RESUMO
A disseminação de fake news na saúde pública representa um desafio significativo para a adesão às campanhas de vacinação e outras medidas preventivas. Redes sociais e plataformas digitais amplificam desinformação, criando filtros cognitivos que fomentam a hesitação das vacinas e minam a confiança nas instituições de saúde. Evidências científicas recentes apontam que a desinformação tem contribuído para o ressurgimento de doenças evitáveis e para um declínio na imunidade coletiva. Este artigo analisa os mecanismos que impulsionam a disseminação da desinformação e seus impactos na saúde pública, assim como propõe estratégias baseadas em evidências para fortalecer a literacia em saúde e mitigar os efeitos das fake news.
1. INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, a rápida disseminação de informações falsas tornou-se um dos maiores desafios para a saúde pública. Com a popularização das redes sociais e o acesso facilitado à informação digital, a circulação de fake news sobre vacinas e outras medidas preventivas cresceu exponencialmente, gerando impactos significativos na adesão às campanhas de imunização. A Organização Mundial da Saúde (OMS) cunhou o termo infodemia para descrever o excesso de informações falsas que dificultam a tomada de decisões baseadas em evidências e comprometem a eficácia das políticas de saúde pública (WHO, 2025).
A hesitação da vacinação, fomentada pela desinformação, tem sido identificada como um fator determinante na redução das taxas de imunização. Estudos recentes (Silva, 2025; Hotez, 2025), mostram que países onde a população é amplamente exposta a fake news sobre vacinas apresentam uma queda significativa na cobertura vacinal, aumentando o risco de surtos de doenças previamente controladas, como o sarampo e a poliomielite. Além disso, a propagação de narrativas conspiratórias e mitos sobre efeitos secundários severos das vacinas contribui para a desconfiança nas instituições saúde e científicas, dificultando a implementação de estratégias eficazes de saúde pública (Loomba et al., 2025).
Este artigo tem como objetivo analisar os mecanismos que impulsionam a disseminação da desinformação sobre vacinas, seus impactos epidemiológicos e sociais e as estratégias baseadas em evidências para fortalecer a literacia em saúde e mitigar os efeitos das fake news. Para isso, será discutido o papel das redes sociais na amplificação da desinformação, as consequências para a imunidade coletiva e a confiança nas instituições de saúde, além das possíveis soluções para combater esse problema global.
2. A INFLUÊNCIA DAS REDES SOCIAIS NA DISSEMINAÇÃO DE FAKE NEWS
As redes sociais desempenham um papel central na amplificação da desinformação sobre vacinas. Segundo McGlashan et al. (2025), a combinação de algoritmos que priorizam conteúdos virais e o fenómeno das câmaras de eco contribui para a propagação de narrativas falsas e para a resistência às recomendações dos profissionais de saúde.
De acordo com Cartwright (2025), há três principais categorias de desinformação relacionadas com as vacinas:
- Falsos riscos à saúde — Fake news que alegam, sem base científica, que vacinas causam infertilidade, doenças neurológicas ou alteram o DNA humano.
- Narrativas conspiratórias — Ideias infundadas de que vacinas fazem parte de um esquema de controle populacional ou que são usadas para enriquecimento de indústrias farmacêuticas.
- Liberdade individual vs. saúde pública — Argumentos que apresentam a vacinação como uma imposição governamental que fere a autonomia dos cidadãos.
Hussain et al. (2025) reforçam que o efeito das bolhas informativas, onde indivíduos são continuamente expostos a conteúdos alinhados às suas crenças pré-existentes, dificulta a aceitação de informações científicas corretas. Além disso, Loomba et al. (2025) demonstram que a presença de influenciadores digitais que disseminam desinformação tem amplificado a rejeição às vacinas entre jovens adultos.
3. IMPACTOS EPIDEMIOLÓGICOS E SOCIAIS DA DESINFORMAÇÃO
3.1. Hesitação Vacinal e o Ressurgimento de Doenças
A hesitação vacinal, impulsionada pela desinformação, tem levado ao ressurgimento de doenças previamente controladas. Silva (2025), alerta que, em países onde a aceitação vacinal foi reduzida devido à desinformação, surtos de sarampo, poliomielite e tosse convulsa voltaram a ser registados.
Hotez et al. (2025) analisaram dados de vacinação nos Estados Unidos e concluíram que regiões com maior exposição a desinformação sobre vacinas apresentaram taxas de cobertura vacinal inferiores a 80%, nível considerado crítico para a manutenção da imunidade coletiva. Da mesma forma, Kraaijeveld (2025) constatou que a hesitação vacinal aumentou drasticamente na Europa, especialmente após a pandemia de COVID-19, devido à proliferação de fake news sobre os imunizantes.
3.2. Erosão da Confiança nas Instituições de Saúde
Outro impacto significativo da desinformação é a crescente desconfiança nas instituições de saúde. Roozenbeek et al. (2025) demonstraram que indivíduos expostos a fake news sobre vacinas têm menor probabilidade de confiar em profissionais de saúde e cientistas, dificultando a implementação de políticas de saúde pública.
