Sidney Poitier, cujo porte elegante e personagens no cinema com princípios o tornaram a primeira estrela negra do cinema de Hollywood e o primeiro negro a ganhar o Oscar de melhor ator, morreu no passado dia 7 de janeiro, aos 94 anos.
Sidney Poitier nasceu prematuramente num veleiro a caminho de Miami, Flórida, no dia 20 de fevereiro de 1927 enquanto os seus pais, agricultores de Cat Island, Bahamas, viajavam para vender a sua produção. Seus pais eram produtores de tomate que frequentemente faziam viagens entre a Flórida e as Bahamas. Ele não tinha expectativas de sobreviver, pois era tão pequeno que cabia nas mãos do seu pai.
Poitier teve uma infância pobre e com poucos estudos na cidade de seus pais. Com 11 anos mudou-se com a família para Nassau, Bahamas, para morar com um irmão mais velho em Miami, onde perceberam que ele teria melhores oportunidades. Seu pai levou-o ao porto e pôs-lhe três dólares na mão. Sentiu na pele a discriminação racial com o mau tratamento que recebeu nas ruas de Miami despertando nele uma determinação para criar oportunidades para os negros. Com 16 anos, Sidney Poitier decidiu ir para Nova Iorque. Nesse período teve vários empregos como o de lavador de pratos. Durante a Segunda Guerra, em novembro de 1943, ele mentiu na sua idade e alistou-se no Exército.
Ao deixar o Exército e interessado em trabalhar no teatro, tentou ingressar no The American Negro Theatre, mas foi rejeitado. Durante seis meses procurou melhorar o seu desempenho e o seu sotaque. Aí teve aulas de atuação e conseguiu um papel no palco como substituto de Harry Belafonte. Isso levou a papéis na Broadway e acabou por chamar a atenção de Hollywood.
No final de 1949, Poitier teve que escolher entre o papel principal em uma peça da Broadway ou o convite de Darryl F. Zanuck para atuar no filme “Way Out” (O Ódio é Cego) de Joseph L. Mankiewicz. Escolheu o cinema e nesse filme ele interpretou um jovem médico que tem de tratar um paciente racista.
Em 1951, Poitier viajou para a África do Sul com o ator afro-americano Canada Lee, levando-o a papéis cada vez mais proeminentes como um reverendo no drama do apartheid “Os Deserdados”, um estudante problemático em “Sementes de Violência” e um prisioneiro fugitivo em “Acorrentados”, no qual ele e Tony Curtis foram algemados e forçado a conviver para sobreviver. Com aquele filme de 1958, Poitier tornou-se o primeiro negro a ser indicado ao Oscar. Em 1959, Poitier atuou na adaptação para o cinema de “Porgy and Bess” ao lado de Dorothy Dandridge e recebeu uma indicação para o Globo de Ouro de Melhor Ator de Filme Musical ou Comédia.
Mas, para um ator de pele escura dos anos 1950, era difícil encontrar papéis complexos:
“(Os negros) eram tão novos em Hollywood. Quase não havia referências para nós, exceto como personagens estereotipados e unidimensionais”, disse Poitier a Oprah Winfrey. “Eu tinha em mente o que era esperado de mim – não apenas o que os outros negros esperavam, mas o que a minha mãe e o meu pai esperavam. E o que eu esperava de mim mesmo.”
Logo no início, Poitier tomou uma decisão consciente de rejeitar papéis que não fossem consistentes com os seus valores ou que refletissem mal a sua raça.
Em 1963, Poitier estrelou em “Lilies of the Field” (Uma Voz Nas Sombras), um filme sobre o trabalho itinerante afro-americano que encontra um grupo de freiras da Alemanha Oriental, que acredita terem sidos enviados por Deus para construir uma nova capela.
Por sua atuação em Uma Voz nas Sombras, Poitier ganhou o Globo de Ouro e o Oscar de Melhor Ator de 1964, se tornando primeiro ator negro a ganhar o Prêmio.
