

A atriz brasileira Fernanda Torres ganhou, merecidamente, em 05 de janeiro de 2025, o Prêmio Globo de Ouro[1] de melhor atriz em Filme Dramático por sua atuação em “Ainda Estou Aqui”, dirigido por Walter Salles. Trouxe notoriedade para o Brasil e para um período tão nefasto e sombrio para o país que foi a Ditadura Militar, que durou mais de vinte anos, instalada no Brasil a partir do Golpe Militar ocorrido em 1964.
A belíssima obra cinematográfica, que foi baseada no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva (2015), conta a história da família Paiva, mais especificamente da matriarca Eunice, partindo do olhar do único filho homem. A narrativa, marcada pelo contexto da Ditadura Militar e do desaparecimento e morte do pai, empresário e Deputado Rubens Paiva, vai até o tempo presente, onde o personagem-narrador, já adulto, cuida da mãe, hoje acometida com Alzheimer. A história aborda como a família do narrador passa a ser vigiada e perseguida, até que o pai é levado para o interrogatório e não retorna mais. A partir daí, o destaque da narrativa é de como a mãe se empenhou para manter a família bem, mesmo em condições precárias, até, após 20 anos, conseguir o reconhecimento da morte do seu marido.
O contexto da obra apresenta o Brasil durante o período anterior, durante e pós-Ditadura Militar. No entanto, a maior ênfase se dá ao momento do regime político em questão. No relato anterior à Ditadura, relata-se um Brasil efervescente politicamente, movido por muitas reivindicações sindicais. Nesse momento, João Goulart, o Jango, é eleito, em 1961, o que acelera o processo de golpe de Estado.
Durante o estabelecimento e permanência do regime militar, o país passou um período de grande censura e repressão política, justificadas pelo governo como medidas para conter a ordem e a democracia. A princípio, a promessa era de que a posse do poder seria temporária, no entanto o regime permaneceu por mais de 20 anos, até 1985, marcando grande parte da população devido ao medo, à repressão, à tortura, ao exílio e ao sumiço de pessoas que eram consideradas comunistas ou aliadas, mesmo sem a existência de provas.
Para o referido período ser elucidado e nunca esquecido, foi criada no Brasil a Comissão Nacional da Verdade (CNV), mediante a Lei 12.528/2011. Instituída em 16 de maio de 2012, teve como objetivo apurar crimes cometidos durante a ditadura militar. O relatório final da CNV apresentou uma lista de quase 400 pessoas que violaram os direitos humanos, recomendando a responsabilização criminal, civil e administrativa de 196 delas. O relatório também comprovou a prática sistemática de detenções ilegais e arbitrárias, tortura, execuções, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres[2].
Prega o artigo 59 da Declaração Universal dos Direitos Humanos[3], assinada pelo Brasil: ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.
Em vinte anos de Regime Militar, este princípio foi ignorado pelas autoridades brasileiras. Pesquisas revelaram quase uma centena de modos diferentes de tortura, mediante agressão física, pressão psicológica e utilização dos mais variados instrumentos, aplicados aos presos políticos brasileiros. Homens, mulheres e até crianças foram submetidos à flagelos inimagináveis. A documentação processual recolhida revela com riqueza de detalhes essa ação criminosa exercida sob o poder do Estado[4].
Um período de Ditadura não pode ser esquecido. E muito menos enaltecido. Infelizmente, durante o governo do Presidente Jair Messias Bolsonaro (2018 a 2022), chegamos a ver a Ditadura ser exaltada enquanto processo político, ao ponto de ser comemorado oficialmente o dia em que o Golpe foi dado, sendo um período de torturas e práticas desumanas quase poeticamente tratado. Os bolsonaristas, ontem e hoje, ignorantes e inconsequentes, clamam por outro Golpe Militar[5], como se fosse um pedido de socorro pela justiça, pela ordem e pela paz. Porém, o que a história nos conta é que além de ter sido um período de violação e terror, deixou o Brasil falido, endividado e com profundas desigualdades sociais. O Brasil ainda flerta perigosamente com o fascismo e com outra ditadura. Mas só acontecerá se esquecermos toda a dor e insegurança que o período representou. Por isso, viva a arte e viva a Democracia!
Referências:
ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO — “Brasil: Nunca Mais”. Petrópolis, Vozes, 1985.
PAIVA, Marcelo Rubens. 1ª ed. Editora Alfaguara, 2015.
[1] Os Prêmios Globo de Ouro, do inglês, Golden Globe Awards, são premiações anualmente entregues desde 1944 pela Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood aos melhores profissionais do cinema/televisão no mundo. A premiação é reconhecida como uma das maiores honras que um profissional dessas indústrias possa receber, sendo o maior prémio da crítica, já que o Óscar e o Emmy são prêmios atribuídos através da avaliação dos respectivos pares. https://pt.wikipedia.org/wiki/Premios_Globo_de_Ouro
[2] Ao longo de suas atividades, de maio de 2012 a dezembro de 2014, a Comissão Nacional da Verdade recebeu a colaboração de cidadãos e instituições que enviaram documentos, forneceram informações e organizaram audiências e outros eventos, sintetizados em um relatório. https://cnv.memoriasreveladas.gov.br/
[3] Disponível no site: https://institutolegado.org/blog/declaracao-universal-dos-direitos-humanos-integra/?gad_source=1&gclid=Cj0KCQiAvvO7BhC-ARIsAGFyToU249zzIjDiXnt0qFkT4nH7Mz7s5moFsf3aKKjvilJVy0bMPKO_sosaAvidEALw_wcB
[4] ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO — “Brasil: Nunca Mais”. Petrópolis, Vozes, 1985.
[5] A premiação do Globo de Ouro foi imensamente oportuna, pois rememora-se o que ocorreu no Brasil no dia 08.01.2023, quando uma manifestação violenta e sem precedentes vandalizou os prédios do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e da Presidência da República, clamando por um Golpe Militar.