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O que a verdade esconde

O que a verdade esconde

Desde que Camilo Nogueira em 1996 começasse uma série de trabalhos relativos à recuperação da memória coletiva da Galiza culminados com o seu livro “A memória da nación. O Reino da Gallaecia” em 2001 e posteriormente os importantíssimos trabalhos de Anselmo Lopez Carreira com “O reino medieval de Galicia” em 2005, Xosé António Lopez Teixeira “Arredor da conformación do reino de Galicia (711-910)” e Xoán Bernardez Vilar entre outros, temos manifesta a existência duma visão galega da História da Península com toda claridade.

Com os textos dos nossos historiadores podemos demonstrar o protagonismo do nosso País durante toda a etapa medieval e ainda reconhecer um silenciamento intencionado do nome da Galiza assim como a usurpação intencionada de factos, personagens, iniciativas, eventos e demais elementos históricos e historiográficos em benefício de Castela ou dum conceito muito exclusivista do hispânico e da Hispânia, sempre castelhana.

Centrando-nos muito concretamente na Idade Media, há do meu ponto de vista alguns elementos a comentar que quereria salientar para ajudar a botar abaixo certos conceitos e mitos que em nada se ajustam à realidade histórica e por isso em nada beneficiam à ideia duma Galiza existente na História da Hespéria.

Um dos elementos a comentar é a origem, identidade e surgimento da chamada “Littera visigothica”, usada na Europa medieval durante muitos séculos. Neste assunto, é que a Galiza tem algo a dizer. É este um tipo de grafia medieval que ocupa os documentos dos séculos da Alta Idade Média. Historicamente tem sido denominada de múltiplas formas para além de “visigothica”. Tem sido chamada de  “littera toletana”, ou “littera moçarábiga” ainda que todos os autores que estudam a ciência paleográfica concordem unanimemente em que nenhum desses nomes é correto.

O nome de “visigothica” não é correto, dizem, porque segundo eles as manifestações deste tipo de letra se dão no seu máximo esplendor após a chegada dos muçulmanos à Península, quando já o Reino Visigodo estava morto.

O nome de “moçarábiga” também não é correto, segundo eles, porque não foi entre os moçárabes cristãos andalusis onde nasceu, nem onde se desenvolveu com maior personalidade, sendo este povo utente de várias línguas romances particulares que se dão em chamar de “moçárabes”, cujas variantes, diversas e diferentes entre si, foram grafadas no seu dia com ortografia árabe. São as variantes linguísticas romances peninsulares escritas com carateres árabes e que são denominadas com o nome de “aljamiados”. Os textos latinos peninsulares eram escritos, no entanto, com grafia latina seguindo esta versão “visigothica” da que estamos a falar, embora com certas particularidades dependendo das regiões peninsulares, quer do norte cristão e os seus diferentes reinos, quer do sul andalusi e os seus diferentes moçárabes que nem sempre coincidiam com os territórios políticos que desde 1031 são denominados com o nome de Taifas e identificando-se como Reinos independentes andalusis de religião islâmica embora a maior parte da sua população fosse originariamente hispano-romana ou hispano-goda.

Outro dos nomes com os que tentou identificar este tipo de letra foi o de “littera toletana”. Este nome não teve muito sucesso como também não teve sucesso o denominá-la “littera hispânica”.

Estes nomes destinados a reconhecer este tipo de letra não atendem a uma realidade originariamente visigoda, pois não nasceu na Hispânia visigoda, nem moçarábiga, onde não foi comum, nem toledana, pois já levava sendo usado muito tempo antes da incorporação do Reino de Toledo ao mundo cristão, nem hispânica, já o que o seu uso gráfico não se cingiu única e exclusivamente ao mundo hispânico, pois foi partilhado por certas regiões da França mediterrânica.

No entanto, parece ser que o exemplar mais antigo conservado deste tipo de escritura, segundo nos informa o professor Anselmo Lopez Carreira, é a inscrição dotal de São Pedro de Rochas, cenóbio próximo à cidade galega de Ourense. O texto está datado no ano 611 segundo a cronologia da Era Hispânica, quer dizer, trinta e oito anos menos se o ajustamos ao cômputo pelo que nos regemos na atualidade que corresponderia ao 573 da nossa Era. Governava na Galiza o Rei suevo Miro e ainda faltavam doze anos para que a Galiza caísse nas mãos conquistadoras do Rei dos visigodos Leovigildo e parece, pelo texto, que era hábito usar este tipo de estética gráfica desde já  havia tempo.

