Agora que já entrámos no ano novo quero agradecer a todos os portugueses que resolveram, na recta final de 2019, gastar parte do seu subsidio de Natal em combustíveis…
Não. Não trabalho em nenhuma gasolineira, nem sou accionista de nenhuma petrolífera… Não ganhei absolutamente nada com isto; antes perdi: paciência e horas de vida.
O português não prima pela gestão de prioridades e muito menos no que a finanças diz respeito; a maior parte dos portugueses vive pelo lema «chapa ganha, chapa gasta» e, nas raras oportunidades em que é aumentado, começa logo a pensar onde irá gastar aquele extra…
Estou certo de que não estou a dar nenhuma novidade; pelo menos para aqueles que seguem este tipo de temática social. Mas para aqueles a quem isto surpreende, quiçá até ofenda, vamos a factos…
Todos os meses (de Janeiro a Dezembro) se assiste a um incremento do número de veículos na estrada a partir dos dias 20-21; o motivo, para os mais distraídos, não é nenhum em especial: é o simples trânsito. Seja como for, este volume exacerbado de carros mantém-se – sensivelmente – até ao dia 12-15, época em que a paz regressa às estradas; vá-se lá saber porquê… No entanto, este é um ciclo que se repete mensalmente e – não tenham dúvidas – por volta do dia 20 do mês seguinte o trânsito voltará complicar-se até – mais coisa, menos coisa – ao dia 15…
Para os mais desatentos, gostaria de lembrar que a função pública – uma larga maioria dos assalariados nacionais – recebe os salários por volta do dia 20 e que uma parcela dos portugueses que trabalham no sector privado, em grandes e médias empresas, recebem a sua avença, ali, entre os dias 25 e 30, e ainda que alguns trabalhadores de pequenas empresas poderão só receber o ordenado nos primeiros dias do mês seguinte; e isto faz com que os portugueses tenham as suas carteiras mais cheias – precisamente – entre o dia 20 e o dia 10 do outro mês. Será mera coincidência que seja entre o dia 10 e o dia 15 que as estradas se esvaziam?
Não me parece…
Não acham que isto merece alguma reflexão?
Se as estradas voltam a ficar mais transitáveis, a partir do dia 15, não é porque um largo volume de pessoas passou a ficar em casa; é porque passaram a usar outro meio de transporte. Sim; porque nos transportes públicos assiste-se ao fenómeno oposto: partir do dia 15, torna-se quase impossível andar de comboio, Metropolitano, barco, autocarro… Porque será?
Porque os salários, a partir do dia 15, começam a ficar curtos para sustentarem a tendência bebedora dos vários BMW’s, Mercedes e outros veículos de alta cilindrada que inexplicavelmente povoam as nossas estradas. E, a partir daí, os mesmos indivíduos que invadiram as estradas invadem os transportes públicos; para os quais até compraram o passe.
O povo tem uma expressão para isto: «Gastar a dois bicos»!
Depois ouvem-se criticas: os portugueses não poupam. E os portugueses respondem: não ganhamos suficiente para poupar…
A sério?!
Com este comportamento não admira…
A mim – parece-me – que quem vai de transporte público para o trabalho, vai de transporte público; não vai de automóvel. Tal como quem vai de automóvel, não vai de transporte público. É claro que às vezes há circunstâncias que nos obrigam a trocar o meio de transporte… Enfim, o que eu quero dizer é que não faz sentido, face ao investimento que é necessário, quer para uma coisa e quer para outra, fazer os dois investimentos. Mas é isso o que se passa hoje em dia…
Mas falava eu do Subsídio de Natal…
A par com aquele prodígio acima referido, verifica-se um outro fenómeno; este de características sazonais. Ali, entre os meses de Junho e Agosto, e depois, em Novembro. Em ambos os casos, tudo começa por volta do dia 20 e arrasta-se – pelo mês seguinte, no caso do Verão, até ao mês por excelência de férias – e, no segundo caso, até ao final do mês. E isto tudo, porque o português recebe o subsídio de férias e o IRS, no caso primeiro, e o subsídio de Natal, no caso segundo; está de carteiras a abarrotar…
Não está?!
Peço desculpa; é que parece…
Porque vejamos, é certo que se tem direito a algum conforto – indo de carro, e tal -, mas será que esse é um conforto real?
Em Novembro, a partir do dia 20 – e até ao final de Dezembro -, nunca levei menos de que 1h15m a chegar a casa; uma viagem que – regra geral – faço em 35m. E, tal como eu – estou certo -, houve muito mais pessoas, incluindo esses habituais utilizadores periódicos da estrada, que viram o seu tempo de viagem alongado; com o consequente desgaste e stress…
Terá mesmo compensado investir o subsídio de Natal em combustível?
Não teria sido melhor gastá-lo em prendas?
Ah! É verdade; para isso há o cartão de crédito…
Imagem de Jim Semonik por Pixabay