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“Toda guerra é lutada duas vezes: a primeira vez é no campo de batalha; a segunda, na memória”: elogio emergencial a uma ótima minissérie subestimada!

“Toda guerra é lutada duas vezes: a primeira vez é no campo de batalha; a segunda, na memória”: elogio emergencial a uma ótima minissérie subestimada!

Por mais que já tenhamos dito isto, convém ratificar: os políticos conservadores — os mal-intencionados, ao menos — beneficiam-se sobremaneira das publicações que dão visibilidade às suas estultices, mesmo que seja em âmbito negativo. O ditado popular “falem mal, mas falem de mim” confirma-se no exemplo em pauta, de modo que, frente aos espetáculos programados para serem amplamente disseminados, a nossa reação imediata deve ser a substituição valorativa por algo construtivo: não difundir a malevolência (ainda que não se possa ignorá-la e/ou precisamos estar em alerta quanto ao seu impacto), mas promover aquilo que serve “enquanto contraofensiva, a fim de conceder direito de voz aos indivíduos cujos corpos e a terra foram queimados para sempre”.

A expressão mencionada encerra — em tradução livre — o artigo de Raphaël Nieuwjaer, na edição de julho da revista Cahiers du Cinéma, sobre a minissérie produzida pelo canal fechado HBO “O Simpatizante”. Em razão de esta série ter obtido uma audiência diametralmente oposta à qualidade de sua realização, esperamos convencer alguns leitores a mergulharem nas valiosas reflexões proporcionadas por este magno produto televisivo, cujo roteiro está a cargo do cineasta sul-coreano Park Chan-Wook (que também dirige os três primeiros episódios) e do escritor canadense Don McKellar, a partir de um romance homônimo (e multipremiado) de Viet Thanh Nguyen, publicado em 2015.

No primeiro dos sete episódios, lemos o apotegma que intitula esta resenha. Três verbos aparecem na tela (“Reescreva. Reviva. Recomece”) e estes serão essenciais para que compreendamos o percurso do atormentado protagonista, apresentado antonomasicamente como o Capitão e esplendidamente interpretado por Hoa Xuande, dotado de um carisma iridescente e de uma beleza física fascinante (como resistir aos seus expressivos olhos verdes?). Percebemos que este personagem está preso num campo de concentração vietcongue e que ele está convertendo em relato os eventos que ora compartilha, manipulando a montagem de maneira jazzística, como será explicado à frente, após a metalinguística entrada em cena de um cineasta hollywoodiano, pretensamente subversivo (inspirado em Francis Ford Coppola, notaram vários exegetas).

O episódio-piloto, aliás, é uma obra-prima: intitulado “Desejo de Morrer”, ele é justificado por uma aflitiva situação interna, uma sessão de tortura que ocorre numa sala de cinema, onde estava sendo exibido, justamente, o filme “Desejo de Matar” (1974, de Michael Winner), clássico sobre justiçamento, protagonizado pelo astro Charles Bronson [1921–2003]. A ironia sufocante deste ponto de partida atingirá picos ao longo dos episódios — que possuem um humor eventualmente questionável —, até culminar numa rememoração traumática e violentíssima, que o protagonista desejou esquecer, a fim de não ser atormentado pela culpa. Pode-se reclamar que alguns de seus escrúpulos soam exagerados, a princípio, mas, no desfecho, o baque é certeiro!

Ainda no letreiro de abertura, uma explicação brilhante: “aquilo que, nos EUA, divulga-se como Guerra do Vietnã, no Vietnã é chamada de Guerra Estadunidense”. O supracitado Capitão é um jovem de ascendência mestiça, que desempenha funções enquanto infiltrado vietcongue no exército sul-vietnamita. Como ele é fluente no idioma inglês, trabalha como assistente pessoal do General Trong (Toan Le), que é auxiliado por um oportunista agente da CIA, Claude, interpretado por Robert Downey Jr., que, além dele, vivifica mais quatro personagens. Um deles é revelado apenas no derradeiro (e magistral) episódio, “Finais São Difíceis, Não São?”, dirigido pelo britânico Marc Munden, que também conduz os dois capítulos anteriores a este. O episódio central, “Queremos Boas Falas”, por sua vez, é dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles, é mostra os bastidores de uma produção cinematográfica cujo entrecho lembra muito o de “Platoon” (1986, de Oliver Stone). Robert Downey Jr. vive o diretor do filme dentro do filme, enquanto David Duchovny brilha como um ator ensandecido, que intimida toda a equipe, ao contaminar-se pela beligerância de seu personagem, naquilo que ele define como Método. Falar mais acerca do que acontece na trama seria prejudicial às descobertas espectatoriais. De nossa parte, o clamor é reiterado: por favor, assistam a esta extraordinária minissérie!

Wesley Pereira de Castro.

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