Os meios de comunicação desempenham historicamente um papel estratégico de denúncia de violações e mobilização social em defesa dos direitos humanos. Por outro lado, a cobertura jornalística sobre a violência, em especial, envolvendo adolescentes em conflito com a lei, revela os desafios noticiosos de trabalhar temas complexos da justiça criminal juvenil.
O resultado na maioria dos casos é a adoção de discursos punitivos que estigmatizam os jovens em ato infracional e os submetem a uma lógica penalista e criminalizadora de opressão, impactando diretamente no exercício de sua cidadania e na visibilidade deste grupo, o projetando para uma condenação sumária que repercute na negação de direitos.
Neste contexto, as notícias sobre a violência juvenil fazem do discurso punitivo uma regra e não exceção ao estabelecerem uma disputa discursiva em favor da legitimação ou da privação de direitos e garantias sociais, e podem influenciar diretamente no protagonismo social dos adolescentes envolvidos em atos infracionais.
Partindo desta perspectiva, é possível compreender o discurso das notícias com base na orientação da Análise Crítica do Discurso (ACD) pautando-se na proposta de Norman Fairclough, caracterizada pelo reconhecimento do discurso enquanto prática social dialética, demarcada por lutas e embates pela significação hegemônica das entidades, das relações e dos atores sociais.
Desta forma, o discurso midiático, especificamente em relação aos direitos humanos, e na perspectiva da ACD de mudança social, pode ser observado a partir de sua hegemonia. Nos casos dos adolescentes em conflito com a lei, prevalece a significação destes atores sociais enquanto violência e ameaça social, e dessa forma, os veículos de comunicação, legitimando essa perspectiva ideológica, agem de forma a ofuscar as questões sociais por traz do fenômeno.
Em suma, o discurso é marcado pela disputa entre os grupos hegemônicos e de contestação, conforme a teoria da ACD, e representa um poder socialmente instituído. Neste sentido, ressalta-se como fulcral a definição de Fairclough (2001) de que “[…] a prática discursiva recorre a convenções que naturalizam relações de poder e ideologias” (FAIRCLOUGH, 2001, p,108). Nesta conjuntura, a atuação dos meios de comunicação é aqui compreendida em sua orientação de poder.
Além disto, no campo midiático é possível circular vários discursos acerca do adolescente em conflito com a lei: o discurso da regeneração, da reintegração social, da punição e reclusão social. Por isso a mídia aparece como um cenário de lutas e embates pela significação hegemônica das entidades, das relações e dos atores sociais. Evidentemente, o acesso midiático não se faz democrático, sendo privilegiados determinados atores em função de outros.
Nesta perspectiva, é preciso compreender as estratégias que operam na significação da violência juvenil enquanto problemática social, dada a importância dos meios de comunicação que favorecem a ideia na sociedade de “[..] campanhas de ‘lei e da ordem’ […[ ