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Eleições Brasileiras 2022: um olhar a partir do conceito da “Banalidade do Mal” de Hannah Arendt

Eleições Brasileiras 2022: um olhar a partir do conceito da “Banalidade do Mal” de Hannah Arendt

Vários autores já se debruçaram sobre o cenário social e político observado no Brasil nos dois últimos processos eleitorais para Presidente da República. Ao longo destes poucos anos, – precedidos pelo impeachment da Presidenta Dilma Roussef, (2010 a 2016) -, afastada sem ter cometido crime constitucional -, episódios antidemocráticos sucederam-se e estão sendo analisados academicamente buscando a elucidação do início de um Brasil tão sombrio que ainda se mostra persistente e perigoso até hoje. Jessé Souza[1], por exemplo, esmiuçou o comportamento da classe média brasileira e a sua contribuição para o surgimento dessa crise moral, social e política vivenciada no nosso país e o retorno de um governo de extrema-direita. 

            As duas últimas eleições presidenciais brasileiras dividiram o país em dois. Desde que se iniciaram as manifestações populares e as articulações políticas que levaram ao impeachment ocorrido em 2016, da ex-presidente Dilma, processos judicialmente contaminados e acompanhados de campanhas difamatórias sem provas, desestruturaram as bases da democracia brasileira. Como resultado, confinou o então ex-presidente Lula (2002 a 2010) à prisão, em 7 de abril de 2018, baseado em declarações sem evidência documental de réus confessos, beneficiados pela delação premiada. Ele foi condenado em duas instâncias judiciais, apenas por convicção e não por provas físicas, inviabilizando a sua candidatura em 2018. Lula foi libertado no dia 8 de novembro de 2019, após 580 dias de prisão. Posteriormente teve concedida a anulação de todo o processo judicial que o condenou, mediante provas de parcialidade e erros processuais por parte dos juízes que o condenaram. 

            A candidatura do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro (2018 a 2022) em 2018 e em 2022, provocou uma defesa acirrada em seus apoiadores, trazendo uma tensão preocupante para o clima eleitoral. Personalidade política extremamente polêmica, com seus comentários e promessas ao longo dos anos provocou disputas acirradas, dividiu famílias e desfez amizades antigas. A dinâmica que se imprimiu nas manifestações populares mudou o tom de um processo eleitoral democrático para um nível mais exaltado e sem controle.  Uma inundação de fake news nas redes sociais, além de comprometer todo um processo de avanços no que se refere à direitos humanos, incitou em grande parte da população manifestações agressivas, desrespeitosas e livremente divulgados em diversos meios midiáticos, naturalizando inclusive, o inaceitável. Em 2018, com lemas como “Deus, Pátria e Família”, Jair Bolsonaro, de militar medíocre e congressista controverso e improdutivo, virou um “mito”.

            Diante do quadro exposto, a pretensão aqui é lançar um olhar no comportamento dos apoiadores de Bolsonaro a partir do conceito de “banalidade do mal” desenvolvido pela filósofa Hannah Arendt. Este artigo é apenas uma provocação no sentido de buscarmos as diversas facetas para o entendimento de como este título de mito foi construído a partir de um movimento social popular, onde pessoas apoiavam e defendiam o que representava tudo que era desvantagem e ofensivo para a seu próprio segmento social.

            A filósofa Hannah Arendt foi forçada a fugir da Alemanha mediante a ascensão do nazismo, mudou-se para os Estados Unidos em 1941, onde conseguiu cidadania e exerceu a atividade de professora. Ela buscava em suas reflexões e pesquisas a compreensão da origem do nazismo a partir das inquietações sobre os regimes totalitários.

            Durante a Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945), a Alemanha Nazista, sob o comando de Adolf Hitler, perseguiu e exterminou grupos étnicos que não faziam parte da raça ariana. No evento brutal, conhecido como o Holocausto[2], foram mortos cerca de cinco milhões de pessoas, principalmente judeus, pessoas com deficiência e povos ciganos. Um genocídio tão atroz que marcou a humanidade para sempre. 

            Com o fim da Segunda Guerra e a derrota da Alemanha, as quatro potências vencedoras, Estados Unidos, União Soviética, Reino Unido e França buscaram responsabilizar e punir líderes políticos nazistas responsáveis direto pelo genocídio, criando um Tribunal Militar Internacional, que ficou conhecido como o Julgamento de Nurenberg[3], que ocorreu entre 20 de novembro de 1945 e 1º de outubro de 1946, onde 12 líderes nazistas alemães foram condenados à morte. Posteriormente, foram julgados os Processos de Guerra de Nuremberg, no período entre 1946 e 1949, em 12 outros tribunais militares. Esses processos referiam-se a 117 acusações por crimes de guerra contra outros membros da liderança nazista, servidores do Estado que operaram a “máquina” do Holocausto. Muitos funcionários alemães fugiram com medo do julgamento.

            Um deles foi Karl Adolf Eichmann, responsável por ocupar funções na Seção de Assuntos Judaicos do Departamento de Segurança de Berlim e um dos principais colaboradores operacionais de Adolph Hitler. Sendo acusado pela morte de inúmeros judeus, fugiu para a Argentina, foi encontrado e levado para Jerusalém em 1960, onde foi julgado e condenado à morte. Hannah Arendt foi convidada para assistir o julgamento e escrever suas impressões sobre esse indivíduo. Foi a partir deste episódio que ela desenvolveu o conceito da banalidade do mal, registrando suas reflexão no livro “Eichmann em Jerusalém”.

            Ao acompanhar o julgamento do Eichmann, ela faz considerações que chocou e provocou grande revolta na comunidade acadêmica. Na sua análise, ela observou que esperava, como muitos outros, encontrar um homem demoníaco, um “monstro”, um psicopata responsável por transportar como gado milhares de judeus para os campos de concentração onde foram cruelmente exterminados. Mas não, segundo suas conclusões ao longo do julgamento, Eichmann se revelou um burocrata cumpridor de ordens num regime totalitário, um indivíduo comum e medíocre. Este se declarou inocente, um funcionário do Estado competente e que só cumpriu a lei. Em sua defesa, declarou que não deveria ser condenado, e sim condecorado, pois não matou ninguém, apenas cumpriu sua função com esmero e perfeição.

            Sob um viés filosófico de pensamento e moralidade, Hannah Arendt concluiu que Eichmann era culpado pelos seus atos sim, não por se tratar de um monstro, mas por ser justamente uma pessoa comum, que parou de raciocinar, se desconectou da realidade, não deliberou sobre seus atos e consequências, que achava que receber ordens o eximia de suas responsabilidades.  Arendt constatou que Eichmann praticou não um ato perverso de maldade e sim um mal banal, realizado por um indivíduo de massa que, segundo a autora, é incapaz de pensamento crítico e que vivia apenas para trabalhar e consumir.

            Ao longa do seu livro, a autora apresenta Eichmann como sendo a metáfora da figura do indivíduo de massa, identificado na modernidade, e a relacionou com prática do mal banal. Com a construção do termo “banalidade do mal”, Arendt quer, em linhas gerais, afirmar a perda da capacidade de pensar. A tese da autora é de que Eichmann e muitos dos que participaram dos eventos totalitários não eram necessariamente maus, apenas não conseguiam pensar de forma crítica os acontecimentos em que estavam inseridos, por serem indivíduos de massa.

            Considerando o cenário descrito, abstraio o conceito para tentar entender as manifestação ocorridas ao longo de anos no cenário eleitoral brasileiro, que culminou com as manifestação de 08 de janeiro de 2023, na capital do Brasil. Atos de vandalismo sem precedentes, onde centenas de pessoas inconformadas com o resultado das urnas, mas sem apresentar uma explicação plausível para a fraude eleitoral, depredaram de forma violenta e descontrolada o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, com a conivência do Governo do Distrito Federal e de diversos segmentos da Polícia Civil e Militar, que estavam lá com a ordem de impedi-los. 

            Após o resultado das Eleições do segundo turno de uma disputa extremamente acirrada, com a vitória do atual Presidente Luíz Inácio Lula da Silva, em 30 de outubro de 2022, com 52% dos votos válidos, parte mais exaltada dos eleitores de ex-Presidente Jair Messias Bolsonaro mobilizados por grupos de rede social, começou a alegar fraude e passaram a se reunir em frente aos quartéis brasileiros, implorando para que as Forças Armadas investigassem, fechassem o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional e dessem um Golpe Militar. 

            Diante da constatação da lisura do processo, os bolsonaristas fanáticos se recusaram a aceitar o processo democrático, mantiveram-se em acampamentos diante de quartéis em diversos Estados, com maior concentração em Brasília. Lá, financiados por segmentos de classe que apoiam historicamente um governo neoliberal e de extrema direita, permaneceram por semanas, dormindo e comendo em barracas. Enchiam-se de esperança a partir de boatos sistemáticos, incentivados também pelo silêncio do Bolsonaro, recluso desde a derrota eleitoral, além da inércia das Forças Armadas. Tomaram sol e chuva ao longo de semanas, se ajoelharam, pediram a intercessão de Deus, clamaram por ajuda extraterrestre e protagonizaram cenas de delírio coletivo patéticas de protestos e súplicas, que infelizmente fazem agora parte da história do Brasil. 

            Finalmente, a partir de uma ação contundente do Poder Executivo e do Supremo Tribunal Federal, após os atos nefastos no Congresso Nacional e STF, os manifestantes foram devidamente presos e enquadrados, enquanto Bolsonaro mantinha silêncio nos Estados Unidos, pra onde partiu nos últimos dias de seu governo, recusando-se a passar a faixa presidencial para o novo presidente.  

            A questão mais controversa aqui é como pessoas aparentemente esclarecidas acreditaram cegamente em notícias falsas, sendo que quando enfrentadas com fatos reagiram não com argumentos, mas sim com violência, apoiaram um político que era contra políticas sociais para os menos favorecidos, era racista, xenofóbico, sexista e homofóbico declarado, mesmo fazendo parte destes grupos atacados? Como puderam perder emprego, amigos e família, mesmo diante da evidência de um homem que nunca frequentou uma igreja, nunca foi patriota ou valorizou qualquer família, baseado apenas em discursos vazios e um governo inepto, bizarro e também genocida?  Hannah Arendt oferece pistas.

Bibliografia

ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: Um relato sobre a banalidade do mal. 17ª reimpressão, São Paulo: Companhia das letras, 1999.

REES, Laurence. O Holocausto: uma nova história. 1ed.São Paulo: Vestígio, 2018.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Julgamentos_de_Nuremberga#:~:text=…%22.-,Acusados%20e%20suas%20penas,e%20Hjalmar%20Schacht%20foram%20absolvidos.&text=Comandante%20da%20Luftwaffe%2C%20Presidente%20do%20Reichstag%20e%20Ministro%20da%20Pr%C3%BAssia.

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[1] Hannah Arendt, nascida na Alemanha, de origem judia, em 14 de outubro de 1906, Hannah Arendt foi uma filósofa e teórica política de origem judaica. Foi uma grande pensadora do século XX, falecendo em 1975.

[2] Jessé José Freire de Souza é um sociólogo escritor e pesquisador brasileiro que atua nas áreas de Teoria Social, pensamento social brasileiro e de estudos teórico-empíricos sobre a desigualdade e as classes sociais no Brasil contemporâneo. Dentre os seus livros destacamos A Ralé Brasileira, A Radiografia do Golpe, A Elite do Atraso e A Classe Média no Espelho.

[3] REES, Laurence. O Holocausto: uma nova história. 1ed.São Paulo: Vestígio, 2018.

[4] https://pt.wikipedia.org/wiki/Julgamentos_de_Nuremberga#:~:text=…%22.-,Acusados%20e%20suas%20penas,e%20Hjalmar%20Schacht%20foram%20absolvidos.&text=Comandante%20da%20Luftwaffe%2C%20Presidente%20do%20Reichstag%20e%20Ministro%20da%20Pr%C3%BAssia.

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