalva de que esta segunda seria concebida com vistas à competição programada com outros focos de atenção espectatorial. Numa conjuntura quarentenária, será que essa diferenciação se sustenta?

Voltemos à minissérie: seu título advém de uma anedota contada pelo padre Ralph, que narra a Maggie, em duas situações diferentes, a estória de um passarinho que não conseguia cantar. De repente, este decide atirar-se num espinho letal e, ao falecer, emite o mais belo dos gorjeios, que faz com que todos ao seu redor parem o que estão fazendo para contemplar a suma beleza destas notas derradeiras.

Num dos píncaros dramatúrgicos da minissérie, a atriz Justine (Mare Winningham) e sua mãe Maggie abraçam-se no celeiro onde as aptidões de mais de um personagem manifestam-se. Vale a pena conferir “Pássaros Feridos”: além de ser excelente, exorta-nos indiretamente a ressignificar a polarização partidária que instaurou-se novamente sobre a política cotidiana. Em que sentido isso ocorre? Voltaremos ao debate após a audiência!

Wesley Pereira de Castro.

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