Mesmo quem não tenha síndrome pós-férias, a rentrée deste novo ano escolar poderá em certa medida proporcioná-lo, face às incertezas em que muitos mergulharão no regresso às aulas.
Refiro-me mais especificamente ao setor da educação, em que milhares e milhares de professores e alunos experienciaram há alguns meses um tempo de confinamento e um último 3º período atípico, no mínimo atribulados e distantes da normalidade. Com efeito, o distanciamento físico em que foram colocados os agentes educativos, obrigando-os a uma comunicação remota contraria em muitos aspetos o que um processo de educação deve ser. Na verdade, alunos e professores comunicaram online, vendo-se através do ecrã de um computador, numa interação digital limitada, causando dúvidas em ambas as partes, no respeitante à apreensão e compreensão de conteúdos programáticos.
A Telescola foi nas décadas de 60 e 70 do século XX um sistema de ensino paralelo ao público normal, mais dirigido aos jovens impossibilitados de frequentar aulas em locais mais remotos. As limitações financeiras e a dificuldade das deslocações, resultado de uma deficiente rede de transportes, levavam a que muitos abandonassem a escola após o ensino primário. Os professores lecionavam pela televisão e os alunos aprendiam à distância. A Telescola permitia assim a milhares de alunos completarem o ensino do quinto e sexto anos de escolaridade, chamado então de Preparatório (ao ensino liceal).
Como as aulas eram transmitidas pela televisão nacional, qualquer pessoa podia assistir. Lembro-me que com apenas 9 anos me interessei pelas aulas de Francês quando o professor apelava “Répétez” e eu obedecia, deixando-me encantar pelas sonoridades da língua gaulesa. Talvez tenha sido o primeiro motivo para a minha futura decisão de ser docente daquele idioma
No entanto, mais tarde e já com 17 anos, fui vítima de uma segunda edição de Telescola pré-universitária, mais elaborada, porém, por isso mesmo, mais complexa pela impossibilidade de diálogo e interação com os professores. O Ministério da Educação chamou-lhe então de Ano Propedêutico, que só serviu para atrasar um ano a nossa entrada na Universidade, após sermos submetidos a dois exames semestrais, pondo à prova a nossa atenção às aulas televisivas a que muitos deixavam de assistir pela incomunicabilidade de um ensino à distância, sem qualquer possibilidade de esclarecimento de dúvidas.
Uma terceira versão da Telescola foi retomada e implementada neste último ano lectivo em plena época de pandemia, tendo obrigado ao confinamento em casa de pais, alunos e professores, desta feita, com a ajuda das tecnologias digitais a cores mas não ao vivo.
Assim, os alunos aperceberam-se de quão importante é o relacionamento humano com colegas e professores; os pais compreenderam quão difícil é apoiar os seus educandos no processo ensino-aprendizagem e aos professores faltou quase tudo, isto é, o contacto humano que, através de gestos e atitudes, lhes permite normalmente captar o (in)sucesso das suas capacidades comunicativa e formadora.
Em conclusão, espero que, independentemente da idade dos alunos, esta rentrée, salvaguardando a situação sanitária e o devido distanciamento físico que a todos afeta, permita a todos um processo formativo prioritariamente presencial, em que a verdadeira dimensão humana seja essencial e primordial.
Imagem gratuita (airunique) em Pixabay
2 respostas
Tempos com novas nuances. Difíceis sem dúvida, mas apelativos à resiliência de cada um .
Eu fui aluna da telescola no antigo 1o e 2o ano . Estava num colégio particular e tínhamos para além da telescola acompanhamento com um professor extraordinário. Adorei este método de ensino! Aprendi sem esforço e tive acesso a experiências que o ensino comum não me teria proporcionado.
Obrigada pelo seu comentário ao meu texto. Acho que a Drª Sucinda ainda terá beneficiado de um contexto privilegiado que a maioria dos alunos da Telescola não teve.
No entanto, foi graças a ela que eu, com apenas 8 anos, sentada à frente do televisor, perante as aulas do professor Gérard, escolhi o meu futuro profissional: ser professora de Francês!
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Helena Garvão