É no Neolítico Antigo, entre 5500-4500 a.C., que se dá uma revolução no estilo de vida das comunidades humanas. Abandonam progressivamente o nomadismo e a economia compatível com esse estilo de vida, assente na caça, na pesca e na recolecção, e desenvolvem uma estratégia de produção das suas próprias bases de subsistência, que as impele a sedentarizar-se num território fértil e circunscrito. Essa economia de produção começa por ser muito incipiente, mas já demonstra um conhecimento e usufruto dos recursos circundantes, dos ciclos da natureza, um certo domínio sobre cultivo e colheita e uma domesticação de animais para consumo e trabalho.
As razões que contribuíram para essa gradual alteração de comportamento podem ter por base as alterações climáticas, que transformaram o ambiente e o sustento que dele provinha, bem como o crescimento das populações, conduzindo a uma pressão crescente sobre os recursos naturais. Porém, este segundo argumento, apesar de bastante coerente com os dados existentes, trata-se de uma sugestão.
Independentemente dos motivos que possam estar verdadeiramente na origem deste “abrandamento”, a prova concreta de que o processo de sedentarização com base numa economia de produção agro-pastoril estava em curso nesta fase, são as análises polínicas feitas às camadas de solo arqueológico que demonstram a existência de pólenes de cereais cultivados por mão humana e também as análises bioquímicas realizadas aos ossos humanos das necrópoles desta época, que indicaram uma dieta baseada em vegetais. Também a detecção da decadência de certas espécies arbóreas a partir do V milénio a.C., sem relação a eventos de ordem natural, antes com origem provável nas técnicas de corte e queimada para criar espaços amplos para cultivo e para pasto, é um forte indicador.
É no Neolítico Médio, entre 4500-3750 a.C., que se verifica uma continuidade quanto ao tipo de implantação dos sítios ocupados, em comparação com épocas anteriores, e, por consequência, de um maior número de indícios deste novo estilo de vida progressivamente sedentário e dependente do território envolvente. É também nesta fase que se inicia o fenómeno megalítico, uma plena afirmação de recursos humanos e materiais, de força, desenvolvimento e estabilidade.
A preferência por determinados espaços com características geográficas específicas e orientadas para as práticas agrícolas e de pastoreio torna-se mais evidente neste período. Espaços abertos e regulares, solos arenosos e proximidade às linhas de água foram factores de grande importância.
A agricultura então incipiente do Neolítico Antigo e Médio, mas útil e produtiva, impeliu a uma melhoria das técnicas para cultivar e operar o território que se verificou no Neolítico Final (aprox. 3800 a.C. – 2800 a.C.), através de uma intensificação das actividades produtivas, de uma crescente utilização da força de tracção animal, sobretudo com bovídeos, da introdução do arado e do carro.
Os utensílios característicos da existência de culturas cerealíferas são as lâminas de contorno elipsoidal e de retoque cobridor, os furadores, as rochas anfibolíticas, as mós manuais, pois contêm indícios dessa prática tal como o brilho junto dos gumes, atribuído ao corte de gramíneas (“lustre do cereal).
Estes desenvolvimentos tecnológicos proporcionaram um crescimento demográfico e uma expansão da área para cultivo e pastorícia, mas também originaram a necessidade de defesa, dado que agora era possível armazenar e trocar quer os excedentes de produção, quer ferramentas. Era arriscado, mas também era útil contactar e criar alianças com comunidades de outras regiões, dado que possibilitava a permuta de bens essenciais ao quotidiano e a integração de novas ferramentas feitas de materiais mais duráveis ou resistentes (quando não existiam naturalmente em determinados espaços geográficos), fosse por via da troca ou da aprendizagem. Era um processo económico de cooperação e interesses que contribuía para um melhor desenvolvimento e produção.
Mas não eram apenas bens materiais que circulavam nesta fase do Neolítico final, eram também recursos humanos com especializações técnicas, como os artificies, conforme é indicado pela existência de dois exemplares de placas de xisto funerárias, uma recolhida num dólmen de Huelva, outra oriunda de Chelas, junto de Lisboa, análogas em termos de execução e decoração. Também pode ser o caso da sua proveniência ser a mesma oficina.
É, talvez, por estes motivos que no Neolítico final se verifica uma coexistência entre a ocupação de espaços menos acidentados com locais altos e defensáveis. Caso evidente no Alto Alentejo e Estremadura, por exemplo.
A este novo quotidiano que se começa a afirmar no Neolítico médio e tem continuidade no Neolítico Final estão associadas peças e utensílios característicos.
