A compreensão mais abrangente do paciente sobre o sistema de saúde envolve passos significativos. Sobretudo quando a decisão em saúde deve ser a mais correta possível para aquele indivíduo, pois ela pode levar a melhores ou a piores resultados em saúde. Não podemos deixar o paciente como se estivesse numa sala da saúde às escuras.
Se tivermos em conta o estudo de Espanha, Ávila e Mendes (2016) e de Pedro, Araújo e Escoval (2016), que aplicaram o questionário europeu de literacia em saúde a uma amostra portuguesa sabemos que a “escuridão sobre os conceitos de saúde e a movimentação no sistema, é uma sala quase às escuras para 50 % da população portuguesa, o que equivale a mais de cinco milhões de portugueses
São estes milhões de pessoas que efetivamente têm dificuldade (de forma inadequada ou problemática) no acesso, compreensão e uso dos serviços de saúde.
Sem esta ponte de compreensão pelo “lado mais forte da balança” (Almeida, 2018, p. 36), o autocuidado é penalizado, as decisões perigosamente mal tomadas, e a consciência de estar perdido/a acontece com o excesso de recursos aos serviços de urgências e hospitalizações.
Esta é uma saúde pouco iluminada, de forma recorrente. Esta é também uma época (pandemia) que permite, pela sua complexidade, abrir muitas luzes.
Como acender as luzes?
Este passo só se efetiva com uma estratégia racional/emocional que envolva o doente/utente em práticas que são significativas para ele e para o seu autocuidado. Não podemos pôr pressão sobre o indivíduo, quando ele está numa saúde em que desconhece os termos, não faz inferências nem categorizações do que lhe é transmitido. Se considerarmos os pacientes com doença crónica, mais habituados aos termos, podemos talvez respirar um pouco mais profundamente pois os anos de cronicidade e de partilhas trazem mais conhecimentos e capacidades.
Porém, não deve haver pressão temporal para que a pessoa entenda (ARHQ, 2009). Ela vai entender quando compreender a importância para si sobre a ação a tomar.
O desenvolvimento de competências de comunicação pelos profissionais inclui-se numa estratégia que visa aumentar a qualidade na prestação de serviços de saúde (Silverman, Krutz & Draper, 2013).
A responsabilidade é da força profissional, tecnicamente muito bem preparada, mas com desafios relacionados com o desenvolvimento de competências comunicacionais e relacionais. Se uns têm estas características de forma espontânea ou intuitiva, sabemos que o desenvolvimento de competências comunicacionais, outros precisam de guiões orientadores (Hulsman, 2009).
O tema tem sido exposto e debatido por muitos autores (Cegala & Post, 2009; Kripalani & Weiss, 2006.; Pendleton, Schofield, Tate & Havelock, 2003; Silverman et al, 2013). Um caminho desafiante a percorrer, de fato.
Um pensador do milénio, Gardner (2002), sublinhou no seu livro “5 mentes para o futuro” a necessidade de desenvolvermos as nossas capacidades mentais. Para isso descreveu as nossas “5 mentes” do futuro, que implicam também para os profissionais que lidam com a saúde e por isso, para além dos círculos restritos dos profissionais de saúde:
As cinco mentes não estão conectadas com as inteligências e são possibilidades que devemos desenvolver para que a comunicação também seja mais iluminada e permita uma compreensão alargada. Os ingredientes desta mente ativa e preparada, e que passam pela: 1) disciplina; 2) síntese; 3) criatividade; 4) respeito; 5) ética. (Gardner, 2009). Com um pouco mais de pormenor na tabela 1.
