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O Brasil na vanguarda democrática

O Brasil na vanguarda democrática

O mundo avança em uma velocidade vertiginosa: informação em tempo real, comércio instantâneo, e costumes profundamente questionados. Em meio a essa revolução, um movimento silencioso, mas crucial, ocorre no Brasil, o país continental que serve de palco a esta análise.

Enquanto a globalização revisitava os erros do passado para indicar novos caminhos, algo mais profundo mudava aqui: a mente do brasileiro. Diferente de um passado recente, quando o debate nacional não ia além do futebol e do desfecho da novela das nove, hoje o tema central é a política, o Judiciário e, talvez, o mais importante: a chegada da maturidade democrática brasileira.

Quem acompanha meus artigos já notou este foco: um movimento sutil de transformação, uma inovação na mentalidade coletiva, que nos convida a entender como essa nova atenção ao jogo político está, finalmente, blindando nossa República.

A história política do Brasil é marcada por um ciclo recorrente de instabilidade e tentativas de ruptura, onde os agentes de golpes fracassados frequentemente encontravam o caminho do perdão e da anistia. No entanto, o momento atual sinaliza uma guinada histórica. A vitória da democracia brasileira parece, enfim, ter alcançado sua maturidade institucional, sendo simbolizada por um evento sem precedentes: o processo judicial que envolve o ex-presidente Jair Bolsonaro e oficiais-generais acusados de conspiração golpista.

Fonte Portal UOL — Jair Bolsonaro, o ex-presidente condenado por golpe, tentou romper tornozeleira e foi preso pela PF

Este episódio se destaca por ser o primeiro em que um presidente envolvido em tais acusações é submetido a um processo judicial rigoroso e digno. O trâmite incluiu inquérito conduzido pela Polícia Federal, indiciamento e denúncia da Procuradoria-Geral da República, e aceitação pelo Supremo Tribunal Federal (STF), culminando em um julgamento que observou estritamente as garantias do amplo direito de defesa e do contraditório.

A inédita responsabilização não para por aí. Se o Superior Tribunal Militar (STM) declarar a indignidade ou incompatibilidade de Bolsonaro para o oficialato e, crucialmente, se não houver anistia, estaremos diante de um fenômeno ineditíssimo na trajetória republicana do país. Tal desfecho não apenas reafirmaria a supremacia da lei sobre qualquer poder, mas também consolidaria a democracia brasileira como um sistema resiliente, onde ninguém, nem mesmo um ex-chefe de Estado, está acima do escrutínio da Justiça. Este é um marco fundamental na jornada do Brasil rumo a uma estabilidade democrática inquestionável.

É neste contexto que o processo ganha uma dimensão ainda mais crucial, e para provocar nossos neurônios, podemos trazer para essa discussão a tese central de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt em “Como as Democracias Morrem”[1]. Os autores postulam que o colapso democrático moderno não ocorre primariamente por golpes militares, mas sim pela erosão sutil das instituições e, sobretudo, pela quebra das “normas não escritas” da política — notadamente a tolerância mútua (aceitar rivais como legítimos) e a reserva institucional (forbearance, o autocontrole no uso do poder). A impunidade histórica dos golpistas no Brasil pode ser vista como a “norma não escrita” mais corrosiva do nosso sistema, um pacto de complacência que minava a responsabilidade e mantinha a vulnerabilidade democrática. Ao submeter um ex-presidente ao rigor da Justiça, e ao considerar a recusa de anistia, o Brasil demonstra que os “gatekeepers” (guardiões) do sistema, em particular o Judiciário, estão finalmente rompendo com essa norma nefasta. Este ato de imposição da lei e de responsabilização inédita sinaliza que o país está resistindo ativamente às forças de regressão democrática, fortalecendo a resiliência institucional que é a verdadeira marca da maturidade democrática.

Apesar de todas as pressões realizadas, o general Freire Gomes e a maioria do alto comando do Exército mantiveram a posição institucional, não aderindo ao golpe de Estado. Tal fato não gerou confiança suficiente para o grupo criminoso avançar na consumação do ato final e, por isso, o então presidente da República Jair Bolsonaro, apesar de estar com o decreto pronto, não o assinou, afirma a PF. (Fonte: agenciabrasil.ebc.com.br diz)[2]

O trecho acima, retirado de uma reportagem publicada em 26/11/2024 (Brasília) por André Richter – Repórter da Agência Brasil – deixa claro que parte importante do Comando das Forças Armadas brasileiras não aderiu à ideia de golpe, os comandantes do Exército e da Aeronáutica se negaram a assinar a minuta do golpe, fato que dificultou o andamento do plano golpista e contribuiu para o fortalecimento do ato de imposição da lei e de responsabilização nacional.

