O século XIX é visto como o período de advento da cultura, conhecimento e lazer. Estes ideais foram o resultado de doutrinas como o Liberalismo e Iluminismo, impulsionados décadas anteriores pela Revolução Francesa. As transformações económicas, políticas e sociais expandiram-se por toda a Europa e tiveram impacto na forma como a sociedade ocupava o seu tempo, distinguindo-se o tempo de trabalho do tenho associado ao lazer e ócio.
Essas mudanças auxiliam numa nova estruturação do espaço social e na existência de alterações no processo de sociabilidades e em todos os elementos que este envolve. Importa referir que o conceito começa a despertar interesse na historiografia europeia a partir da década de sessenta do século XX, sendo Maurice Agulhon[1] o principal impulsionador.
Para o período de oitocentos, segundo nos refere Rui Cascão, o processo de sociabilidade pressupunha o divertimento e boa educação, como forma de distinção social, tendentes a afirmar as diferenças das famílias e dos grupos em relação aos outros (2011, p. 222). Da mesma forma que era notada esta distinção, existia também diversidade entre o espaço rural e urbano, entre géneros e até entre os espaços públicos frequentados.
Apesar do elevado nível de analfabetismo da população portuguesa, pois no final do século ainda cerca de 80% não sabia de ler, a leitura seria uma prática assídua para os que dominavam a atividade. Era considerada a atividade com maior cariz cultural pois possibilitava ao seu público a cultura do espírito e a aquisição de conhecimentos.
A imprensa local tinha um papel de peso nesta atividade, apresentando-se como meio de difusão de notícias local, nacionais e internacionais, mesmo entre iletrados. Nas cidades, as leituras públicas em instituições como sociedades culturais foram-se tornando cada vez mais normais ao longo do século, possibilitando os que não dominavam a prática momento de lazer e o alargamento de conhecimento após o período laboral diário.
Nos espaços rurais- províncias e aldeias- a leitura não era posta de parte até porque estas eram as classes que mais dela tiravam proveito. Domingos e serões de muitas casas de aldeia eram passados em família a contarem histórias, danças, recitação de versos e cânticos associados à lavoura. Apesar de não existirem bibliotecas nas casas das famílias das classes mais baixas era frequente encontrarem-se livros de carácter religioso ou lendário, como era o exemplo do Livro de S. Cipriano[2] (Cascão, p.231).
As sociabilidades, lazer e ócio, no período de estudo, eram quase sempre associadas ao homem. A mulher, ou segundo a terminologia da época, uma senhora, teria que respeitar um conjunto de normas e comportamentos que se baseavam na discrição, para que as opiniões públicas se mantivessem positivas. Assim, fragilidade e dependência social são algumas das principais características das mulheres deste tempo.
Apenas as mulheres de classes mais altas eram vistas a frequentar espaços públicos como associações ou clubes e as mulheres da província ocupavam os seus tempos livres com cantares e danças. Compreende-se desta forma o desinteresse das mulheres pela cultura e poucas seriam as que ousavam caminhar por caminhos pouco usuais e decidiam dedicar-se ao mundo da cultura e do conhecimento.
Em geral, apenas as senhoras de classe média-alta despendiam do seu tempo livre com leitura de revistas e jornais de moda. Apesar disto, este estigma foi ao longo do século desvanecendo e a mulher deixa de ser apenas consumidora da literatura para ter um papel cada vez mais vinculado na produção da mesma.
Visto como século da controvérsia e inovação, o período oitocentista ditou ao longo do seu decorrer modificações nas relações sociais em diferentes espaços, géneros e estratos sociais. O incentivo do conhecimento e advento da cultura era cada vez mais notado, tendo a leitura um papel fundamental nos momentos de lazer das classes burguesas e nobres e na aquisição e desenvolvimento de conhecimento das classes mais baixas da sociedade.
Bibliografia:
Cascão, Rui (2011). Em casa: o quotidiano familiar. In Mattoso. J. (2011). História da vida privada em Portugal. A época contemporânea. (pp. 244-45). Lisboa: Círculo de leitores.
[1] Historiador francês com obras mais inovadoras e mais suscetíveis de abrir novos campos de investigação – da politização, à simbólica política e à sociabilidade. Das três temáticas-chave da obra de Maurice Agulhon foram sem dúvida as duas últimas as mais influentes em Portugal, devido á influência que França teve em toda a Europa.
[2] Continha orações, ensinava os conhecimentos do diabo e saberes sobre superstições.