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Prescrição Verde: Como Caminhadas na Floresta Reduzem o Uso de Psicofármacos

Prescrição Verde: Como Caminhadas na Floresta Reduzem o Uso de Psicofármacos

Num contexto global marcado por uma verdadeira epidemia de ansiedade, depressão e stress, cresce a procura por alternativas terapêuticas que não dependam exclusivamente de medicamentos. A medicalização da vida urbana e o uso generalizado de psicofármacos, embora eficazes em muitos casos, trazem consigo riscos de efeitos adversos cumulativos e dependência prolongada. Neste cenário, emerge a “prescrição verde” como abordagem complementar baseada na natureza, integrando caminhadas na floresta, hortoterapia e outras atividades ao ar livre como parte de estratégias de promoção do bem-estar psicológico (Robinson & Breed, 2023).

A prescrição verde insere-se no conceito de social prescribing, em que profissionais de saúde recomendam intervenções sociais e ambientais como parte do tratamento clínico. As atividades propostas incluem caminhadas em florestas, jardinagem comunitária, observação de aves e horticultura terapêutica. Evidências científicas crescentes demonstram que a exposição regular a ambientes naturais pode reduzir sintomas de ansiedade e depressão, melhorar o humor e reforçar a conexão com o mundo natural (Shanahan et al., 2019). No Reino Unido, o National Health Service (NHS) implementou programas oficiais de prescrição verde em várias regiões, com impacto positivo na redução de sintomas depressivos e ansiosos (NHS England, 2023). A Organização Mundial da Saúde reconhece estas intervenções baseadas na natureza como estratégias relevantes para promoção do bem-estar mental (WHO, 2022).

Os mecanismos fisiológicos e psicológicos por trás desta abordagem estão cada vez mais claros. Caminhadas em ambientes naturais reduzem os níveis de cortisol, principal hormona do stress (Hunter et al., 2019), ativam o sistema nervoso parassimpático, promovendo relaxamento (Antonelli et al., 2020), e diminuem a ruminação cognitiva, associada a quadros depressivos (Bratman et al., 2015). Estudos mostram ainda melhorias na qualidade do sono, na capacidade de concentração e na afetividade positiva (Twohig-Bennett & Jones, 2018). Uma experiência de 90 minutos em trilhos florestais demonstrou reduzir a atividade da região subgenual do córtex pré-frontal, ligada ao pensamento repetitivo negativo, o que ajuda a explicar os benefícios sobre a saúde mental (Bratman et al., 2015).

No Japão, esta abordagem ganhou carácter institucional nos anos 1980 com o Shinrin-Yoku, ou “banho de floresta”. Pesquisas lideradas por Qing Li demonstraram que sessões regulares em florestas melhoram a função imunitária, reduzem a fadiga, diminuem o stress e promovem bem-estar emocional (Li, 2019). No Reino Unido e na Escócia, o programa Nature Prescriptions, desenvolvido pela RSPB em colaboração com o NHS Scotland, relatou que 74% dos clientes perceberam melhoria do humor e 91% declararam sentir mais propósito na vida após três meses de caminhadas guiadas (RSPB, 2023).

Na América do Norte, a tendência segue em expansão. No Canadá, o programa PaRx permite que médicos prescrevam visitas regulares a parques naturais, com elevada taxa de adesão e efeitos positivos na vitalidade e no humor (Kondo et al., 2022). Nos Estados Unidos, iniciativas conhecidas como Park Prescriptions, em parceria com o National Park Service, têm contribuído para reduzir o isolamento social e sintomas depressivos em comunidades urbanas, demonstrando que mesmo pequenas doses de natureza têm efeito clínico relevante (Razani et al., 2020).

Em Portugal, embora ainda não haja regulamentação nacional, começam a surgir iniciativas locais. Em Lisboa, caminhadas terapêuticas no Parque Florestal de Monsanto mostraram reduções significativas na Escala de Hamilton para Ansiedade, segundo estudo piloto de Fonseca et al. (2024). Na Madeira, o projeto “Caminhar Cura”, dinamizado em cuidados de saúde primários, tem apresentado benefícios em idosos com depressão leve. No Alentejo, hortoterapia em Unidades de Cuidados Continuados tem gerado ganhos cognitivos e de autoestima em utentes com transtornos mentais ligeiros. Apesar do potencial, a ausência de diretrizes do Serviço Nacional de Saúde dificulta a expansão sistemática destas práticas.

Um dos aspetos mais promissores da prescrição verde é a sua capacidade de contribuir para a redução do uso de psicofármacos em casos leves e moderados. Um estudo da University of Exeter reportou que cerca de 30% dos participantes reduziram a dose de antidepressivos após três meses de envolvimento em atividades prescritas na natureza (Pretty et al., 2021). A British Ecological Society estima que, se adotada em larga escala, a prescrição verde pode reduzir em até 10% o consumo de ansiolíticos em populações urbanas (BES, 2022). Para além dos benefícios individuais, este impacto sugere ganhos económicos expressivos para sistemas de saúde sobrecarregados. É importante sublinhar que a prescrição verde não substitui tratamentos farmacológicos em casos graves, mas funciona como intervenção complementar preventiva e de manutenção.

