RESUMO

A eleição de Robert Francis Prevost como Papa Leão XIV em maio de 2025 representa um marco significativo na história da Igreja Católica, ao conjugar elementos de tradição institucional com uma postura pastoral voltada às necessidades do presente. Este artigo analisa criticamente os primeiros sinais de seu pontificado, examinando a escolha simbólica do nome papal, sua formação pastoral na América Latina, a reafirmação de elementos litúrgicos tradicionais e sua adesão às reformas promovidas pelo Papa Francisco. A partir de uma abordagem interdisciplinar, fundamentada em teologia, sociologia da religião e história eclesiástica, busca-se compreender como Leão XIV articula continuidade e transformação na configuração de sua liderança. Utilizando-se de referenciais de autores como Boeve, Bourdieu, Gagliarducci e Metz, argumenta-se que este pontificado aponta para uma “tradição estratégica”, que responde às crises institucionais e culturais contemporâneas com fidelidade criativa e abertura dialógica. A análise contribui para o debate sobre os rumos do catolicismo global no século XXI, enfatizando a relevância simbólica e pastoral do novo pontífice.

Palavras-chave: Igreja Católica; Leão XIV; tradição e modernidade; reforma eclesial; simbologia papal; sociologia da religião.

1. INTRODUÇÃO

A eleição de um novo Papa constitui não apenas um evento canônico, mas também um acontecimento sociopolítico de repercussão global. Com a escolha do cardeal norte-americano Robert Francis Prevost, que assumiu o nome de Leão XIV, a Igreja Católica ingressa em uma nova fase que sintetiza, de maneira estratégica, elementos de sua tradição histórica e as exigências do presente. Esta conjunção não é trivial: em um cenário de crescente secularização, polarizações internas e desafios geopolíticos, a figura papal vê-se convocada a reinterpretar a missão da Igreja de forma responsiva e crítica.

O presente artigo tem como objetivo analisar, sob uma perspetiva teológico-sociológica, os primeiros movimentos do pontificado de Leão XIV, examinando sua simbologia, seu legado pastoral e suas continuidades institucionais. Em particular, busca-se compreender como a escolha do nome, gestos inaugurais e posicionamento reformista articulam-se como estratégia de legitimação e atualização da autoridade papal. Tal análise é ancorada em uma revisão crítica de autores que refletem sobre a tradição e a reforma no interior da Igreja, tais como John O’Malley, Massimo Faggioli, Pierre Bourdieu, Lieven Boeve, entre outros.

2. A ESCOLHA DO NOME: A TRADIÇÃO COMO ESTRATÉGIA DISCURSIVA

Ao adotar o nome Leão XIV, Prevost conecta o seu pontificado a duas figuras históricas de peso: Leão I (séc. V), defensor da ortodoxia cristológica, e Leão XIII (séc. XIX), promotor da Doutrina Social da Igreja com a encíclica Rerum Novarum. Como argumenta Gagliarducci (2023), a escolha do nome pontifício “representa não apenas uma homenagem ao passado, mas uma sinalização clara das prioridades programáticas do novo Papa”. Essa estratégia simbólica atua, segundo Boeve (2020), como tentativa de “recontextualização da tradição”, não como repetição do passado, mas como reelaboração diante dos novos contextos históricos.

3. A FORMAÇÃO PASTORAL E O SUL GLOBAL COMO REFERÊNCIA

A trajetória de Leão XIV, marcada por anos de atuação pastoral no Peru, indica uma inflexão importante: a emergência de líderes eclesiais oriundos do sul global. Esta formação pastoral, segundo Scannone (2016) e Ivereigh (2019), inscreve-se na lógica da Teologia do Povo, que privilegia a escuta das culturas locais e a experiência concreta das comunidades marginalizadas. Ao transitar entre o mundo latino-americano e o centro do poder eclesiástico, Leão XIV representa o que Boaventura de Sousa Santos (2010) chama de “tradução intercultural” dentro de instituições globais.

