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“Eu não gosto de negociar. Eu amo negociar. É uma arte!”, ou de como nasce e cresce um monstro capitalista…

“Eu não gosto de negociar. Eu amo negociar. É uma arte!”, ou de como nasce e cresce um monstro capitalista…

Na manhã de quarta-feira, 06 de novembro de 2024, uma manchete renitente estampou as capas de diversos jornais, como se fosse um anúncio do Apocalipse: Donald John Trump fora eleito presidente dos Estados Unidos da América, pela segunda vez, com ampla vantagem, mesmo tendo algumas condenações criminais em seu currículo. As especificidades da eleição estadunidense — tendentes às suspeitas de fraude — e o perigo atrelado ao mandato vindouro desta figura controversa e assustadora — a ser iniciado em 20 de janeiro de 2025 — justificam os temores de parte considerável da esquerda mundial: a influência nefasta deste político republicano acentuará os desrespeitos legislativos de personalidades desacreditadas em seus contextos locais. E, junto com a ascensão da extrema-direita, vem um rastro de guerras, fome e morte. Trata-se de um governo destinado à continuidade da exploração dos ricos, sob a égide da corrupção, em que as intromissões em questões morais alheias surgem como dominantes!

É oportuno que, ao mesmo tempo em que lidamos com a péssima notícia supracitada, possamos assistir a um filme tão qualitativo quanto “O Aprendiz” (2024, de Ali Abbasi), que versa justamente sobre a juventude de Donald J. Trump, quando ele ainda estava se firmando como um gênio imobiliário. Sobremaneira ambicioso, ele era desacreditado por seu pai, um empreendedor que enriqueceu a partir de subsídios públicos e benefícios fiscais. E foi justamente nisso que apostou o seu filho, a fim de tornar-se quem é hoje. Para tal, o apoio do advogado Roy Cohn [1927–1986] foi fundamental.

Este período inicial da carreira de Donald Trump é precisamente o que o ótimo roteiro de Gabriel Sherman aborda: em meados da década de 1970, o jovem Donald (interpretado por Sebastian Stan), ao ser admitido num clube de luxo, conhece o influente Roy (Jeremy Strong), e logo tornam-se cúmplices. O herdeiro imobiliário contrata o advogado para defender o seu pai Fred (Martin Donovan), que está sendo acusado de desfavorecer hóspedes negros em seus imóveis, ao que ele nega: “como podem me acusar de racismo, se o meu motorista é negro?”. Acostumado às chantagens e às técnicas escusas de intimidação, Roy descobre situações vexatórias envolvendo os jurados e promotores dos julgamentos em que a família Trump comparece como ré, de modo que eles não apenas são absolvidos como obtêm êxito na eliminação de impostos na aquisição de prédios localizados no centro de Nova York. E, assim, as principais construções de Donald Trump vêm à tona…

Centrando-se nos meandros da relação de desconfiança e oportunismo entre Donald e Roy, “O Aprendiz” explicita uma abordagem ambígua desde o título, que faz menção tanto a um programa bem-sucedido de TV, que Donald Trump apresentou a partir de 2004, em que “contratava” administradores que venciam os desafios propostos no molde de um ‘reality show’, quanto à própria posição do então inexperiente Donald, em face da esperteza e sagacidade de Roy. A extrema licenciosidade deste último intimida o conservador Donald, que se apaixona pela modelo tcheca Ivana Zelníčková (Maria Bakalova, estupenda), com quem se casa. Egocêntrico e insaciável, Donald tornar-se-á viciado em estimulantes e ficará entediado em seu convívio matrimonial, além de progressivamente distanciar-se de Roy, quando as suas práticas homossexuais se tornarem propícias ao adoecimento por conta da AIDS, então apresentada como “peste gay”. Há muito a ser observado nas entrelinhas biográficas, portanto.

Numa sequência derradeira, Donald Trump concede uma entrevista definitiva ao jornalista Tony Schwartz, que daria origem, em 1987, ao ‘best-seller’ “A Arte Da Negociação”, em que o milionário diz rejeitar o seu passado, preferindo concentrar-se em seus ganhos do presente. Na ocasião, ele apresenta como próprias as regras ensinadas por Roy Cohn, sobremaneira evidentes em sua desonesta campanha eleitoral: “regra número 01: ‘ataque, ataque ataque!’; regra número 02: ‘negue sempre, nunca admita nada!’; e regra número 03: ‘não importa o quão fodido tu estejas, jamais aceite a derrota!’”. Quem acompanhou o processo eleitoral em pauta percebe o quão respeitadas pelo presidente (re)eleito foram estas regras implacáveis. Por isso, o temor justificado de seus opositores e detratores, para os quais insistimos em recomendar este filme, demarcado por excelentes interpretações e por uma direção vigorosa do iraniano, radicado na Dinamarca, Ali Abbasi, acostumado a discutir aspectos da monstruosidade em seus filmes, seja pelo viés da aparência física [conforme vimos no ótimo “Border” (2018)], seja pelo diagnóstico da suma malevolência [conforme abundante no execrável “Holy Spider” (2022)]. Neste longa-metragem mais recente, ele unifica ambas as características, numa produção que se apropria inteligentemente do ritmo jornalístico, além de converter a descrição absolutamente realista de um personagem verídico num prognóstico de terror, que nos assombra ao som de “Yes Sir, I Can Boogie”, da dupla espanhola Baccara. Estejamos preparados para o que vem pela frente…!

Wesley Pereira de Castro.

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