Tabela 1 . As 5 mentes segundo Gardner (2021)
MENTE DISCIPLINADA | Se queremos ser bons em algo, temos de nos esforçar todos os dias. Essa mente pressupõe a necessidade de compreender as formas de raciocínio que desenvolvemos: histórica, matemática, artística e científica. O problema é que muitas escolas ensinam somente fatos e informações. |
MENTE SINTETIZADORA | Lidar com excesso de informações – Ela aponta em que prestar atenção e como os dados podem ser combinados. É preciso ter critério para fazer julgamentos e saber como comunicar de forma sintética |
MENTE CRIATIVA | Levanta novas questões, cria soluções e é inovadora. Pessoas desse tipo gostam de arriscar e não se importam de errar e tentar de novo, pensa fora da caixa, mas é preciso ter disciplina e síntese. |
MENTE RESPEITOSA | Começa com o reconhecimento de que cada ser humano é único e, por isso, tem crenças e valores diferentes. |
MENTE ÉTICA | Múltiplos papéis: ser humano, profissional e cidadão do mundo. O que fazemos não afeta uma rua, mas o planeta, pensar nos nossos direitos e nas responsabilidades. |
Podemos começar pelo consentimento informado, que permite o “acordo”
O formulário de consentimento tem por objetivo documentar as informações que foram divulgadas ao paciente e que o consentimento do paciente foi obtido (AHRQ, 2009). É preciso garantir que os pacientes sejam informados de uma forma consistente com a ética médica e as diretrizes regulamentares, compreendam o conteúdo de um consentimento informado, para que possam decidir de forma livre e esclarecida (Sudore, Landefeld, Williams, et al, 2006).
O processo de consentimento é também uma atividade educativa, em que os pacientes são os que precisam de aprender e os profissionais os seus “educadores”. Os profissionais têm a responsabilidade de garantir que os pacientes compreendam a informação fornecida de uma forma clara e adaptada ao seu nível e literacia em saúde (Kripalani & Weiss, 2006).
A tarefa de o profissional de saúde se fazer compreender, e da efetiva capacidade do paciente saber as respostas para o seu autocuidado depois da intervenção “dedicada” do profissional, continua a ser desafiante devido a vários fatores, que podemos elencar não exaustivamente como apresentado na figura 1. A pessoa depois do “ensino terapêutico”” deve poder, por ela própria tomar conta da sua vida no que respeita à saúde, assim como e às capacidades limitadas de literacia de potenciais indivíduos.
(Fonte: Elaboração própria)
Certas populações vulneráveis podem não estar habituadas ou confortáveis com a assinatura de materiais escritos. Quando os formatos escritos são inadequados, os profissionais devem considerar (Paasche-Orlow, Taylor & Brancati, 2003).
Escreva e fale com clareza
A AHRQ (2009), Cegala e Post, (2009), Kripalani e Weiss (2006), Silverman, Krutz e Draper (2013), fornecem algumas sugestões para que se escreva e se comunique em linguagem simples (tabela 2).
Tabela 2. Escrever e falar com clareza
Use a voz ativa |
Mantenha um nível de simplicidade de escrita para um nível de leitura baixo (correspondente ao 7º/8º ano escolar) |
Use estruturas de frases simples |
Use verbos e evite os substantivos |
Use frases curtas. Aponte para não mais de 8 a 10 palavras (escritas, verbalizadas) |
Não utilize o jargão. Peça às pessoas do seu público-alvo para identificarem o jargão e os termos técnicos. |
Quando os termos técnicos ou abreviaturas forem essenciais, forneça definições claras. |
Ao adaptar os materiais, tenha em mente os seguintes princípios de escrita utilizados para criar suportes de fácil leitura. |
Complemente o processo de consentimento informado com materiais adicionais (por exemplo, diagramas, imagens, vídeos) |
Utilize pelo menos fontes de 14 pontos se houver a possibilidade de um paciente ter alguma dificuldade visual |
Não utilize a letra toda em maiúsculas |
Não utilize só itálicos |
Divida o texto em partes, utilizando títulos e subtítulos |
Use margens largas. Um comprimento de linha de 50 caracteres e espaços (ou menos) é sempre mais fácil de ler |
As pessoas com deficiência auditiva beneficiam de interações em ambientes privados tranquilos. |
Se for necessário use intérpretes de linguagem gestual e outros |
Não é aconselhável que seja o familiar a fazer a tradução para a língua natuiva do paciente. Contate serviços de interpretes ou um profissional que possa fazer essa ponte |
Utilize expressões de 10 em 100 em vez de 10% (numeracia) |