4. SIMBOLISMO LITÚRGICO E IDENTIDADE INSTITUCIONAL

A opção por utilizar as vestes papais tradicionais no momento de sua aparição pública inicial, como relatado pela ACI Digital (2025), não é meramente estética. Trata-se de uma reafirmação de elementos simbólicos da identidade papal. Conforme aponta Grillo (2014), “a liturgia é o lugar teológico por excelência da tradição”, e os símbolos que a compõem expressam estabilidade, unidade e continuidade apostólica. Assim, mesmo diante de discursos reformistas, Leão XIV busca manter o vínculo com o imaginário institucional do papado.

5. REFORMAS, ESPERANÇA E HERANÇA DE FRANCISCO

O novo Papa declarou, em seu primeiro discurso: “Deus nos quer bem, Deus nos ama a todos. O mal não prevalecerá”. Esta afirmação ecoa a teologia da esperança elaborada por Moltmann (1967) e Metz (1997), que vê na escatologia uma força transformadora do presente. Além disso, sinaliza continuidade com a linha pastoral de Francisco, que priorizou uma Igreja em saída (Evangelii Gaudium, 2013), a justiça socioambiental (Laudato Si’, 2015) e a fraternidade universal (Fratelli Tutti, 2020).

A continuidade também se manifesta na manutenção das reformas da Cúria Romana promovidas por Praedicate Evangelium (2022), bem como no fortalecimento da sinodalidade e da escuta eclesial. Para Bourdieu (1991), os papas exercem um papel estratégico no “campo religioso” como redistribuidores de capital simbólico. Leão XIV parece consciente desta função, reequilibrando forças entre o centro e a periferia, entre tradição e reforma.

6. CONCLUSÃO

O pontificado de Leão XIV surge como uma expressão de “tradição estratégica”: uma liderança que conjuga fidelidade à herança eclesial com abertura aos desafios contemporâneos. Sua trajetória pastoral, a escolha simbólica do nome, a reafirmação litúrgica e a continuidade das reformas de Francisco revelam um pontífice que move-se com discernimento entre a preservação e a renovação. A eleição de um Papa oriundo dos Estados Unidos, com longa experiência latino-americana, configura ainda uma nova geopolítica eclesial, na qual a periferia teológica torna-se centro de inspiração.

Este artigo procurou argumentar que Leão XIV representa mais do que uma figura de transição: ele é sinal de uma Igreja em metamorfose, atenta às dores do mundo, sem abrir mão de sua identidade. À medida que o seu pontificado desenvolve-se, caberá à comunidade académica, pastoral e eclesial acompanhar criticamente como esta tensão entre tradição e reforma concretizar-se-á no magistério, na gestão e no testemunho público da Igreja.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ACI Digital. (2025). O que o papa veste quando aparece pela primeira vez na sacada da basílica de São Pedro. Recuperado de https://www.acidigital.com/noticia/62581

Boeve, L. (2020). Francis and the Future of the Church. Bloomsbury.

Bourdieu, P. (1991). Genesis and Structure of the Religious Field. Comparative Social Research, 13(1), 1–44.

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Duffy, E. (2006). Saints and Sinners: A History of the Popes. Yale University Press.

Gagliarducci, A. (2023). The Significance of Papal Names. Vatican Publishing.

Grillo, A. (2014). La Liturgia: Teologia, storia e prassi. San Paolo Edizioni.

Himes, K. R. (2001). Modern Catholic Social Teaching: Commentaries and Interpretations. Georgetown University Press.

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Moltmann, J. (1967). Theology of Hope. Harper & Row.

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Riccardi, A. (2023). Il Papato nella Modernità. Laterza.

Scannone, J. C. (2016). La teología del pueblo: Raíces teológicas del Papa Francisco. Sal Terrae.

Vatican News. (2025). O nome do Pontífice, a “certidão de nascimento” do novo Papa. Recuperado de https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2025-05/nome-novo-papa-historia-igreja-successor-pedro.html

Imagem de destaque retirada de: https://www.npr.org/2025/05/08/g-s1-65147/new-pope-leo-xiv-robert-prevost-views