Existem oportunidades na saúde digital (WHO, 2020) reveladas de forma mais intensiva e evidente neste processo temporal de pandemia, que permitem compreender a sua oportunidade na saúde, e ir ao encontro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) relativos à saúde e ao bem-estar (ODS 3).
Não há saúde digital sem o envolvimento efetivo dos profissionais de saúde, seja para a telemedicina, tele saúde, videoconferências ou aplicativos móveis para consultas, rastreios ou seguimento.
Por si só, os profisisonais de saúde têm o valor técnico da sua perícia, competência e a sua capacidade de interação em saúde, mas é com a força do envolvimento da gestão de topo das organizações que lhes exponencia o seu papel (Brach e outros, 2012). Este é o principio geral de orientação que subjaz ao perfil das organizações literadas (Brach e outros, 2012).
Os gestores de topo devem estar envolvidos fortemente nas estratégias de literacia em saúde (digital e não digial) e passar esta perspetiva às suas equipas, no seu planeamento, desenvolvimento e implementação de qualquer atividade, incluindo também os seus destinatários finais, isto é dar voz dos utentes.
As soluções digitais de saúde podem provocar uma revolução na forma como as pessoas acedem aos serviços, promovem a sua saúde e o seu bem-estar, e por fim, conseguem atingir padrões mais altos de saúde (WHO, 2020). (Quadro 1)
Quadro 1. Alguns serviços que podem ser realizados usando apenas o telefone.
1. Visitas estabelecidas/marcadas por telefone para encontro entre paciente e profissional de saúde. |
2. Check-ins virtuais: check-in rápido (5 minutos média) com pacientes via telefone ou outro dispositivo, para se decidir se é necessária uma visita à unidade de saúde ou domiciliária. |
3. Revisão de imagens enviadas por pacientes. Estes podem gravar vídeos e / ou imagens e enviam ao profissional de saúde (armazenar e encaminhar). 4. Visitas eletrónicas: visita ao consultório assíncrona entre paciente e profissional de saúde através de um portal do paciente ou por email. Estes pedidos são depois respondidos de forma assíncrona. |
5. Monitorização remota: dados fisiológicos, através de parâmetros com dispositivos médicos. |
Há vários exemplos de sucesso nas organizações de saúde, através da utilização de meios digitais que visam dar continuidade ao contato profissional – paciente. Não se pode parar a roda de conexões. Evocamos aqui o aplicável e atual modelo relacional de competência de comunicação em saúde (Kreps, 1988), representado graficamente por uma “roda com eixos” (raios), em que o centro da roda representa o paciente e os raios representam os vários prestadores de serviços de saúde (profissionais de saúde, organizações, outros serviços relacionados). Através dos papéis interdependentes de cada um, gera-se nesta “roda”, um nível de competências de comunicação relacional (Kreps, 1988, p. 353) entre os profissionais e os pacientes, e o digital é o óleo que permite que a roda continue a girar com os seus componentes profissionais – pacientes.
Mesmo casos de pessoas menos literadas, e por isso com baixa capacidade de leitura e compreensão, a utilização do telemóvel, foi das ferramentas mais úteis para estabelecer a proximidade com o paciente, referem Veiga e Ramos enfermeiras hospitalares (Vaz de Almeida, 2020). A título de exemplo estes dois casos de sucesso do acompanhamento por “teleconsultas” seja com os pacientes com baixa visão no Instituto Oftalmológico Gama Pinto (IOGP), seja os pacientes do centro Hospitalar Lisboa central, organizadas pela Enfermeira Susana Ramos e efetuadas tanto por médico como por enfermeiro, mostram que este seguimento de proximidade digital permitiu uma adesão eficaz, compromisso do paciente, e satisfação com o contato, diminuição da ansiedade, sensação de proximidade, conexão social, tempo para fazer perguntas, e um estado geral de melhor saúde mental.
Já os pacientes acostumados com uma prestação de serviços de saúde online anseiam por uma experiência de saúde sem atritos (Change healthcare, 2020). Estes pacientes habituados ao digital querem ter mais capacidade de acesso aos serviços, marcar uma consulta on line, pedir acompanhamento/seguimento facilmente, fazer perguntas com respostas diretas e pagar o serviço num só lugar (Change healthcare, 2020).
Figura 1. O que desejam os pacientes com maior literacia digital?


