A inovação social tem ganhado crescente atenção como instrumento de regeneração territorial e coesão social, especialmente em contextos de abandono estrutural. Em um momento histórico no qual extensas áreas periféricas são afetadas por despovoamento, perda de serviços essenciais e invisibilidade política, torna-se urgente repensar modelos de desenvolvimento que transcendam a competição por recursos escassos. O conceito de “Oceano Azul”, originalmente formulado por Kim e Mauborgne (2024) no contexto empresarial, ganha aqui um novo nicho ao ser transposto para o domínio da inovação social: ao invés de competir por atenção institucional ou investimentos limitados, propõe-se a criação de novos espaços de dignidade, futuro e valor compartilhado. Esta mudança de paradigma obriga-nos a deixar de ver os territórios abandonados como vazios e a reconhecê-los como palcos potenciais de inovação territorial, cultural e política.
Os autores do conceito de Oceano Azul defendem que a chave estratégica não está em superar o concorrente, mas em tornar a concorrência irrelevante por meio da criação de novos mercados, produtos e práticas de valor inédito. Adaptada à esfera social, esta abordagem tem sido reinterpretada por pesquisadores e gestores públicos como uma ferramenta de transformação sistémica em territórios negligenciados. Marroni (2025), por exemplo, mostra como zonas da costa mediterrânea italiana utilizaram esta lógica para construir clusters de inovação baseados na economia azul, integrando turismo sustentável, pesca artesanal e capacitação digital. Estas experiências demonstram que é possível ativar ecossistemas de inovação fora dos centros tradicionais, desde que se priorize o conhecimento local e invista-se em processos colaborativos de co-design.
A literatura recente em inovação social converge na ênfase à co-criação e à transformação sistémica como elementos centrais para soluções eficazes e duradouras (Domanski et al., 2024; Mulgan, 2024). Isto significa que não basta inovar de maneira pontual; é necessário construir redes híbridas capazes de conectar saberes locais, financiamento público e competências técnicas, numa lógica distribuída e democrática. No contexto europeu, iniciativas como os “Laboratórios de Território” e as “Smart Villages” têm demonstrado esta capacidade de articulação. Kyvelou et al. (2025) analisam como regiões costeiras da Grécia, historicamente marginalizadas, têm utilizado a herança marítima como catalisadora de processos educativos, culturais e económicos, com forte apoio de programas como o Horizon Europe. Estes exemplos evidenciam que o potencial de regeneração está menos na infraestrutura física e mais na ativação social e simbólica dos territórios.
Entretanto, transformar abandono em oportunidade requer mais do que boas ideias — exige políticas públicas integradas, mecanismos financeiros orientados ao impacto e coragem institucional para experimentar. A Comissão Europeia (2025) posiciona a inovação social como uma das principais ferramentas para regenerar áreas rurais, insulares e de montanha, destacando a importância de processos participativos, valorização da juventude e uso inteligente da tecnologia. Segundo Oliveira e Seixas (2024), os territórios abandonados não sofrem apenas de carência material, mas de descontinuidade política: eles desaparecem das prioridades dos governos, dos mapas de investimento e da memória coletiva. Inverter este processo exige escuta ativa, paciência estratégica e disposição para construir confiança institucional com as comunidades locais.
O papel da juventude, neste processo, não pode ser subestimado. A UNESCO (2024) enfatiza que políticas educativas alinhadas aos contextos e aspirações locais são essenciais para reverter a desertificação humana. Iniciativas como o programa “Escolas Criativas Rurais”, documentado por Mulgan (2024), mostram como jovens podem ser protagonistas na regeneração territorial quando envolvidos em processos de inovação contextualizada. Da mesma forma, Baez (2025) argumenta que currículos escolares ancorados em design thinking, economia azul e empreendedorismo comunitário têm o poder de reconectar os jovens às suas origens e simultaneamente aos circuitos globais de inovação. A educação, portanto, deixa de ser apenas uma ferramenta de ascensão social individual e passa a ser uma infraestrutura estratégica para a revitalização coletiva.
Criar valor onde antes havia estagnação procura também novos instrumentos financeiros. A lógica tradicional de financiamento, baseada no retorno económico direto, tende a excluir territórios de baixa densidade e elevado risco social. Por isso, Marques e Batista (2025) propõem uma abordagem baseada em parcerias público-comunitárias e instrumentos como os social impact bonds, que valorizam o retorno social como critério de avaliação. Essa perspetiva é reforçada por Wang et al. (2025), que exploram a convergência entre as economias azul e verde para a geração de valor compartilhado, demonstrando como políticas ambientais e sociais integradas podem resultar em ganhos sustentáveis e legitimidade democrática.
