Percepções socioantropológicas sobre a violência doméstica numa cafeteria em Brasília.
Era uma sexta-feira qualquer de 2019 e meu whatsapp tocou.
– Olá! Marcio?
(Não reconheci o número mas pelo francês aportuguesado entendi de quem e do quê se tratava). Era a resposta de um e-mail que eu havia mandado dias antes.
– Oi, Olga* ! Podemos marcar?
– Claro! No Frans Café, pode ser?
Seria o encontro que mudaria muita coisa em mim. E mudou. Olga é antropológa e morou em 7 países com uma missão: estudar a violência doméstica em seu âmago.
No dia e hora combinados, estávamos absortos entre Mokas, Foucault e Beavouir. Fazia sol e eu fitava seus olhos azuis, que se espremiam por causa da luz solar que teimavam em atravessar o toldo do local.
Olga tem uma árdua missão: “recuperar” homens violentos. Esse verbo saiu da boca dela e eu engoli seco meu croissant: – Como assim, “recuperar” ?
Ela então me contou que lidera uma equipe multidisciplinar que trata a violência com terapia de regressão.
Sou ateu e meu primeiro impacto foi um mental “ah, pronto!”. Mas quis ouvi-la atentamente.
Ela diz que em cada sessão, homens deixam o consultório chorando feito crianças. Saem perdoando os pais e mães, alguma professora da pré-escola, enfim, eles visitam seus “ratos no porão”, como diz C. S. Lewis, e os afugenta.
Ela me perscrutava enquanto narrava seus feitos. Não esquecerei seus olhos e sua fala arrastada, forte mas terna, ciente que estava num ramo de poucas aprovações. Pedimos a conta. Ela ajeitou seu chapéu Panamá, me abraçou e confessou: precisamos construir pontes, Marcio. Muros ideológicos temos às pencas.
Concordei com a cabeça, que a essa altura não estava mais ali.
Não consegui pensar em lugar de fala, em empoderamento, em bandeiras. Eu vi uma Mulher que diariamente encara a violência numa sala 2 x 2 m. Como deve ser olhar para cada homem ali? Como deve ser manter o controle?
Sem qualquer estaca ideológica firmada, reverenciei sua missão. A de transformar a violência em esperança, sem romantização, porém com afeto e alteridade. Construir pontes.
Não quero certezas, apenas inquietar minhas convicções. Não sei como sai dali, mas sei que deixei muito de mim naquela mesa. É o que espero para você.
*Nome fictício para preservar sua integridade
Imagem: Flavia Aline – Blog Avessa / 2017
Uma resposta
Estou fã! Quero ler todos!