Como as democracias sobrevivem

Seguindo a análise de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, é possível afirmar que o conceito de reserva institucional (forbearance) reside no cerne da ameaça e da recuperação democrática. Para Levitsky e Ziblatt, ela é o autocontrole dos atores políticos que optam por não usar o poder constitucional ao máximo de sua letra, preservando o espírito da democracia. No Brasil, a história ensinou uma lição perversa: a “reserva” se traduzia na contenção em punir os poderosos envolvidos em rupturas – um forbearance mal aplicado que privilegiava a estabilidade da elite sobre a supremacia da lei. O ineditismo do atual processo reside justamente na inversão desse conceito: o Poder Judiciário demonstra sua reserva institucional positiva ao exercer a moderação de não sucumbir à tradição do perdão ou à pressão por uma conciliação política fácil. Ao invés de se abster, as instituições escolhem o pleno uso do seu poder legal para impor a responsabilização. Esta é a manifestação da maturidade: o autocontrole em não desvirtuar a lei para proteger indivíduos, reafirmando que a “forbearance” legítima não é a impunidade, mas sim o compromisso inabalável com o Estado de Direito.

Fonte: ICL NOTÍCIAS — 26/11/25 — BOLSONARO E MILITARES VÃO CUMPRIR PENA NA CADEIA[3]

Foi curioso observar a ausência de manifestações populares contrárias à condenação dos envolvidos, principalmente o ex-presidente Jair Bolsonaro. A população não foi às ruas, não se mostrou contrária ao desfecho condenatório e nem mesmo interrompeu a rotina diária para observar por muito tempo o noticiário. Apenas as redes sociais se movimentaram, mostrando mais uma vez um país polarizado politicamente, porém, menos agressivo e mais contido.

Este silêncio das ruas ganhou contornos ainda mais significativos quando a Justiça Federal determinou a prisão preventiva de Bolsonaro, após a confirmação de que ele havia rompido a tornozeleira eletrônica. A ordem de prisão, expedida em decorrência do descumprimento das medidas cautelares impostas e do risco de fuga ou de reiteração criminosa, ocorreu em um contexto de frieza cívica notável. Embora a mídia e os nichos digitais tenham explorado intensamente o episódio – com o embate jurídico ganhando manchetes e hashtags de ambos os lados –, a reação da base de apoio, que em outros tempos lotaria avenidas e bloquearia rodovias em nome da defesa de seu líder, foi majoritariamente passiva. O rompimento da tornozeleira e a subsequente prisão preventiva, tidos como o ápice da crise política e jurídica, revelaram não uma mobilização massiva de protesto, mas sim uma exaustão (ou aceitação) pública do desfecho judicial. Isso sugere que, embora a polarização persista no plano virtual, a legitimidade da Justiça e o esgotamento da capacidade de engajamento popular em defesa de atos de ruptura se impuseram sobre o capital político do ex-presidente.

Em 26/11/2025 teve início a execução da pena de 27 anos e 3 meses do ex-presidente Jair Bolsonaro. O Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes determinou que o ex-presidente fique na mesma sala especial onde já estava preso preventivamente desde sábado (22/11), na Superintendência da Polícia Federal em Brasília.

Vida que segue

A vida que segue, no contexto da maturidade democrática brasileira, não é um retorno à complacência, mas sim um passo firme e irreversível em direção a um futuro de inquestionável estabilidade institucional.

O desfecho histórico do processo judicial contra um ex-chefe de Estado, culminando na execução de sua pena, marca, de forma indelével, o fim do mais corrosivo dos “pactos não escritos” da política nacional: o ciclo da impunidade e do perdão fácil. O que testemunhamos não é apenas um ato de justiça, mas a consolidação de um novo pilar para a República.

Finalmente, o “silêncio das ruas” perante a condenação e prisão do ex-presidente é o prenúncio mais otimista. Não se trata de indiferença, mas da aceitação pública de que os caminhos da ruptura se esgotaram. A polarização pode persistir no plano virtual, mas o consenso democrático — a aceitação da legitimidade da Justiça e da supremacia da lei — venceu no mundo real.

O Brasil de hoje não está apenas resistindo; está se redefinindo. Ao submeter seus mais altos líderes ao rigor da lei e ao rejeitar a nefasta tradição do perdão, o país encerra o capítulo da vulnerabilidade e inaugura uma nova fase republicana, na qual a resiliência institucional é a verdadeira marca da sua plena maturidade democrática. A nação avança, mais forte, com a certeza de que a lei é, finalmente, o limite inegociável para todos.


[1] LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. Trad. Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.

[2] Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2024-11/golpe-nao-ocorreu-por-falta-de-apoio-do-exercito-e-da-aeronautica-diz-pf — Acesso em 27/11/2025.

[3] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=hd29IlFzoDM — Acesso em 26/11/2025.

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