A análise de casos empíricos recentes reforça a aplicabilidade e a viabilidade desta abordagem. O projeto “Vales do Futuro”, em Portugal, tem utilizado blockchain para garantir rastreabilidade e justiça de preço a produtos locais, conectando consumidores urbanos a produtores rurais com base em confiança digital (Fundação Calouste Gulbenkian, 2025). Na Espanha, o programa “Rural Hackers” conecta jovens programadores a aldeias isoladas, promovendo oficinas de inovação digital que produzem soluções com impacto direto na vida comunitária. Já as “Smart Islands”, na Grécia, integram energia renovável, agricultura regenerativa e turismo sustentável, articulando gestão multinível e participação cidadã ativa (Kyvelou et al., 2025). Estes exemplos partilham uma lógica comum: a regeneração territorial como um processo de reconexão — entre pessoas, natureza, saberes e tecnologias.
Importa ressaltar que tais iniciativas não devem ser romantizadas. O risco da instrumentalização da inovação social como retórica vazia ou solução técnica para problemas estruturais é real. Como observa Avlijaš (2024), muitas vezes as políticas de inovação social são apropriadas por agendas neoliberais que visam à redução do papel do Estado, transferindo responsabilidades públicas às comunidades sem garantir os meios adequados. Por isso, defender a inovação social como estratégia de regeneração exige também vigilância crítica: é necessário assegurar que os processos sejam realmente participativos, que os benefícios sejam equitativamente distribuídos e que a autonomia local seja respeitada e fortalecida.
Nesse sentido, o conceito de Oceano Azul ganha um contorno ético e político. Ele deixa de ser apenas uma estratégia de diferenciação e passa a ser um horizonte civilizacional: criar futuro onde o mapa institucional diz “vazio”; reconhecer a humanidade onde a cartografia do capital vê apenas custos. A verdadeira inovação não está em algoritmos ou plataformas, mas na capacidade de imaginar o inédito a partir da escuta do presente. A regeneração territorial, portanto, é antes de tudo um projeto cultural — uma disputa simbólica sobre o que merece ser preservado, reimaginado e cultivado. É neste ponto que a inovação social se encontra com a política no sentido mais nobre do termo: o de reorganizar o mundo comum de maneira justa, bela e sustentável.
Referências Bibliográficas
Avlijaš, S. (2024). Social innovations in and with the welfare state. Projeto WELAR, Deliverable D7.4, EU Horizon Europe.
Baez, S. K. (2025). Harnessing diversity for sustainable ocean futures. Frontiers in Ocean Sustainability, 4, 1557056. https://doi.org/10.3389/focsu.2025.1557056
Comissão Europeia. (2025). Long-Term Vision for EU Rural Areas: Implementation Report. Brussels: Directorate-General for Regional and Urban Policy.
Domanski, D., Howaldt, J., & Kaletka, C. (2024). Social Innovation: Comparative Perspectives. Springer Nature.
Fundação Calouste Gulbenkian. (2025). Iniciativas de Inovação em Territórios Rurais. Lisboa: FCG.
Kim, W. C., & Mauborgne, R. (2024). Beyond Competition: Blue Ocean Strategy in Public and Social Sectors. Harvard Business Review, 102(3), 114–123.
Kyvelou, S. S., Marava, N., & Ierapetritis, D. G. (2025). Leveraging Maritime Cultural Heritage to Drive Smart Specialization. Heritage, 8(6), 192. https://www.mdpi.com/2571-9408/8/6/192
Marroni, F. (2025). Emerging Factors in Blue Economy Business Cases. Economia Aziendale Online, 13(4), 87–101. http://riviste.paviauniversitypress.it/index.php/ea/article/view/2362
Marques, F., & Batista, P. (2025). Ecossistemas híbridos em territórios de baixa densidade. Cadernos de Desenvolvimento Local, 19(1), 15–38.
Mulgan, G. (2024). The Future of Social Innovation: From Experiments to Systems Change. Springer Nature.
Oliveira, R., & Seixas, J. (2024). Desafios do Interior Profundo: Política e Território. Celta Editora.
UNESCO. (2024). Reimagining Education for Rural Futures. Paris: UNESCO Publishing.
Wang, L., Xuemei, L., & Zhou, S. (2025). Analysis of research fronts in marine economy and management. Marine Economics and Management. https://www.emerald.com/insight/content/doi/10.1108/maem-03-2025-0006