Estimulado por sua amizade com Harry Belafonte, Poitier também começou a abraçar o movimento pelos direitos civis. Ele compareceu à marcha de 1963 em Washington. Mas Poitier às vezes irritava-se quando os entrevistadores o questionavam muito sobre as suas experiências com o racismo.
“O racismo era horrível, mas havia outros aspectos da vida”, disse ele a Winfrey. “Existem aqueles que permitem que as suas vidas sejam definidas apenas pela raça. Eu corrijo qualquer um que venha até mim apenas em termos de raça.”
Em 1967, Poitier surge em três filmes de alto perfil, começando com Ao Mestre com Carinho, um drama britânico sobre um professor idealista que deve conquistar adolescentes rebeldes numa difícil escola do leste de Londres. Em seguida, foi No Calor da Noite, de Norman Jewison, que deu a Poitier o seu papel mais duradouro. Interpretou Virgil Tibbs, um detetive de homicídios que passava pelo Mississippi quando foi detido por um fanático chefe de polícia branco (Rod Steiger) como possível suspeito de um assassínio. Tibbs relutantemente concorda em ficar e ajudar a resolver o caso, e os dois homens finalmente encontram um respeito mútuo relutante. Em Adivinha quem vem jantar, de Stanley Kramer, outro filme com mensagem sobre tolerância racial, o seu personagem médico deve persuadir os personagens de Spencer Tracy e Katharine Hepburn a deixá-lo casar-se com a sua filha. O filme foi lançado apenas seis meses depois que a Suprema Corte tornou o casamento entre pessoas de diferentes raças legal em todos os 50 estados americanos.
No entanto, por volta da mesma época, alguns negros começaram a reclamar que os personagens santos e não sexualizados de Poitier tinham pouca semelhança com as complexas realidades da vida afro-americana.
Nos anos 70, Poitier passou a realizar e a produzir, alcançando sucesso em ambas as áreas. A sua estreia como realizador de longa-metragem foi no western “Um por Deus, Outro pelo Diabo” (1972). e com Bruce Willis e Richard Gere em “O Chacal”, de 1997, desempenhou o seu último papel no cinemaEle também se voltou para a televisão, onde foi indicado ao Emmy por interpretar o juiz da Suprema Corte dos EUA, Thurgood Marshall, e o líder sul-africano Nelson Mandela em duas minisséries.
Em abril de 1997, Sidney Poitier foi nomeado embaixador, não residente, das Bahamas no Japão, cargo que ocupou até 2007. Entre 2002 e 2007, ele foi simultaneamente embaixador das Bahamas na UNESCO.
Em 2000, Poitier aposentou-se como ator, preferindo escrever um livro de memórias, A Medida de um Homem: Uma Autobiografia Espiritual, em que ele descreve a sua tentativa de viver de acordo com os princípios incutidos nele pelo seu pai e outros que ele admirava.
Nos seus últimos anos, quando Hollywood procurou reconhecer um homem cujo exemplo abriu portas para tantos outros atores negros, os elogios sobraram. Em 2001, Poitier recebeu um Oscar honorário pela sua contribuição geral para o cinema americano.
Em 2009, o Presidente Obama concedeu a Poitier a Medalha Presidencial da Liberdade, a maior homenagem civil do país, dizendo: “Dizem que Sidney Poitier não faz filmes, ele faz marcos […] marcos de excelência artística, marcos do progresso da América.”
A Film Society of Lincoln Center concedeu o seu maior prémio a Poitier em 2011. Entre os palestrantes que o elogiaram estava o cineasta Quentin Tarantino, que disse: “Na história do cinema, houve apenas alguns atores que, uma vez que ganharam reconhecimento, a sua influência mudou para sempre a forma de arte.”
Bibliografia:
Biografia de Sidney Poitier, E-BIOGRAFIA, Dilva Frazão, 25-02-2021.
Brandon Griggs, “Morre aos 94 anos Sidney Poitier, primeiro ator negro a ganhar um Oscar”, CNN, 07-01-2022.
Foto: Pormenor. Domínio Público, by Wikipédia https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=80385470
Helena Garvão
Lisboa, 25 de janeiro de 2022.