Envelhecer é das poucas certezas partilhadas por todos os seres humanos. Talvez por isso o tempo cronológico suscite tanta paixão e discussão, desde a filosofia à ciência, e da teologia às artes. Mas ainda mais interessante são os mistérios associados ao tempo psicológico. Um dos mais curiosos enigmas é a aceleração da perceção do tempo com a idade.
A perceção de aceleração o tempo é um fenómeno comumente aceite. Tome-se um exemplo adequado ao período de férias que se avizinha. Aproveitando o Verão, uma família usufrui de uma tarde na praia. A experiência pode ser muito distinta no que concerne a passagem do tempo: enquanto os filhos adolescentes protestam que a tarde parece não ter fim, os avós surpreendem-se com a rapidez com que se esgotou o momento, e os pais intentam negociar os vários interesses, projetando que no dia seguinte se deva permanecer na praia mais – ou menos – uma hora do que o dia que acabou.
A perceção do tempo não depende apenas da idade cronológica da pessoa. Em 1975 o psicólogo húngaro Mihaly Csikszentmihalyi, conhecido pelos trabalhos sobre felicidade e criatividade, definiu o conceito de flow como um estado mental de intenso envolvimento e imersão numa atividade, em que a perceção do espaço e do tempo se distorcem de tal modo, que a pessoa perde a noção de onde está e do tempo que demora a executar a atividade. O estado de flow surge quando as tarefas são altamente exigentes, e são condicentes com as capacidades de quem as executa.
A perceção do tempo da família na praia vai ser influenciada pelo envolvimento em tarefas de lazer, e correspondentes emoções e sentimentos experienciados. Assim, se os jovens se entreterem a jogar ou a surfar, é de esperar que não protestem pela eternidade de uma tarde na praia. E nem tampouco haverá comentários por parte dos avós se, por entre banhos e passeios pelo areal, se deixarem embalar em conversas com amigos e familiares. No final de uma tarde de ócio com atividades, os pais não precisarão refletir sobre os planos para o dia seguinte, e ao invés concluirão “que tarde de praia bem passada!”.
Independentemente do efeito moderador das atividades, o tempo parece passar mais depressa à medida que se envelhece. Esta foi a hipótese confirmada num estudo publicado em 2005 por dois investigadores da Ludwig Maximilian University de Munique, realizado com 499 pessoas com idades dos 14 aos 94 anos. Entre os vários resultados interessantes, Wittmann e Lenhoff reportam que as diferenças de perceção apenas existem para períodos longos de tempo (décadas), mas que para períodos inferiores (dias, semanas ou meses), não existem diferenças entre o mais jovens e os mais velhos no que respeita a perceção de aceleração do tempo.
Esta e outras pesquisas apontam para vários mecanismos que ajudam a explicar o fenómeno, sem todavia haver uma única explicação simples para a distorção de perceção do tempo. Um dos elementos explicativos remete para a já mencionada vida ativa. Os jovens, por norma, ainda não embarcaram numa cadência profissional pejada de responsabilidades e projetos, o que os leva a perceber o tempo como passando mais devagar. Depois, entre as décadas de 20 a 60, a atividade profissional e a construção de uma carreira e de uma família tomam conta do indivíduo, preenchendo a sua vida com uma espécie de estado de flow de baixa intensidade, e tendo por efeito a sensação que o tempo acelera. O ritmo percebido deste efeito aumenta até à década de 50, segundo o obtido por Wittmann e Lenhoff, mas depois mantem-se estável.
Ao se retirarem da atividade profissional, e condizendo com uma desaceleração generalizada do ritmo de vida, seria de esperar que os seniores voltassem a perceber o tempo como passando mais lentamente, mas tal não sucede: eles continuam a perceber o tempo vivido como passando mais rápido do que quando eram mais novos. Aqui entram em jogo mecanismos cognitivos relacionados com a estimação temporal do passado, do presente, e do futuro.
Quando estimulados a refletir sobre o tempo, os mais velhos usam provavelmente o mecanismo da estimação retrospetiva do tempo, assente nas memórias e nas experiências efetivamente vividas, e que fornecem a sensação do tempo passado preenchido com atividades e emoções e sentimentos associados. Ora, como se viu, quando o tempo é recheado com atividades, não se dá pela sua passagem.
Os jovens, por contraponto, usarão possivelmente o mecanismo da estimação prospetiva. Aqui a atenção é focada sobretudo na passagem do tempo, e não nas experiências anteriores e memórias e emoções associadas, que de qualquer modo ainda são escassas nos jovens. A projeção do tempo futuro oferece quanto muito planos e projetos, mas não realidades concretas vividas. Por se estar focalizado na própria passagem do tempo, ao invés de no conteúdo que o preenche, advém a sensação de uma passagem lenta do tempo, tal como exposto no exemplo dos jovens desocupados na praia.
Relacionado com o anterior, está a explicação que associa o tempo futuro de vida, com a perceção do tempo passado. Os mais velhos percecionam futuros mais curtos, o que aumenta a pressão sentida pela passagem do tempo, e pode distorcer a estimação do mesmo. Os mais jovens, por outro lado, sentem que são imortais, tendo pela frente todo o tempo do mundo, e centrando-se mais uma vez na passagem do tempo, com os efeitos já mencionados.
Os leitores interessados poderão consultar outros modelos sobre o assunto, como a teoria matemática da proporcionalidade, o paradoxo de férias de Hammond, o modelo físico-mecânico de Bejan, as hipóteses que realçam as diferenças metabólicas ou estruturais do cérebro de acordo com a idade (e.g. experiência dos astronautas gémeos, conduzido pela NASA entre 2015 e 2016), ou os modelos socio-culturais que enfatizam a aceleração real do ritmo de mudança no último meio-século.
Do exposto, pode concluir-se que o tempo psicológico é um fenómeno influenciado por fatores múltiplos e interligados, e com impactos relevantes na felicidade, criatividade, e bem-estar, entre outros. Por isso, compreender a ciência do tempo psicológico, é contribuir para melhorar o tempo de todos: os mais novos, os menos novos, e todos os que se encontrem entre os dois grupos.
Referência: Wittmann, M. & Lenhoff, S. (2005). Age effects in perception of time. Psychological Reports, 97, pp. 921-935.
4 respostas
Por uma razão ou por outra, o tempo parece andar cada vez mais depressa. Talvez que isso tenha a ver com o esvaziamento do significado, mais do que com outras variáveis, nomeadamente a idade. Parabéns pelo artigo!
Quando há meses em conversa telefónica me perguntaste se andava com ideias de livros, mencionei-te motivação, mas o significado é algo que há muito me tem suscitado curiosidade. Talvez num próximo escreva sobre isso. Obrigado e boas férias, Fernando.
Parabéns Jorge! Sobre o significado conta comigo. Boas férias, com o tempo a passar devagar!
Boas férias!