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União de arte e ciência é essencial para o saber, afirmam investigadores

União de arte e ciência é essencial para o saber, afirmam investigadores

Nos anos 90, nos Estados Unidos, uma pesquisa mostrou que, entre os alunos que por dez anos receberam as melhores notas no teste Sat – equivalente ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no Brasil –, todos haviam tido alguma disciplina ligada às artes em seu currículo. Desde então passou-se a estudar artes como uma forma de estimular a cognição.

Essa experiência norte-americana é lembrada pela professora Ana Mae Barbosa, docente aposentada da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e ex-diretora do Museu de Arte Contemporânea (MAC), também da USP. Ela cita o trabalho do professor James Caterral, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, que faz pesquisas sobre artes e neurociência. “Seus estudos comprovaram que as artes desenvolvem a cognição do indivíduo em várias áreas do conhecimento”, afirma a professora. “Segundo as pesquisas de Caterral, o estudo da arte desenvolve a capacidade de raciocinar sobre imagens científicas, melhora a capacidade de interpretação de textos e inter-relacionamento de diferentes textos e aumenta a qualidade da organização da escrita.”

Ana Mae aponta outra iniciativa que valorizou o ensino de artes. Nos anos 70, também nos Estados Unidos, foi desenvolvida a metodologia hoje conhecida como Stem – sigla para Ciência (sciences, em inglês), Tecnologia, Engenharia e Matemática –, que prioriza o ensino dessas áreas nas escolas secundárias do país. Depois de décadas de aplicação dessa metodologia, constatou-se, porém, segundo Ana Mae, que os resultados não foram os esperados.

Em razão desse insucesso, a pesquisadora norte-americana Georgette Yakman desenvolveu a metodologia Steam (sigla para Ciências, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática), que prevê o ensino de artes ao lado daquelas disciplinas de exatas. Segundo Ana Mae, essa mudança estimulou os processos de criação e resultou na melhora significativa na aprendizagem. “Não há ciência sem imaginação nem arte sem fatos”, resume Ana Mae, citando uma frase do escritor russo Vladimir Nabokov (1899-1977).

O estudo conjunto de arte e ciência produziu algumas das maiores realizações da história. Um exemplo disso é a obra de Leonardo da Vinci (1452-1519), como lembra o crítico de arte Marcos Fabris, doutor pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, com tese sobre as relações entre a pintura e a fotografia. “Artista e cientista, Da Vinci não restringiu suas investigações a demarcações rígidas entre engenharia, matemática, anatomia, pintura, botânica, poesia ou música”, destaca Fabris. “Como traçar fronteiras precisas diante de seu Homem Vitruviano?”

Fabris observa que pesquisas que reuniam arte e ciência não se restringiram ao período da Renascença. Ele lembra que, no século 19, os artistas já incorporavam o produto das investigações científicas no campo da produção artística. “Os neoimpressionistas usaram as descobertas ligadas às teorias da cor e dos princípios de contrastes simultâneos para, artisticamente, investigar a sociedade do período”, sugere Fabris, citando como exemplo as obras dos pintores franceses Georges Seurat (1859-1891) e Paul Signac (1863-1935).

Arte e ciência fazem uma parceria mais presente no cotidiano do que se costuma imaginar, na visão de Fabris. “A fotografia é a junção das forças produtivas da física, da química e das artes visuais”, exemplifica, lembrando que, literalmente, fotografar significa “desenhar com a luz”. Fabris cita ainda os filmes de Sergei Eisenstein (1898-1948), que, segundo o crítico de arte, não podem ser pensados sem se considerar a formação do cineasta soviético em arquitetura e em engenharia. “Todo trabalho que insiste na separação entre as diversas áreas do conhecimento produz ignorância em escala industrial”, enfatiza Fabris.

No Brasil, um dos cientistas que mais entenderam a importância da união entre arte e ciência foi o físico Mario Schenberg (1914-1990), da USP. “Schenberg reconhecia o valor da normatização racional, mas considerava de alta relevância o elemento intuitivo na descoberta científica e na criação artística”, afirma a pesquisadora Alecsandra Matias de Oliveira, curadora do MAC e autora do livro Schenberg – Crítica e Criação, lançado em 2011 pela Editora da USP (Edusp).

Alecsandra explica que, na visão de Schenberg, a aptidão própria de cientistas e artistas é a intuição, que está fora do domínio da racionalização. “A intuição, muitas vezes, baseia-se em narrativas míticas, imaginação e fantasias, que por muito tempo estiveram banidas da história do pensamento ocidental porque foram consideradas prejudiciais ao discernimento do real pelo Iluminismo e por outras correntes filosóficas”, diz Alecsandra.

Schenberg trilhou um caminho oposto ao ideal iluminista, em que a intuição é fundamental. Ele sempre fazia lembrar que as teorias fundamentais da física tiveram origem em práticas supersticiosas, acentua Alecsandra. O professor afirmava: “Não sabemos de onde as ideias vêm; dizemos que grandes gênios têm intuições”.

“A originalidade dos enfoques de Schenberg alarga os horizontes da ciência e da arte, tornando-as uma aventura viva e atraente”, atesta a professora Elza Ajzenberg, coordenadora do Centro Mario Schenberg de Documentação da Pesquisa em Artes da ECA. Segundo ela, as explicações conceituais do físico, que percorrem várias áreas do conhecimento, são um estímulo à pesquisa e ao conhecimento. “Elas fluem em ziguezagues ou em espiral, passando com desembaraço do científico ao artístico, ganhando novos caminhos e correlações.”

Jornal da USP
Por Leila Kiyomura
Imagem: O Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci: o gênio renascentista é um dos grandes exemplos de união entre arte e ciência – Foto: Italia per amore/Divulgação

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