A Realidade Virtual (RV) é um ambiente virtual e tecnológico com cenas e objetos que simulam a realidade e em que os utilizadores se sentam imersos nessa realidade. Esse ambiente pode ser sentido e visualizado através de óculos ou de um capacete de Realidade Virtual que faz mergulhar a pessoa numa multiplicidade de conteúdos. Inclusive a saúde e a doença.
A RV permite que o participante seja a personagem da cena que é visualizada através dos óculos ou capacete. No seu início a tecnologia da RV era reconhecida exclusivamente pelo valor de entretenimento (Li, Montaño, Chen, & Gold, 2001). No entanto nos últimos anos a aplicação expandiu-se a uma variedade de áreas clínicas, incluindo a gestão da dor, a reabilitação física e o tratamento de distúrbios psiquiátricos (por exemplo, fobias, transtorno de stresse pós-traumático e transtorno de ansiedade). Li e colegas (2001) referem ainda o estudo de aplicação da RV em ambientes médicos como um meio de atenuar além da percepção da dor, a ansiedade e angústia geral durante procedimentos médicos dolorosos, como sejam o tratamento de feridas, a quimioterapia, os procedimentos odontológicos assim como em procedimentos médicos de rotina. A RV é usada ainda na melhoria da qualidade de vida dos doentes de Parkinson e de outros doentes neurológicos. As tecnologias como a realidade virtual abrem caminhos inovadores à melhoria do bem-estar e qualidade de vida dos pacientes, assim como aos profissionais de saúde que precisam de ampliar rapidamente conhecimentos para atuarem nos vários campos da saúde. O controlo da dor e o conhecimento são ingredientes chave desta porta aberta tecnológica que vem ocupando cada vez um maior território nas organizações hospitalares.
Identificamos e analisamos um conjunto de artigos relevantes associados especificamente a intervenções de realidade virtual em hospitais, através de pesquisas eletrónicas da Cochrane Library, MEDLINE, além de plataformas eletrónicas de hospitais americanos e ingleses e bases de referência de busca manual. Efetuamos todas as pesquisas até 13 de novembro de 2020.
O Treino dos médicos
O sistema de realidade virtual ajuda a formar médicos residentes, auxilia os cirurgiões no planeamento das operações e também educa os pacientes (Steinberg, 2020).
A Stanford Medicine (Stanford Medicine, 2020) está a usar um novo sistema que combina as imagens de ressonâncias magnéticas, tomografias computadorizadas e angiogramas criando um modelo tridimensional. Com este modelo, tanto os médicos como os pacientes podem ver e manipular como um jogo de realidade virtual.
Para os residentes, a aula é ministrada em uma sala onde os médicos estão rodeados por três telas enormes. Em cadeiras reclináveis com suportes para bebidas, os profissionais iniciam a sua viagem confortável dentro do crânio humano. Depois de colocarem os aparelhos, o instrutor, que surge como um avatar de bata branca encaminha-os para o cérebro do paciente
As diferentes componentes do cérebro surgem perante a visão do grupo que assiste e participa na sessão, vendo artérias que mostram um aneurisma, ossos que exibem patologias do crânio ou tecido com um tumor (Stanford medicine, 2020). Ao mesmo tempo os médicos vão girando as imagens e verificando em pormenor os temas, ficando com uma visão háptica do cenário proposto pela realidade virtual.
O hospital Stanford Medicine (2020) usa um novo sistema de software que combina as imagens de ressonâncias magnéticas, tomografias computadorizadas e angiogramas para criar um modelo tridimensional que médicos e pacientes podem ver e manipular – exatamente como um jogo de realidade virtual.
O potencial para o paciente
Para mostrar aos pacientes o que acontece dentro das suas cabeças, no hospital Stanford Medicine, o paciente é acompanhado no processo de visualização do seu órgão, mesmo no quarto de hospital. O fato de ele ser capaz de ver o problema em três dimensões tranquiliza o doente, sendo especialmente útil para pacientes jovens ou aqueles que não entendem bem o inglês (Steinberg, 2020).
Os médicos podem ainda gravar as imagens numa pen drive e dar ao paciente como lembrança (Steinberg, 2020).
