“Há ilhas que são mais do que terra e mar: são peças de dominó capazes de derrubar impérios.” Em 2025, Taiwan deixará definitivamente de ser apenas um ponto geográfico no mapa asiático. A ilha tornou-se o epicentro de uma disputa que não é apenas regional, mas estrutural — e profundamente simbólica. A tensão crescente entre Pequim e Taipé coloca em confronto duas visões de mundo: uma baseada na autonomia democrática e outra num modelo autoritário e centralizador. Mais do que isso, o possível colapso da soberania taiwanesa tem implicações diretas sobre o sistema económico, militar e diplomático que estrutura o século XXI. A questão já não é se Taiwan pode resistir a uma pressão chinesa prolongada, mas se o mundo está preparado para as consequências da sua eventual queda.
Taiwan representa hoje o ponto de interseção entre a fragilidade geográfica de uma ilha e a solidez tecnológica de uma civilização global. Para além da retórica ideológica, o valor estratégico da ilha reside sobretudo na sua centralidade económica: a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC), segundo Miller (2024), é “a empresa mais importante do mundo”. Com mais de 60% da produção global de semicondutores concentrada em Taiwan, a perda do controlo sobre esta indústria representaria um golpe monumental à estabilidade digital global. Inteligência artificial, automóveis, defesa, telecomunicações, medicina — todos os setores que estruturam o mundo contemporâneo dependem da continuidade da produção tecnológica taiwanesa. Não se trata apenas de uma guerra por território, mas de uma disputa pela espinha dorsal da economia global.
A eventual anexação de Taiwan por Pequim provocaria também um verdadeiro efeito dominó na geopolítica asiática e global. Allison (2025) descreve esta possibilidade como “o gatilho de uma reordenação mundial”. O Japão, a Coreia do Sul, as Filipinas e a Austrália seriam imediatamente afetados. A proximidade geográfica e a aliança estratégica com os EUA colocam estes países no centro do tabuleiro. A China deixaria de ser uma potência regional para afirmar-se, de forma irreversível, como potência revisionista com capacidade real de moldar o sistema internacional a seu favor. E, ao contrário do que muitos acreditam, o envolvimento norte-americano não seria opcional. O Taiwan Relations Act (1979) obriga os EUA a providenciar meios defensivos à ilha, e a sua credibilidade como potência global estaria em jogo. Para Washington, seria a primeira guerra direta com outra superpotência nuclear desde 1945.
O impacto de uma eventual queda de Taiwan não limitar-se-ia à Ásia. A Europa, historicamente distante da região do Indo-Pacífico, seria forçada a posicionar-se. O Council on Foreign Relations (2025) indica que a NATO já reconhece o Indo-Pacífico como área de interesse estratégico, uma mudança significativa na sua doutrina tradicional. Um conflito envolvendo Taiwan obrigaria a Aliança Atlântica a rever os seus limites operacionais e compromissos globais. Em simultâneo, abrir-se-ia espaço para a Rússia capitalizar a atenção desviada do Ocidente, intensificando a sua presença militar na Ucrânia ou noutros pontos de tensão geopolítica. África e América Latina, por sua vez, tornar-se-iam palcos de disputa renovada entre Pequim e Washington por influência económica e estratégica.
O precedente internacional seria devastador. Kaldor (2024) alerta que a queda de Taiwan reabriria uma caixa de Pandora de reivindicações territoriais em zonas como o Mar da China Meridional, o Ártico e várias fronteiras não resolvidas em África. O colapso de uma democracia insular perante um regime autoritário enviaria uma mensagem clara: as fronteiras podem ser alteradas pela força, e a comunidade internacional limita-se à retórica. A legalidade internacional ficaria enfraquecida, e o princípio da autodeterminação transformado em ficção diplomática.