Placa fundacional ou dotal do Mosteiro de São Pedro de Rochas

Seria, portanto um nome mais acaído para este tipo de grafia o de “littera gallaeca” ou “littera suévica”?

Reparemos em mais pormenores que têm menos a ver com a origem e mais a ver com a herança deste tipo de grafia:

Se visualizarmos a feição das letras deste tipo de escritura “visigóthica” (ou talvez galaica ou mesmo suévica) e repararmos na letra Z minúscula, poderemos comprovar um determinado traço:

Conjunto de letras que caraterizam a grafia mal chamada “visigothica”

A sua configuração é uma evolução da dseta grega z a qual daria origem com o tempo a conhecida letra que hoje denominados com o nome de cedilha ou zedilha e cujo nome é um diminutivo de “zeda” ou “zeta”.

Evolução da grafia que gera o C com cedilha ou zedilha

Na passagem da letra mal chamada visigoda para a letra carolina, nova grafia usada a partir do Reino Franco e dinastia carolíngia desde o século VIII e IX em adiante e adotado como grafia comum no resto da Europa durante os séculos XII e XIII, o Z com viseira acrescentaria ou hipertrofiaria o seu traçado até parecer um C com uma pequena virgulinha na sua base. Essa letra seria muito sucedida e de muito uso nas línguas da península ibérica e mesmo no ocitano e no francês (langue d’oil). Pensamos que ao Ç poderíamos atribuir-lhe uma origem galego-portuguesa por ser esta a primeira língua culta da Hespéria mesmo antes de que o castelhano fosse de uso comum, o qual segundo autores como Rodrigues Lapa, Eugênio Cosériu ou Carvalho Calero não deixaria de ser uma variante local estremeira do galaico oriental ou astur-leonês em contacto com falares e substrato basconço do oriente burgalês na  primitiva Castela.

O uso do zedilha ou cedilha acabou estendendo-se por todas as línguas da península e mesmo pelas línguas da antiga Gáula ou Gália, e ainda por outras mais longínquas como o albanês, turco, romeno, letão,etc…

É curioso como uma das grandes críticas que o isolacionismo linguístico galego faz do uso do NH e do LH é que estes dígrafos são estrangeiros, procedentes do ocitano. Não se diz que também o é o CH e no entanto não se discute o seu uso em galego (porque também se usa no castelhano!!!), mas a origem do Ç poderia-nos parecer galaica exportada a outras línguas. Não vi ainda nenhum isolacionista defender o seu uso para a língua dos galegos seguindo critérios parecidos.

Também é curioso que após o uso continuado desta grafia (Ç) em castelhano até o século XVIII, fosse deixada de usar nos textos galegos quando a R.A.E. (Real Academia Espanhola) publica em 1726 no seu “Diccionario de Autoridades” a norma pela qual é substituída pelo Z. Ainda assim alguns autores do XVIII e do XIX, como por exemplo a própria Rosália de Castro, utilizam o Ç nos seus textos levados pela  tradição e o costume ou bem por uma lúcida intuição, como é o caso da nossa poeta nacional por excelência. Infelizmente o seguidismo gráfico e o ensino em castelhano triunfaram, assim como uma legalidade que não permitia desvio no que diz respeito do supremacismo castelhanista, estando presente a dia hoje mais do que nunca.

O assunto das grafias, a sua origem, extensão, decadência e perda do seu uso habitual tem especial importância para o que queremos comunicar, já que nos descobre como um determinado modo de contar a história pode chegar a graus tão profundos. A narração dos factos, neste caso, no que diz respeita da origem dum elemento gráfico, apresenta-se-nos como um indício do pouco respeito que ainda a dia de hoje se tem sobre tudo aquilo que se diga galego. Como o conto é contado porque quem não fala de nós, mas por quem nos nega intencionalmente desde há séculos, acabamos afazendo-nos a ocuparmos um lugar que com certeza não nos corresponde. O nosso lugar está ocupado por quem historicamente nos negou o pão e o sal e devemos reivindicá-lo.

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