Estes especialistas revelam ainda que enquanto que “tradicionalmente, os médicos podem mostrar aos pacientes um modelo físico padrão do cérebro ou da coluna vertebral e apontar a sua localização, com a RV, “somos capazes de imergir os pacientes na sua própria anatomia, para que eles possam ter uma noção muito clara do que está a acontecer” (Steinberg, 2020).
Na sala de cirurgia
A realidade virtual orienta os cirurgiões no espaço tridimensional.
No Laboratório de Simulação Neurocirúrgica os cirurgiões praticam com imagens do paciente real, em vez de um cérebro genérico, conseguindo mapear a cirurgia com antecedência. Veeravagu, um dos médicos do Stanford Medicine afirma que é “ uma janela para o cérebro de um paciente específico que será operado” (Steinberg, 2020).
Este processo de simulação, com a imagem real tridimensional do órgão, facilita o planeamento dos cirurgiões, além de melhorar a precisão da cirurgia (Steinberg, 2020). Aumenta ainda a segurança do doente, pois tem o objetivo de produzir procedimentos mais seguros (Steinberg, 2020).
Steinberg (2020) refere que é possível “planear como abordar um tumor e evitar áreas críticas como o córtex motor ou as áreas sensoriais” através da capacidade o reconstruir em três dimensões.
As doenças neurológicas
Na RV, a pessoa com Parkinson permite ter/fazer uma prática repetitiva de tarefas motoras, estimulando simultaneamente os processos motores e cognitivos.
A RV oferece aos pacientes com déficits neurológicos uma oportunidade de desenvolver novas estratégias motoras ou de reaprender habilidades motoras que foram perdidas devido aos processos de lesão ou doença (Dockx, Bekkers, Van den Bergh V, et al., 2016).
Estes investigadores fizeram uma extensa revisão bibliográfica em 2016 do qual resultaram 8 estudos e 263 pacientes. Os resultados (Dockx et al., 2016) apontaram que as intervenções de RV podem levar a melhorias maiores tanto no comprimento do passo como na passada (movimento), em comparação com as intervenções efetuadas pela fisioterapia, existindo evidências de que as melhorias na marcha, equilíbrio e qualidade de vida foram semelhantes às encontradas em intervenções de controle ativo (Dockx et al., 2016).
Limitar a dor e tranquilizar os pacientes
Os investigadores Li, Montaño, Chen e Gold (2001) referem que a realidade virtual (RV) tem sido usada para gerir a dor e a angústia associadas a uma variedade de procedimentos médicos dolorosos (p. 147). Estes investigadores verificaram que, tanto em ambientes clínicos como estudos experimentais, os participantes na RV experimentam níveis reduzidos de dor, angústia ou desagrado geral e relatam ainda o desejo de usar novamente a RV durante procedimentos médicos dolorosos (Li et al, 2001, p. 147).
Para Li et al. (2001) a RV pode agir como uma forma não farmacológica de analgesia, atuando sobre uma série de processos emocionais, afetivos, cognitivos e de atenção baseados na emoção (Li et al, 2001, p. 147).
Também os investigadores de um hospital em Los Angeles utilizaram a RV para desviar a atenção do paciente da dor. Os resultados positivos mostraram uma redução do sofrimento até 24%. Colocando o paciente em situações agradáveis, como lugares relaxantes, e até introduzindo jogos interativos, permitem que o paciente “esqueça” momentaneamente a sua situação, permitindo fazer tratamentos mais invasivos, ou tratar por exemplo de feridas de pessoas queimadas ou administrando vacinas a crianças pequenas. A realidade virtual pode ser aplicada num conjunto de tratamentos diversos (Li, Montaño, Chen, & Gold, 2001). Para além da distração, há estudos que mostram a capacidade da RV para bloquear os recetores de dor.
Lidar com o stress e ansiedade
A capacidade de se desenvolverem atividades amenas, divertidas e relaxantes, faz da RV um potencial para diminuir a ansiedade e o stress, podendo intervir no processo respiratório, na meditação e gerir os eventos stressantes que trazem angústia e dor à pessoa.
