O conceito de liberdade é complexo e plurifacetado. A filosofia costuma classificá-lo em duas dimensões: liberdade negativa e liberdade positiva. A liberdade negativa consiste na ausência de interferências externas nas ações individuais, enquanto a liberdade positiva se refere à capacidade de realizar ações autodeterminadas e livremente decididas.
No entanto, a dicotomia entre as dimensões de liberdade negativa e positiva não é um jogo de soma zero, antes estabelece-se numa relação de interdependência e complementaridade. Essa perspetiva é compartilhada por diferentes autores como Berlin (1958) e Taylor (1989).
De facto, como argumenta Sen (1999) a liberdade positiva é um pilar fundamental para o desenvolvimento humano, dado que a liberdade negativa, por si só, não é suficiente para garantir uma vida plena e autónoma. Por outro lado, Pettit (1997) defende que a liberdade negativa é crucial para proteger as pessoas da arbitrariedade do Estado, mas reconhece que a liberdade positiva é igualmente essencial para assegurar que os indivíduos tenham as capacidades necessárias para exercer a liberdade negativa de forma efetiva.
Sumamente, de acordo com a visão interconectada do conceito, a liberdade traduz-se na capacidade de agir segundo a própria vontade e sem coação dos fatores externos. Embora possamos conceber um ambiente que promova a liberdade na sua plenitude, esse ideal é influenciado por diversos fatores contextuais, como a cultura, a política e a filosofia. Nesse sentido, a procura pela liberdade holística requer uma análise criteriosa desses fatores, bem como uma compreensão aprofundada das dimensões negativa e positiva da liberdade, que se complementam para garantir uma realização plena.
Atualmente, vivenciamos um contexto marcado pela tensão crescente entre a valorização da liberdade individual e a necessidade de regulação para proteger o bem-estar coletivo, uma dinâmica complexa que envolve múltiplos atores e solicitações conflitantes. Por um lado, a liberdade individual expressa-se numa ampla gama de direitos civis e políticos, como a liberdade de expressão, de associação e de religião, bem como a liberdade de optar por determinado estilo de vida, conquistas das sociedades plurais e democráticas. Ainda, a necessidade de regulação é frequentemente apontada como resposta aos desafios globais, entre os quais a pandemia, as mudanças climáticas e as desigualdades socioeconómicas, por ameaçarem o bem-estar coletivo. Nestes casos, as autoridades são chamadas a intervir para preservar respetivamente a saúde pública, o meio ambiente e a justiça social, e isso pode gerar fricções com a liberdade individual, especialmente quando as medidas tomadas são percebidas como excessivamente invasivas ou autoritárias.
Destarte, sendo a liberdade positiva essencial para o desenvolvimento humano, mas como em larga medida compete ao Estado a responsabilidade de garantir que todas as pessoas reúnam as condições necessárias para exercer a sua liberdade positiva, seja levantando os constrangimentos, típicos da liberdade negativa, ou empoderando os indivíduos contribuindo para a sua autodeterminação, característicos da liberdade positiva, então parece não estarem reunidas condições para o exercício da liberdade positiva. Acresce, que os desafios globais supramencionados forçam o Estado a aumentar a regulação, afetando ainda a nossa liberdade negativa.
Ora, se a liberdade tem dimensões complementares, qualquer baixa numa ou outra dimensão reflete-se na nossa espera de atuação como um todo, seja por inação ou impedimento. Por fim, quando tudo indiciava que a tecnologia permitiria uma maior conectividade e acesso à informação, o que poderia refletir-se no rompimento de barreiras e numa ampliação da liberdade individual, paradoxalmente podemos estar a andar no sentido oposto.
Referências
Berlin, I. (1958). Two Concepts of Liberty. Oxford University Press.
Nussbaum, M. (2006). Frontiers of justice: Disability, nationality, species membership. Harvard University Press.
Pettit, P. (1997). Republicanism: A Theory of Freedom and Government. Oxford University Press.
Sen, A. (1999). Development as Freedom. Alfred A. Knopf.
Taylor, C. (1989). The Ethics of Authenticity. Harvard University Press.