Ainda assim, a implementação enfrenta desafios. Existe ceticismo clínico em relação a terapias não farmacológicas, lacunas na formação de médicos e psicólogos em ecopsicologia e saúde ambiental, desigualdade no acesso a espaços verdes, sobretudo em cidades densas, e ausência de métricas clínicas robustas para avaliação sistemática de impacto (Cheng et al., 2023). No entanto, estudos recentes demonstram que até exposições passivas — como ver imagens ou ouvir sons da natureza — podem gerar efeitos positivos, ampliando o potencial de aplicação em ambientes urbanos ou hospitalares (Ulrich et al., 2023).

Para que a prescrição verde se consolide como política pública efetiva, propõe-se integrar conteúdos de ecoterapia e saúde ambiental nos currículos de saúde, estabelecer parcerias formais entre centros de saúde e parques florestais, criar plataformas digitais que combinem roteiros, monitorização de bem-estar e feedback clínico, e desenvolver indicadores que permitam avaliar resultados clínicos em tempo real. A digitalização destas práticas não só ampliaria a adesão, como geraria dados valiosos para estudos longitudinais.

A conclusão é clara: a floresta não é apenas um cenário, mas um agente terapêutico ativo. Em tempos de crise climática e sobrecarga dos serviços de saúde mental, reconectar o ser humano à natureza surge como uma solução simples, eficaz e de baixo custo. Trilhos de terra, árvores silenciosas e o som do vento podem tornar-se aliados poderosos na redução do stress, na prevenção de depressões e até na diminuição do uso de psicofármacos. Valorizar a natureza como parceira na promoção da saúde mental é, em última instância, uma revolução clínica com raízes profundas.

Referências Bibliográficas

Antonelli, M., Barbieri, G., & Donelli, D. (2020). Effects of forest bathing (shinrin-yoku) on levels of cortisol as a stress biomarker: A systematic review and meta-analysis. International Journal of Biometeorology, 64(8), 1465–1475.

Bratman, G. N., Hamilton, J. P., Hahn, K. S., Daily, G. C., & Gross, J. J. (2015). Nature experience reduces rumination and subgenual prefrontal cortex activation. PNAS, 112(28), 8567–8572. https://doi.org/10.1073/pnas.1510459112

British Ecological Society. (2022). Nature-based Solutions for Mental Health. https://www.britishecologicalsociety.org

Cheng, R., Wu, X., & Sun, W. (2023). Evaluating the health effects of green prescriptions: A scoping review. Environmental Research, 222, 115224.

Fonseca, M., Carvalho, S., & Pita, J. (2024). Caminhadas terapêuticas e saúde mental: Estudo de caso em Lisboa. Revista Portuguesa de Psicologia Clínica, 12(1), 45–61.

Hunter, M. R., Gillespie, B. W., & Chen, S. Y. (2019). Urban nature experiences reduce stress in the context of daily life based on salivary biomarkers. Frontiers in Psychology, 10, 722. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2019.00722

Kondo, M. C., Jacoby, S. F., South, E. C., & Branas, C. C. (2022). Nature prescriptions for mental health: A systematic review. Environmental Research, 206, 112573.

Li, Q. (2019). Forest Bathing: How Trees Can Help You Find Health and Happiness. Penguin Life.

NHS England. (2023). Green social prescribing: Summary of evidence and impact. https://www.england.nhs.uk/personalisedcare/social-prescribing/green-social-prescribing
Pretty, J., Barton, J., & Colbeck, I. (2021). The mental health benefits of nature-based interventions. Journal of Public Mental Health, 20(1), 39–49.

RSPB & NHS Scotland. (2023). Nature Prescriptions: Final Evaluation Report. https://www.rspb.org.uk

Razani, N., et al. (2020). Clinic and park partnerships for mental health: A strategy to improve well-being. American Journal of Public Health, 110(4), 547–552.

Shanahan, D. F., et al. (2019). Nature-based interventions for improving health and wellbeing. Environmental Research, 175, 127–137.

Twohig-Bennett, C., & Jones, A. (2018). The health benefits of the great outdoors: A systematic review and meta-analysis of greenspace exposure and health outcomes. Environmental Research, 166, 628–637.

Ulrich, R. S., et al. (2023). The restorative effects of nature on stress: A meta-analysis. Health & Place, 82, 102897.

WHO. (2022). Nature, biodiversity and health: An overview of interconnections. World Health Organization. https://www.who.int

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