Repita pausadamente as expressões difíceis e traduza imediatamente |
Use palavras âncora que o paciente reconhece |
Comunicação para promover a compreensão
Algumas técnicas como o teach-back, o show back, a repetição e o questionamento com perguntas abertas servem para melhorar a literacia em saúde (Tabela 3)
Tabela 3. Algumas técnicas da literacia em saúde para melhorar a compreensão do paciente
1. Utilize o Modelo de Comunicação em Saúde – Modelo ACP – que se constitui pela utilização agregada e interdependente das competências de comunicação assertividade, clareza de linguagem e positividade. |
2. Certifique-se de que o paciente compreendeu todos os elementos importantes da informação em saúde. Comece com frases como: “Quero ter a certeza de que temos o mesmo entendimento sobre esta investigação. Pode dizer-me do que se trata este projeto nas suas próprias palavras, para verificar se eu me fiz entender?” “O meu trabalho é explicar as coisas claramente. Para ter a certeza de que fiz isto, gostaria de ouvir a sua compreensão do projeto de investigação.” |
3. O objetivo é verificar a compreensão, não a memória. Faça/Coloque perguntas em aberto. Evite perguntas fechadas como” Tem alguma pergunta?” e “Entende?” Pergunte em vez disso, “Que perguntas ainda tem?” e “Sobre o que gostaria de ouvir mais?” “O que posso fazer mais por si?” Como posso esclarecê-lo/a mais”? |
4. Benefícios e Compensações “O que espera ganhar quando iniciar este processo de autocuidado?” |
5. A repetição é essencial com memorização subsequente através de ideias que motivam o paciente a aderir. Corrija qualquer desinformação até ser “exaustivo”. É preferível repetir e reforçar através do teach-back ou show-back do que não o fazer. Vamos voltar a falar sobre o propósito do seu tratamento/cuidado, porque acho que posso não o ter explicado claramente.” |
6. Avalie se o paciente prefere ter um pouco de conversa “social” para se sentir mais confortável. A conversa de “cuidado” pode trazer efeitos muito positivos |
7. Organize workshops sobre a escrita de documentos compreensíveis e sobre oralidade baseada na clareza de linguagem |
8. Crie um fórum para discutir formas de identificar e abordar preocupações dos pacientes |
b) Vamos acender as luzes ao paciente, para que ele possa caminhar, sem tropeçar e com mais segurança nos corredores da saúde.
Referências:
AHRQ (2009)The AHRQ Informed Consent and Authorization Toolkit for Minimal Risk Research. Agency for Healthcare Research and Quality, Rockville, MD.(Consultado a 13 maio 2021 ][online]
https://www.ahrq.gov/funding/policies/informedconsent/ictoolkitref.html
Cegala, D. J., & Post, D. M. (2009). The impact of patients’ participation on physicians’ patient-centered communication. Patient Education & Counseling, 77, 202-208.
Gardner, H. (2009) 5 Minds for the future. Harvard Business Review Press
Hulsman, R. L. (2009). Shifting goals in medical communication. Determinants of goal detection and response formation. Patient Education & Counseling, 74(3), 302–308.
Kripalani, S., & Weiss, B. D. (2006). Teaching about health literacy and clear communication. Journal of General Internal Medicine, 21, 888-890.
Paasche-Orlow M.K, Taylor H.A, & Brancati F.L. (2003). Readability standards for informed-consent forms as compared with actual readability. N Engl J Med.,348(8), 721-726.
Pendleton, D., Schofield, T., Tate P., & Havelock, P. (2003). The new consultation. Developing doctor–patient communication. Oxford: Oxford University Press.
Silverman, J., Krutz, S., & Draper, J. (2013). Skills for communicating with patients. Boca Raton: Taylor & Francis.
Sudore R.L., Landefeld C.S., Williams B.A., et al. (2006). Use of a modified informed consent process among vulnerable patients: a descriptive study. J Gen Intern. Med.,21(8):867-73
Vaz de Almeida, C. & Reis, B. (2021). Autoestima entre adultos tende a melhorar com o aumento da confiança e da assertividade, Jornal de investigação Médica,2(1), 25-38. DOI: https://doi.org/10.29073/jim.v1i2.304 Disponível em: https://revistas.ponteditora.org/index.php/jim/article/view/331/217
Vaz de Almeida, C., & Belim, C. (2021b). Health professionals’ communication competences decide patients’ well-being: Proposal of a communication model. In A. Tkalac Verčič, R. Tench & S. Einwiller, Joy. Using strategic communication to improve well-being and organizational success. 12, (5), Bingley, UK: Emerald Publishing. https://books.emeraldinsight.com/page/detail/Joy/?k=9781800432413
(Foto D.R.)