A questão tecnológica merece destaque adicional. O World Economic Forum (2025) estima que um bloqueio da TSMC (Taiwan Semiconductor Manufacturing Company ) por apenas seis meses custaria à economia global mais de 1 trilião de dólares. Não se trata de mera especulação: já em 2023, crises logísticas na Ásia causaram atrasos de meses na produção automóvel e eletrónica. Um cenário em que a China controla a produção e distribuição de semicondutores globais não é apenas um problema económico — é uma crise de soberania tecnológica. O controlo da TSMC daria a Pequim vantagem em áreas como inteligência artificial militar, vigilância massiva e guerra cibernética. O equilíbrio de poder digital seria definitivamente alterado, e a dependência do Ocidente tornada perigosa.
Politicamente, o colapso de Taiwan teria um impacto sem precedentes no prestígio e soft power dos Estados Unidos. Nye (2025) afirma que seria “o maior golpe à imagem americana desde o Vietname”. A confiança de aliados históricos como o Japão, a Coreia do Sul e a Austrália seria abalada. Em Washington, a polarização interna tornaria qualquer resposta mais complexa, especialmente num contexto de eleição presidencial. O mundo veria, em tempo real, a transição de um sistema liderado por normas e alianças para um sistema multipolar instável, onde a força se sobrepõe ao direito.
Um dos maiores perigos seria a normalização do ocorrido. Se a comunidade internacional aceitar a anexação de Taiwan como inevitável ou irreversível, abrir-se-á caminho para uma série de revisões fronteiriças em cadeia. Como Kissinger (2024) advertiu, “a queda de Taiwan seria o Sarajevo do século XXI”: não pela magnitude do território, mas pelo simbolismo do precedente. Uma vez estabelecido que a comunidade internacional tolera a alteração de soberanias por meios militares, a proliferação de conflitos regionais tornar-se-á inevitável.
Ao mesmo tempo, seria ingénuo pensar que a resposta ocidental seria rápida, unânime e eficaz. A União Europeia, ainda dividida entre neutralidade estratégica e lealdade transatlântica, teria dificuldades em agir de forma coesa. A dependência energética da China, os investimentos tecnológicos e as fragilidades industriais da Europa comprometeriam a margem de ação. A América Latina, por seu lado, também não adotaria posição uniforme: a influência económica chinesa na região tenderia a gerar divisões profundas.
Neste cenário, resta uma pergunta essencial: estamos dispostos a defender Taiwan como peça-chave da ordem global ou aceitaremos o seu colapso como mais uma fatalidade histórica? A resposta a esta pergunta definirá o século XXI. Taiwan não é apenas uma ilha: é o espelho onde o mundo observa os limites da sua coragem política e da sua coerência estratégica. Permitir a sua queda não seria apenas uma derrota militar ou diplomática — seria a falência moral de um sistema que se propõe baseado em regras, em soberania e em direitos universais.
Conclui-se, assim, que a defesa de Taiwan ultrapassa largamente a geografia. Trata-se da defesa do próprio conceito de ordem internacional. A queda marcaria o início de uma nova era — não necessariamente mais multipolar ou mais justa, mas seguramente mais volátil, perigosa e imprevisível. Quando uma ilha cai, não é apenas a bandeira que muda: é o vento que altera o destino do mundo.
Referências Bibliográficas
Allison, G. (2025). The Taiwan Tipping Point: How One Island Could Change the World. Foreign Affairs, 104(4), 15–27.
Council on Foreign Relations (CFR). (2025). The Strategic Importance of Taiwan for Global Security. Policy Report.
Kaldor, M. (2024). New and Old Wars: Hybrid Conflicts in the 21st Century. London: Polity Press.
Kissinger, H. (2024). World Order Revisited. Yale University Press.
Miller, C. (2024). Chip War: The Fight for the World’s Most Critical Technology. New York: Scribner.
Nye, J. (2025). Soft Power in Crisis: America’s Global Standing after Taiwan. Harvard Kennedy School Policy Paper.
World Economic Forum. (2025). Semiconductors and the Future of Global Economy. Geneva: WEF.



