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Sobre grades e brinquedos: o movimento “Herdeiros da Pena” para o pleno desenvolvimento da criança e adolescente

Sobre grades e brinquedos: o movimento “Herdeiros da Pena” para o pleno desenvolvimento da criança e adolescente

Aplicador: Você acha importante que crianças e adolescentes que tenham seus familiares presos conversem sobre esse assunto?

Adolescente: Sim, é muito importante. Conheço pessoas que se cortam, que ficam rebeldes e que “causam” na escola, inclusive usam drogas e falam que é para esquecer essas coisas: prisão do pai, falta de dinheiro e sem vontade de fazer nada na escola e nem em casa. Ah, não te falei, mas teve uma vez que eu estava quando ele foi preso, senti o maior medo, me deixaram na casa de uma amiga dele, não esqueço esse dia.

O fragmento acima foi retirado do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – CEBRAP 2018, por Galdeano et al.

Na pesquisa, crianças e adolescentes filhos de encarcerados (as) relataram suas experiências. Dos 4 aos 18 anos, sendo que as mais novas tiveram suas repostas complementadas pelos maridos ou mulheres dos encarcerados (as).

São crianças e adolescentes estigmatizadas pelo crime de seus pais e mães. Sofrem na família, na escola, na sociedade. Cumpre a pena junto aos seus.

O retrocesso penal brasileiro, que nunca foi algo louvável, tem piorado e muito a questão da reinserção do preso ao convívio familiar e social. A pena, no Brasil, há muito tem apenas o viés de controle social. Punir, e não educar. Esse populismo penal se desdobra negativamente nos filhos dos apenados, que já vêm de uma desestruturação familiar muito acentuada, e se agrava com esse distanciamento decorrente da prisão.

São vítimas também de notícias falsas, como uma recorrente no cenário brasileiro de que o preso recebe um salário razoável pelo fato de estar segregado. Sem qualquer critério ético, propagadores das chamadas fake news tripudiam sobre a dor do já sofrido encarceramento. Isso sem contar outras violações, como a dificuldade de visitas, revistas íntimas vexatórias, entre outros abusos também do poder público.

O artigo 227 da Constituição Republicana Brasileira, assim sedimenta:

Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

É um contrassenso vergonhoso uma Constituição que na teoria “garanta” tantos direitos para o pleno desenvolvimento da criança e do adolescente, mas na prática criarem tantos obstáculos para sua efetivação.

Nesse sentido, para atender essa demanda tão vulnerável em muitos aspectos, é que foi fundado em 2002 o Instituto Anjos da Liberdade, uma Organização Social brasileira que tem, dentre outras frentes, a questão penitenciária como um dos principais escopos de luta.

Desde 2012 presidida pela advogada criminalista Flávia Fróes, com larga experiência com a população em situação de encarceramento, os “Anjos”, como é carinhosamente chamado todo o corpo de atuação do Instituto, encaram de frente, com empatia, amor, ética e profissionalismo os pontos nevrálgicos da marginalização. Atuam não apenas de forma técnica, com habeas corpus, amicus curiae (entidades que têm interesse e legitimidade para ingressarem em ações nessa instância) no Supremo Tribunal Federal, mas sobretudo levando esperança, conforto e afeto às famílias.

Dessa forma, em 2020 (apesar de já ser uma luta desde 2017) surge o Movimento “Herdeiros da Pena”, que tem como missão precípua atuar na (re) aproximação das crianças e adolescentes aos seus pais e mães encarcerados.

Ninguém melhor que a Flávia para explicar melhor o Projeto, conforme transcrição de sua carta publicada na página oficial do IAL no Facebook:

HERDEIROS DA PENA
(Por Flávia Fróes)

Condenados sem crime, seu pecado foi nascer. Tomam inocentes as mãos de suas mães, levados ao encontro dos pais que a vida lhes deu.

Enfrentam longas viagens. Filas enormes. Crianças de cinco, oito, dez anos. Passam mais de 5 horas sem alimentação em troca de um abraço, um colo.

Filhos condenados por amar.

