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O Silêncio que Ensina

O Silêncio que Ensina

Escutar não é o mesmo que ouvir.
Numa era em que todos querem falar, quem escolhe ouvir ganha uma vantagem rara: presença, empatia e verdadeiro entendimento. Esta é uma reflexão sobre aquilo que o silêncio pode ensinar — a nós, aos nossos filhos e ao mundo.

No outro dia, enquanto recebia as notas do nosso filho, pensei apenas nos comentários sobre o seu comportamento e atitude na escola — naquela preocupação prática e silenciosa que qualquer educador carrega: a expectativa, a ansiedade de que a aprendizagem se revele em alguns números ou nos comentários dos professores. Quando entrei, e após uma conversa super interessante com a Diretora de Turma, houve um ponto que ficou a ecoar:
Ele fala muito. Sempre. Mas não ouve. E tem de tomar cuidado quando passar agora para o Sétimo Ano.”

Não era uma surpresa. Mas foi uma repetição. Algo que nós, eu e a Fátima, já lhe dissemos tantas vezes — talvez demasiadas — nas conversas entre o jantar e o sofá, entre o trânsito e os silêncios desconfortáveis que acompanham o crescer. Já lho dissemos de várias formas: é essencial ouvir para perceber o que os outros nos querem dizer. Só depois disso é que podemos responder com sentido. Só depois é que conseguimos contribuir, demonstrar o que sabemos ou — e isto é tão importante — perceber o que os outros sabem e que nós ainda não sabemos. É aí que mora o verdadeiro valor: acrescentar conhecimento ao outro e, ao mesmo tempo, deixar que o outro nos acrescente também.
Filho, muitas vezes é importante ouvir os outros para depois percebermos em que contexto é que nós vamos falar.”
Repetimo-lo com frequência. E talvez um dia ele o entenda não só como um conselho de pais, mas como uma chave para o mundo.

Há uma diferença fundamental entre escutar e ouvir. Escutar é captar sons. Ouvir é acolher sentidos. Quando escutamos, os ouvidos funcionam. Quando ouvimos, o coração acompanha. Escutar é estar presente fisicamente. Ouvir é estar presente emocionalmente. Esta não é apenas uma distinção linguística. É uma diferença profunda, abordada por pensadores, filósofos e educadores há décadas. E talvez, ao explicar-lhe isto, estejamos também a reaprender algo que o mundo moderno nos faz esquecer.

O filósofo alemão Martin Heidegger, em Ser e Tempo, fala da escuta (das Hören) como um estado de abertura para o ser. Escutar, para ele, não é passivo. É um modo de existir. Um estar atento ao mundo, ao outro, ao sentido oculto nas palavras e nos gestos. Heidegger afirma que a linguagem é a “morada do ser” — e ouvir com profundidade é abrir essa morada. Ao ouvir alguém verdadeiramente, não estamos apenas a captar uma mensagem — estamos a permitir que o outro seja, se revele, exista perante nós (Heidegger, 1962).

Talvez seja isso que queremos ensinar ao nosso filho — não apenas que fique calado para “ser bem-educado”, mas que compreenda que ouvir é uma forma de presença. Uma forma de ser com o outro. Outro filósofo, Emmanuel Lévinas, leva essa ideia mais longe. Para ele, ouvir é mais do que um exercício intelectual — é um ato ético. A responsabilidade começa quando reconhecemos o outro como outro. E essa responsabilidade manifesta-se quando escutamos, não para responder, mas para acolher.
Na prática, isso significa estar disponível. Significa dizer: “Eu escuto-te. Tu importas.” E quando ensinamos uma criança, um filho, a ouvir, não estamos apenas a dar-lhe uma ferramenta de comunicação. Estamos a mostrar-lhe como viver com o outro de forma justa, atenta, ética.

Simone Weil, filósofa e mística francesa, dizia algo profundamente tocante:
“A atenção, pura e desinteressada, é a forma mais rara e generosa de amor” (Weil, 1952).
Ouvir alguém com verdadeira atenção — sem querer corrigir, sem preparar uma resposta, sem esperar a nossa vez de falar — é, nas palavras de Weil, um ato de amor. Um gesto silencioso, mas pleno. Volto à cena da escola e penso: talvez a professora estivesse a pedir não apenas silêncio, mas atenção. Talvez quisesse que ele, mais do que parar de falar, aprendesse a amar o outro através da escuta.

Curiosamente, este ensinamento tão humano é também uma competência cada vez mais valorizada no mundo profissional. Na gestão moderna, saber ouvir é considerado uma das maiores qualidades de um líder eficaz. O mestre da administração Peter Drucker escreveu:
“O mais importante na comunicação é ouvir o que não foi dito” (Drucker, s.d.).
Ou seja, a verdadeira escuta vai além das palavras. Um bom gestor, tal como um bom pai ou um bom professor, precisa perceber o tom, a hesitação, a linguagem corporal, o silêncio. Porque é no que não se diz que muitas vezes se esconde o que mais importa.

Além disso, conceitos como a escuta ativa — promovidos em cursos de liderança, coaching e inteligência emocional — são exatamente isso: práticas para treinar a presença. Escuta ativa é: olhar nos olhos; não interromper; reformular o que o outro disse para garantir compreensão; demonstrar empatia; responder com contexto e respeito. O psicólogo Daniel Goleman, autor de Inteligência Emocional, reforça que os líderes mais eficazes são aqueles que sabem ouvir. São emocionalmente inteligentes. Eles não apenas escutam — compreendem com o coração, com o corpo, com o silêncio (Goleman, 1995).

É isso que nós tentamos ensinar-lhe. Não porque queremos que ele seja mais calado, mas porque queremos que ele ouça melhor. Queremos que saiba que ouvir é estratégico, é ético, é amoroso. E mais ainda: ouvir é um exercício que dura a vida toda. Falar é fácil. Escutar é possível. Mas ouvir — ouvir de verdade — é uma arte. Uma prática. Um esforço que exige tempo, humildade e presença.

E se um dia ele conseguir, numa sala de aula, num emprego, numa conversa de amor ou num conflito qualquer, parar e ouvir o que está mesmo a ser dito — então, talvez, teremos feito bem o nosso papel.

Referências:

  • Drucker, P. F. (s.d.). Quotation on communication. In Hearing what isn’t said.
  • Goleman, D. (1995). Emotional Intelligence. Bantam Books.
  • Heidegger, M. (1962). Being and Time (J. Macquarrie & E. Robinson, Trans.). SCM Press. (Obra original publicada em 1927)
  • Weil, S. (1952). Gravity and Grace. University of Nebraska Press.

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