EnglishFrenchGermanItalianPortugueseSpanish
EnglishFrenchGermanItalianPortugueseSpanish

A liberdade é frágil, a democracia um fino cristal.

A liberdade é frágil, a democracia um fino cristal.

Estes tempos conturbados fazem-me refletir.

Como sabemos o cristal só se parte uma vez, e, uma vez partido, assim permanece, não é como o metal que pode ser soldado, ou a madeira que pode ser colada, ou ainda como tantos outros materiais, como a pedra, que, ainda quando partida, mantêm-se quase sempre. O cristal não cola, não solda, e não se mantém uma vez partido, passa a cacos. E, naquele ponto, só parte uma vez, e uma vez partido, partido fica.

A liberdade é um bem tão desejável que sua supressão é a principal ameaça àqueles que transgridam. A prisão, o encarceramento, está em maioria entre as penas que amedrontam o Homem, que, se mantém o respeito aos com quem convive, é por pavor de perder, com o desrespeito ou a transgressão, sua liberdade, este bem invisível para quem a tem, e que é tão esmagadoramente angustiante para quem a perde, seja como for, e por que tempo for, por isso, desse modo, restringe-se a acatar às Leis.

No entanto esse fabuloso edifício social constituído pelo Direito e demais ciências do ramo, que aparentemente é tão sólido como as paredes de uma prisão, está construído no vento, no vento envolvente da sociedade que o regula e regulamenta, e que tão fortemente o abrace, ou não, e tão depressa é ordem, como tumulto, é paz, como pode ser guerra, é progresso, como pode ser atraso. Sua estrutura ao vento é de cristal, também transparente como o vento, e, numa certa perspectiva, invisível como este, e friável, mutante, pouco sustentável, frágil mais que tudo. Porque frágeis são suas fundações, as quais chamamos liberdade.

Muita gente que dá por garantidas suas conquistas, esquece-se quão facilmente se pode tudo reverter. E faz por experimentar caminhos políticos novos (Velhos como o Mundo que eles são.) gentes que se cansam daquilo que têm, do que foi conquistado com muita luta e derramamento de sangue, e que facilmente se entregam ao canto das sereias, idiotas que ao longo da História estiveram dispostos a experimentar, e outros maiores idiotas, que conhecendo no que deram estas experiências não democráticas, voltam a ser seduzidos por estes desvios propostos como A grande solução.

Todo edifício social construído sobre as bases do assombro, do constrangimento ou da submissão, tem muito mais força estrutural que os construídos no vento da democracia, e muitos mais foram aqueles ao longo da História, que seguiram modelos de força e constrangimento, quase como uma prosaica índole histórica determinada pelo reflexo do comportamento individual de poder, no colectivo, rejeitando o bem precioso que desejam e repudiam, a liberdade, ambicionando-a para si, ao custo da sua perda para o próximo (Assim existiram os mandarins, os reis, a nobreza e a escravidão para citar alguns destes edifícios sociais onde a liberdade não entrava.) numa torpeza descarada de privilégios para uns em detrimento do dos outros, conceitualizando valores e princípios, critérios e perspectivas que legitimassem suas posições e excluíssem as demais. E, magister dixit, estabeleceram- se dogmas das suas conveniências sem olhar o outro dissemelhantemente semelhante, para não lhes conferir direitos que pretendiam exclusivos seus. E criaram toda uma dialética confirmando uma gramática no Direito, nas instituições, e até no credo. Mundo de espelhos, sem autocrítica, e sem igualdade. E só há dignidade onde há igualdade. Todo privilégio é indigno e excludente!

Nesta palavra igualdade, qualidade não atribuível sem alguma perda, posto que ao se fazer corresponder o todo igualmente à todos, abrimos mão de alguns privilégios na equação, uma vez que somos desiguais. Esta palavra, esta qualidade, é a parte mais frágil da Liberdade, posto que de finíssimo e puríssimo cristal, e invisível em sua manifestação. Se atendida e efetivamente existente, é contraponto mister à Liberdade posto que sendo outra coisa é a mesma. NÃO PODE HAVER LIBERDADE PLENA SEM IGUALDADE. Exigência necessária. Ao mesmo tempo que é o desgosto esdrúxulo daqueles que a pretendem para si como privilégio. Verdade de casta. Miséria humana. Falsa noção de direitos inexistentes, mas que todos querem ter. E (Muito importante!) diminuição sistemática para aqueles que não entendem que estas gêmeas siamesas ou existem juntas e em igual proporção, em sua condição sine qua non, ou são falhas e falsas cada uma de per si. Por isso as adjetivaram, restringindo seu campo de ação, criando critérios, e relativizando sua universalidade.

Vocês podem ver bem a fragilidade que há em tudo isso, sua estrutura é muito friável e construída no éter, sua condição é instável e movediça à conta dos ventos nos quais, e com os quais, se move, e que só pode existir pelo elemento da vontade que a constitui, e que não é como o de uma qualquer outra construção, que uma vez realizada mantêm-se. A Liberdade, assim com o sistema que permite sua florescência, a Democracia, são como a santidade no dizer de Santo Agostinho: “A cada dia se renova.”, posto que se alguém é santo e não se mantêm em santidade, e se permite desvios, e a praticar injustiças ou maldades, pois deixa logo de ser santo. Por isso todos os dias há que renovar a santidade, como a democracia a cada dia deve ser estimada, como uma planta frágil em meio a um deserto, que deve ser protegida e regada para sobreviver.

Muitos cansam-se da morosidade e lentidão com que atua a Democracia, este imperfeito sistema que nos estressa com as exigências que propõe à nossa paciência, e pensam em abraçar outros sistemas aparentemente mais efetivos. Esquecendo-se que essa efetividade é momentânea, e que há um preço para tudo, e que as coisas ligeiras custam sempre mais porque demandam mais energia. A Democracia, ÚNICO SISTEMA QUE PODE GARANTIR A LIBERDADE, tem esta condição horrível de exigir paciência, confiança, e de que aceitemos seus avanços e recuos, adiantamentos e atrasos, mas que é o único sistema que nos garante equidade, este bem que nos pode garantir o que mais almejamos: LIBERDADE, a mais preciosa condição que todos desejamos.

Nunca esqueçam o ensinamento de Saint-Éxupery: “Tu deviens responsable pour toujours de ce que tu as apprivoisé”. Se queres ser livre cuida da Democracia.

(Imagem de capa: Domínio público, de Gerd Altmann por Pixabay)

Descarregar artigo em PDF:

Download PDF

Partilhar este artigo:

Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn
Share on email
Email

TAGS

LOGIN

REGISTAR

[wpuf_profile type="registration" id="5754"]