O espólio típico do Neolítico Médio são os sachos de pedra polida, a cerâmica lisa, sendo comum os esféricos e as taças decoradas apenas por um sulco situado logo abaixo do bordo e revestidos a almagre, algumas raras decorações que quando existem adoptam a forma de cordões plásticos e segmentados, os “mamilos” e matrizes impressas de reminiscência neolítica antiga e a fauna doméstica (ovídeos, caprídeos).
O espólio arqueológico típico do Neolítico final são os recipientes carenados, os vasos fechados e munidos de “mamilos” abaixo do bordo em aba, fauna doméstica (ovídeos, caprídeos, bovídeos), bordos denteados e algumas raras decorações impressas com motivos em “espiga” ou “falsa folha de acácia”, reminiscentes do Neolítico antigo evolucionado. As indústrias líticas típicas são a de pedra lascada, com recurso ao sílex, importado de regiões onde não existia naturalmente, tais como lâminas de contorno elipsoidal e de retoque cobridor e os furadores.
Outras elementos são os machados e rochas anfibolíticas, existentes em localizações geográficas onde não existia o recurso para as fazer, sendo claramente importadas do Alto Alentejo, provavelmente dos afloramentos localizados entre Montemor-o-Novo e Abrantes. Os elementos de adorno como as contas de mineral verde, a variscite, também se encontram nos locais ocupados por estas comunidades, mas não eram fabricados por elas uma vez que a fonte desta matéria-prima mais próxima do local onde foram encontradas, na Estremadura, está na região de Encinasola, em Huelva.
Quanto a estruturas salientam-se as duas estruturas de combustão sob o monumento funerário nº7 de Alcalar, em Portimão, construído através do reaproveitamento de mós manuais e datado do V milénio a.C., no Neolítico médio. Do Neolítico final, podem indicar-se duas cabanas, uma fossa e uma fossa-forno, em Ameal – VI, Oliveira do Conde.
Há também outros indicadores culturais deste estilo de vida já do Neolítico Final, como o são insculturas ao ar livre de bucrâneos, arados e carros, no santuário exterior do Escoural, em Montemor-o-Novo. É por esta altura que se verifica um maior desenvolvimento de práticas mágicas e religiosas associadas às componentes essenciais deste novo estilo de vida, como a fertilidade das terras e dos animais, dos quais agora dependia a espécie humana. Prova deste acepção são as insculturas atrás referidas e duas esculturas em barro, provavelmente representando suídeos, com proeminência nos genitais, recolhidas no povoado de Leceia, em Oeiras.
Quanto aos sítios arqueológicos de maior interesse para o Neolítico Médio, no Alentejo, podem indicar-se os povoados de Pipas e da Quinta da Fidalga, em Reguengos de Monsaraz, e para o Neolítico final, o povoado de Marco dos Albardeiros e do Outeiro das Carapinhas, o sítio arqueológico da Torre do Esporão 3 e Areias 15, em Reguengos de Monsaraz, o povoado do Cabeço da Mina, em Torrão, implantado em local alto e defensável, o Vale Pincel 2, em Sines, o povoado de S. Jorge, em Vila Verde de Ficalho (Serpa), e o povoado do Moinho de Mourão de Valadares 1, em Mourão.
A Norte do Tejo, em geral para o Neolítico Médio não se encontram estruturas de carácter habitacional não, mas funerário sim, porém no Neolítico final já sucedem tal como ficou verificado em Ameal VI (Carregal do Sal, Oliveira do Conde), e nos substratos do Castelo de Aguiar, e no Barrocal Alto 1, em Murganho 2, em Nelas, na Quinta Nova e Mimosal, no Carregal do Sal, com datação de ocupação para a segunda metade do IV milénio e início do seguinte.
Quanto à Estremadura, para o Neolítco final podem indicar-se a gruta do Carvalhal, em Alcobaça, o Moinho da Fonte do Sol e o Alto de São Francisco, perto de Palmela, o povoado de Parede, em Cascais, e o mais icónico, o povoado de Leceia, em Oeiras.
No Algarve o povoado do Neolítico médio com uma economia mista, é o concheiro do Pontal (3909-3640 a.C.), e um sítio arqueológico datado do Neolítico final é Caramujeira, no litoral, em Lagoa.
Apesar de se falar em ocupação e sedentarismo, é necessário esclarecer que foi um processo progressivo e não linear. Apesar de ser seguro dizer que nos finais do IV milénio a.C., todo o território português se encontrava ocupado por comunidades vinculadas a territórios circunscritos, praticando uma economia mista de subsistência e produção, de base agro-pastoril, a sua fixação permanente só acontece no decorrer do período Calcolítico.
CARDOSO, João Luís – Pré-História de Portugal. Documento PDF. Manual de Pré e Proto História. 1º ciclo de estudos em História. Acessível na Plataforma de E-Learning da Universidade Aberta.