Hussain et al. (2025) destacam que esta desconfiança não afeta apenas a vacinação, mas também outras iniciativas de saúde, como programas de deteção precoce de doenças como o cancro e medidas de contenção de epidemias. A longo prazo, esse fenómeno pode comprometer a credibilidade das autoridades sanitárias e prejudicar o envolvimento da população em campanhas de saúde pública.
4. ESTRATÉGIAS PARA COMBATER A DESINFORMAÇÃO EM SAÚDE
4.1. Reforço da Literacia em Saúde
A literacia em saúde é uma ferramenta fundamental para capacitar a população a identificar e rejeitar fake news. Segundo Cartwright (2025), a introdução de conteúdos sobre desinformação nos currículos escolares pode fortalecer a capacidade crítica dos cidadãos desde cedo.
Além disso, Conceição (2025) propõe campanhas educativas que utilizem redes sociais para disseminar informações verificadas, combatendo a desinformação diretamente nos espaços onde ela circula.
4.2. Regulação das Redes Sociais
McGlashan et al. (2025) defendem que as plataformas digitais devem ser responsabilizadas pela disseminação de fake news sobre saúde. Recomendações incluem:
- Maior transparência nos algoritmos de recomendação, reduzindo a priorização de conteúdos enganosos.
- Parcerias com verificadores de factos independentes, garantindo que publicações com informações falsas sejam identificadas e sinalizadas.
- Sanções às plataformas que permitam a disseminação massiva de fake news sobre vacinas.
4.3. Cooperação Internacional
A luta contra a desinformação exige uma resposta coordenada entre governos, organizações de saúde e empresas de tecnologia. A WHO (2025) lidera esforços para promover regulamentações internacionais que limitem a disseminação de desinformação e incentivem a transparência nas redes sociais.
5. CONCLUSÃO
A desinformação na saúde pública, especialmente no contexto da vacinação, representa uma ameaça significativa no controlo de doenças infeciosas e à confiança nas instituições científicas. A disseminação de fake news, impulsionada pelas redes sociais e reforçada por esferas fechadas, tem alimentado a hesitação vacinal e contribuído para o ressurgimento de doenças erradicáveis, como o sarampo e a poliomielite. Estudos recentes (Silva, 2025; Hotez, 2025; Loomba et al., 2025) demonstram que a queda na cobertura vacinal em diversos países está diretamente relacionada à circulação de informações falsas sobre os imunizantes.
Os impactos epidemiológicos da desinformação são alarmantes. A perda da imunidade coletiva devido à recusa vacinal tem levado a surtos de doenças e ao aumento da carga nos sistemas de saúde. Além disso, a confiança na ciência e nas instituições de saúde têm sido severamente abaladas, dificultando não apenas campanhas de vacinação, mas também outras estratégias de prevenção e tratamento de doenças (Roozenbeek et al., 2025).
Para combater esta crise, é essencial adotar uma abordagem multidisciplinar, envolvendo educação em saúde, regulação das plataformas digitais e cooperação internacional. O fortalecimento da literacia em saúde é um pilar fundamental para capacitar a população a identificar e rejeitar fake news (Cartwright, 2025). Ao mesmo tempo, medidas regulatórias para controlar a disseminação de desinformação nas redes sociais são urgentes, como apontam McGlashan et al. (2025).
Por fim, a colaboração entre governos, instituições de saúde, pesquisadores e empresas de tecnologia será determinante para mitigar os impactos das fake news e garantir que a informação científica prevaleça sobre a desinformação. A luta contra as fake news não é apenas uma questão de comunicação, mas um compromisso global com a saúde pública e o bem-estar da sociedade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Cartwright, A. C. (2025). A History of Vaccines and Anti-Vaxxers: Myth vs Reality. Springer.
Conceição, N. C. (2025). Educação em saúde e a enfermagem no combate à desinformação sobre vacinas do COVID-19: Revisão Integrativa. Repositório UFAL.
Hotez, P. (2025). It won’t end with COVID: Countering the next phase of American antivaccine activism 2025–29. PLOS Global Public Health.
Hussain, A., Ali, S., Ahmed, M., & Hussain, S. (2025). The Anti-vaccine Movement: A Regression in Modern Medicine. Journal of Global Health.
Kraaijeveld, S. (2025). The psychology of vaccine hesitancy and the role of misinformation. European Journal of Public Health.
Loomba, S., Lin, T., Wang, Y., Thier, K., & Nan, X. (2025). Understanding and mitigating vaccine misinformation on social media. Wiley Online Library. Disponível aqui.
McGlashan, M., Clarke, I., Gee, M., & Grieshofer, T. (2025). COVID-19 vaccine conspiracy theories, discourses of liberty, and “the new normal” on social media. Linguistics & Discourse Studies.
Roozenbeek, J., Traberg, C. S., & Maertens, R. (2025). Psychological booster shots targeting memory increase long-term resistance against misinformation. Nature Communications. Disponível aqui.
World Health Organization. (2025). Infodemic Management: A Global Strategy. Disponível aqui.
Silva, H. M. (2025). Return of poliomyelitis: A real risk in a country afflicted by scientific denialism. Vaccine. Disponível aqui.