São chamados deliberadamente de criminosos. Mensageiros do mal. Tem seus corpos e sua dignidade devassados e vilipendiados por cometerem o “crime” de quererem estar com seus entes queridos que estão presos. São postos nus na frente de estranhos, lhes sendo roubada toda a sua inocência e pudor pueris.

Mas é justamente a Constituição Federal do país onde vivem essas crianças que consagra o princípio da dignidade humana. É ela, a carta maior, que vai determinar que a pena NÃO PASSE DA PESSOA DO CONDENADO. Que triste constatação saber que esse postulado tão necessário como justo é malferido pelo preconceito e por muitos agentes do próprio Estado.

Marcados com a tatuagem do nome dos pais na certidão de nascimento eles carregam consigo o peso de uma condenação por alguma coisa que a angelitude infantil é incapaz de conceber.

A dura pena a eles imposta diariamente na escola, nas suas atividades sociais, por onde quer que passem, está no preconceito que sofrem todos os dias por terem um familiar que cumpre pena. E a sua rotina de herdeiros de um castigo sem crime os faz diferentes. Seus pais não estão nos jogos de futebol, nem naquela peça de teatro que com tanta empolgação a criança ensaiou. Não vão fazer a tarefa de casa com eles, nem correr pro seu colo quando no meio da noite um pesadelo arrancar lágrimas dos seus olhos inocentes.

Milhares de quilômetros separam essas crianças de seus pais. Com ansiedade eles fazem longas viagens em troca de um abraço, de um colo, de um afago. É o elogio das notas escolares e dos bons feitos infantis. É o amor paternal na formação dessa criança, a quem a Constituição assegura absoluta prioridade e proteção. Esse o alimento emocional para suprir a ausência de normalidade na vida dessa criança.

Aquela prova que ela tirou dez, não vai poder mostrar pro pai.

A pipa que ele tanto queria soltar ao seu lado e mostrar a sua enorme habilidade vai ter que esperar a longa pena. Talvez ele tenha crescido quando ele for solto e tudo isso terá sido um sonho bobo de uma CRIANÇA CONDENADA que tolamente esperava como qualquer criança a convivência familiar com o Pai…

Resta-lhes o consolo do abraço. A esperança de um beijo de motivação por seus êxitos infantis. A saudade e a distância fazem com que até a bronca tenha um sentido diferente para esse herdeiro da ordália.

O silencio de quem é castigado na aurora da vida por um crime que não cometeu grita nos ouvidos de quem entende que todos somos responsáveis por proteger cada uma dessas crianças. Mais uma vez é a nossa Constituição Cidadã nos impõe esse dever de proteção a essas pessoas em formação.

A “facção dos inocentes” grita em nossas consciências o quanto somos covardes por permitir que essas crianças sejam criminalizadas como se pudessem herdar dos pais os seus erros. Negar-lhes a direito de crescer sendo respeitadas é violar os mais elementares princípios de dignidade humana.

Como toda Organização Social, nenhuma ação é feita de forma fragmentada, ilhada. Contamos com a participação daqueles e daquelas que querem fazer desse, um mundo mais humano, fraterno e justo. E mais do que um convite, esse artigo pretende ser um clamor. Clamor para que você enxergue a situação da família do preso como sendo sua família, como sendo de pessoas que precisam e merecem sonhar por dias melhores. Clamor para que seu gesto, sua contribuição, seja um abraço e um caloroso “calma, isso vai passar”, nesses filhos e filhas da pena, que nada tem a ver com a situação de seus pais e suas mães.

Conheça nosso trabalho e associe-se no link abaixo:

https://institutoanjosdaliberdade.org/associar-se/

Seja um Anjo e transforme realidades de quem mais precisa!

GALDEANO, A. P.; (org.); CHALOM, A.; CARDOSO, E.; BARBOSA, R. C. K. (2018). Crianças e adolescentes com familiares encarcerados: levantamento de impactos sociais, econômicos e afetivos. Disponível em: < https://cebrap.org.br/wp-content/uploads/2018/10/Crian%C3%A7as-e-adolescentes-com-familiares- encarcerados_2018.pdf >. Acesso em 22.jun.2020.

Crédito da Imagem: Jornal Estado de Minas/2014

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