Para que estas teleconsultas tenham um melhor resultado em termos de adesão do paciente e seguimento (à distância), os profissionais de saúde envolvidos nestes processos durante a pandemia (Vaz de Almeida, 2020a) revelaram que, para aumentar o acesso ao serviço e informação, a compreensão do seu conteúdo e o uso dessa informação via digital, tiveram, necessariamente, de ir ao encontro dos princípios da literacia em saúde (Vaz de Almeida, 2020a). Nesse sentido houve uma exigência por parte dos profissionais de saúde de uma maior adaptação a: interação digital com ou sem vídeo, uso de uma linguagem mais clara, e sobretudo com várias repetições, sendo eficaz que “quanto mais se repetir a mensagem, maior a probabilidade da sua memorização (Rodrigues, 2020); a utilização de técnicas comuns usadas pela literacia em saúde (Almeida, Moraes & Brasil, 2020).
Figura 1. Benefícios das consultas de saúde digitais


Três pilares para apoiar uma abordagem digital
Neste momento ao nível europeu, a Comissão Europeia está a operacionalizar formas de se efetivar uma maior transformação digital, extensível a um benefício comum das pessoas, pelo que estão incluidos todos os profisisonais de saúde e as organizações de saúde. A Comissão Europeia destaca os três principios orientadores para uma solução digital efetiva (European Commission, 2020b). (Quadro 1).
Quadro 1. Princípios para a solução digital europeia
1. Colocar as pessoas em primeiro lugar; 2. Abrir novas oportunidades para as organizações darem impulso a este desenvolvimento de tecnologia confiável; 3. Promover uma sociedade aberta que permita uma economia ativa e sustentável que ajude também a combater as mudanças climáticas permita uma rápida transição “verde”. |
Para haver sucesso na estratégia digital, e no que diz respeito à saúde, pode avaliar-se pelas guidelines europeias (European Commission, 2020b) que é preciso investir em competências digitais, acelerar a implantação de banda larga, isto é internet mais rápida tanto das habitações particulares como hospitais e escolas, investir na capacidade de supercomputação de soluções inovadoras para a medicina.
Figura 2. Estratégias europeias para melhoria digital


Para haver um maior recurso às tecnologias digitais, os profissionais devem tornar-se mais capacitados, através de diversos meios, onde se inclui a formação, para poderem usar e responder às necessidades mais imediatas da saúde digital, e, por outro os pacientes necessitam de melhor e maior “advocacia” (Ramos, 2020) e de apoio das organizações literadas no processo (Brach e outros, 2012).(Quadro 2).
Quadro 2. 12 Passos para melhorar a interação digital profissional-paciente
1. Incentivar os pacientes a definirem previamente a lista das sua preocupações |
2. Incentivar os pacientes a organizarem previamente toda a documentação necessária para a teleconsulta |
3. Personalizar a experiência de saúde, enriquecendo com os aspetos relacionais valorizados pelos pacientes |
4. Fazer um acompanhamento das suas necessidades e questões, com seguimento por mensagem, telefone ou vídeo conferencia (com tempo limitado, mas que marca a continuidade e proximidade do contato) |
5. Listar e fornecer dados importantes para que o paciente mantenha a sua saúde, através do envio de recomendações e informações (sms por ex.) |
6. Avaliar as questões (mesmo que as que não sejam diretamente de saúde) colocadas pelo paciente a nível digital e conseguir dar resposta direta ou através de outros serviços |
7. Proporcionar uma experiência agradável pelo telefone ou vídeo conferencia (a luz, a postura do profissional a expressão facial, a possibilidade de não ter a máscara e por isso conseguir ver o rosto. |
8. Repetir as vezes que forem necessárias num tom claro, assertivo e positivo. A repetição ajuda na memorização |
9. Controlar e monitorizar os tempos de conversa, deixando falar mas marcando as prioridades. Conversa de saúde, pode incluir conversa social mas continua a ser uma conversa de saúde |
10. Registar os dias em que existiram “sucessos” nos tratamentos e fazer uma lista das razões, dos momentos, dos dias e da mudança eventual que ocorreu na comunicação digital em saúde. |
11. Compreender e ir ao encontro das limitações digitais que o paciente tem, seja a nível do aparelho (telemóvel simples) seja ao nível do conteúdo e do follow up |
12. Assegurar que o paciente tem alertas para as consultas digitais e usar as comunicações por sms para que este recorde medicação, orientações e comportamentos de saúde (educação para a saúde) |
A capacitação do cidadão para uma melhor literacia em saúde envolve as pessoas na sua individualidade (WHO, 2009), nessa capacidade de controlo dos atos da sua vida e por isso, elas também têm um papel ativo no melhor controlo e proteção da sua saúde e na sua contribuição para esta estratégia digital comum que beneficie a sociedade na sua globalidade. Criar meios fáceis , assertivos, claros e positivos de passar a mensagem e as ações especificas para uma maior e melhor eficácia (Bandura, 1999) na utilização da saúde digital parece ser um dos caminhos.