O Instituto de Neurociências (IN) da Universidade de Barcelona (2020) oferece sessões de 30 minutos a pacientes com stress e ansiedade. O Instituto de Neurociências (2020) anuncia um protocolo de realidade virtual de autoajuda – COVID Feel Good – que ajuda as pessoas a superar o fardo psicológico das tensões provocadas pelo COVID – 19, ao reduzir os níveis de stresse e ansiedade causados pelo bloqueio e melhorar o relacionamento interpessoal. Este serviço é gratuito segundo o site do IN, necessitando apenas da disponibilidade de um telemóvel com a aplicação Youtube, óculos de realidade virtual como o Google Cardboard. O protocolo consiste em assistir, durante uma semana, pelo menos uma vez ao dia, um vídeo de 10 minutos, denominado “O Jardim Secreto” em que a pessoa só precisa de seguir uma série de exercícios previstos no projeto do site, com metas específicas para cada dia da semana.
Educação à distância
Treviranus (1998) referia há mais de duas décadas que os dispositivos que exibissem informações hápticas, isto é, que envolvessem o toque e a cinestesia (movimentos) melho rariam as aprendizagens. Treviranus (1998) referia-se nesta altura aos antecedentes da Realidade virtual, como os dispositivos táteis que permitem que os utilizadores, usando as suas próprias mãos e dedos, “toquem” virtualmente os objetos apresentados em telas de computador como se fossem objetos físicos reais.
A computação gráfica abordava assim a visão “háptica” de uma melhor aprendizagem,
simulando as forças que alguém sentiria ao tocar como se fosse um objeto real, criando a ilusão de “tocar” efetivamente num determinado objeto.
Sabemos que as competências, isto é, o construto que integra os conhecimentos, as capacidade e atributos se desenvolvem, quando ao “saber” se junta o “fazer” (Tench & Konczos, 2013, OCDE, 2005).
Mais do que a informação, o conhecimento exige mais do utilizador, mas prepara-o melhor para as tarefas seguintes. A capacitação ou o empoderamento individual (WHO, 2009) permite ao individuo tomar controlo sobre a sua vontade e tomar melhores decisões em saúde (Sorensen et al, 2012).
REFERÊNCIAS
Axt, M., & Schuch, E.M.M.(2001). Environments of virtual reality and education: what is this reality? Interface (Botucatu), 5(9),11-30.
Dockx, K., Bekkers, E.M.J., Van den Bergh, V., Ginis, P., Rochester, L., Hausdor, J.M., Mirelman, A., Nieuwboer, A. (2016). Virtual reality for rehabilitation in Parkinson’s disease. In: Dockx, K. (Ed.). Cochrane Database Systematic Reviews. Chichester, UK: John Wiley & Sons, Ltd. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6463967/
Institute Neurociencias (2020). Virtual reality to reduce stress and anxiety levels caused by the lockdown, Universitat Barcelona. Disponível em: http://www.neurociencies.ub.edu/virtual-reality-to-reduce-stress-and-anxiety-levels-caused-by-the-lockdown/
Li, A., Montaño, Z., Chen, V.J., & Gold, J.I. (2001). Virtual reality and pain management: current trends and future directions. Journal of Pain Management. 1(2),147-157. doi:10.2217/pmt.10.15.
Physiopedia. (2020). Virtual Reality and Parkinson’s. Disponível em: https://www.physio-pedia.com/Virtual_Reality_and_Parkinson%27s
Sørensen, K., Van den Broucke, S., Fullam, J., Doyle, G., Pelikan, J., Slonska, Z., & Brand, H. (2012). Health Literacy and public health: A systematic review and integration of definitions and models. BMC Public health, 12, 80.
Steinberg (2020) Virtual reality system helps surgeons, reassures patients.
Stanford Medicine. Disponível em: https://medicalgiving.stanford.edu/news/virtual-reality-system-helps-surgeons-reassures-patients.html
TNH (2020) 5 aplicações inteligentes e eficazes de Realidade Virtual na saúde. Disponível em:
http://tnh.health/blog/aplicacoes-realidade-virtual-saude/
Treviranus J. (1998). Adding Feeling, Sound and Equal Access to Distance Education. University of Toronto: Adaptative Technology Resource Centre. Disponível em: https://www.dinf.ne.jp/doc/english/Us_Eu/conf/csun_99/session0112.html
Cristina Vaz de Almeida (PhD)
Diretora da Pós-graduação em Literacia em Saúde (ISPA)
Imagem gratuita em Pixabay (geralt)