Reconhecemos porém que o nível literacia em saúde da população europeia é baixo (Espanha, Avila e Mendes, 2016) representando metade dos portugueses e dos europeus, que não conseguem adequadamente aceder, compreender, avaliar e usar a informação em saúde por forma a tomarem decisões acertadas em saúde (Sorensen e outros, 2012).
Ao nível das organizações, o salto digital deve cada vez mais ser intencional e não reativo como foi o que surgiu através do efeito COVID -19. Desde março 2020, altura do início do confinamento em portugal que as organizações de saúde iniciaram um processo reativo de construção de soluções digitais para manter a ligação e a continuidade na prestação dos serviços de saúde.
Este salto voluntário científico e tecnológico das organizações, que se pretende através de uma série de esforços conjuntos entre as entidades reguladoras e promotoras de fundos europeus (European Commission, 2020c) , permite mais passos para uma transformação proativa de melhoria de prestação de serviços de saúde de qualidade, estimula a promoção da pesquisa, o diagnóstico e o tratamento, assim como “combater a desinformação on-line e promover diversos e confiáveis conteúdos de media” (European Commission, 2020b).
Acompanhando esta mudança mais digital de uma sociedade que se transforma com a pandemia, criando e reforçando outras necessidades, é necessário haver também um bom suporte legal (Lei de Serviços Digitais) para regulamentar e esclarecer as regras desta prestação de serviços online, em particular a proteção de dados confidenciais que a saúde gere diariamente, e que tem de ser salvaguardada, “garantindo que os dados pessoais e sensíveis sejam protegidos” (European Commission, 2020b).
Por outro lado, a Comissão Europeia está convencida que os dados de saúde, bem regulamentados podem contribuir para o bem comum (European Commission, 2020b). Os dados podem fornecer pistas, por exemplo, através do reaproveitamento de registos de saúde ou dados sociais de domínio público, que ajudem no desenvolvimento de medicamentos personalizados ou a avançar com pesquisas para encontrar curas para doenças específicas (European Commission, 2020b).
Fontes
Almeida, C.V., Moraes, K.L., & Brasil, V.V. (2020). Introdução. In C. V. Almeida, K. L. Moraes & V. V. Brasil (Coords.), 50 Técnicas de literacia em saúde na prática. Um guia para a saúde (pp. 8-12). Alemanha: Novas Edições Académicas.
Bandura, A. (Ed.). (1999). Self-efficacy in changing societies. NY: Cambridge University Press.
Brach, C., Keller,D., Hernandez,L.M., Bauer, C., Parker, R., Dreyer, B., Schyve, P., Lemerise, A.J. & Schillinger, D. (2012). Ten Attributes of Health Literate Health Care Organizations.
Change healthcare (2020).The Draw of Frictionless Healthcare 10 Best Practices for Creating an Outstanding Digital Patient Experience.[on line]. Disponível em: changehealthcare.com
European Commission. (2020). Three pillars to support our approach. [on line] Disponível em: https://ec.europa.eu/info/strategy/priorities-2019-2024/europe-fit-digital-age/shaping-europe-digital-future_en
European Commission. (2020a). Shaping Europe’s digital future: Commission presents strategies for data and Artificial Intelligence. [on line]. Disponível em: https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_20_273
European Commission. (2020b). Shaping Europe’s digital future – Questions and Answers. [on line]. Disponível em: https://ec.europa.eu/digital-single-market/en/news/new-opportunities-digital-health-startups-and-smes
European Commission. (2020c). New opportunities for digital health startups and SMEs. [on line]. Disponível em: https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/qanda_20_264
Kreps, G.L. (1988). Relational communication in health care. Southern Speech Communication Journal, 53, 344-359.
Ramos, S. (2020). Advocacia do paciente. In C. V. Almeida, K. L. Moraes & V. V. Brasil (Coords.), 50 Técnicas de literacia em saúde na prática. Um guia para a saúde (pp. 14-18). Alemanha: Novas Edições Académicas.
Rodrigues, P. (2020). Repetição. In C. V. Almeida, K. Moraes & V. V. Brasil (Coords.), 50 Técnicas de literacia em saúde na prática. Um guia para a saúde (pp. 93-94). Alemanha: Novas Edições Académicas
Vaz de Almeida, C. (2020a).Organizações literadas, literacia em saúde e boas práticas em tempo de pandemia – ao encontro dos objetivos do desenvolvimento sustentável. APDH.[on line]. Disponível em: https://www.apdh.pt/artigo/67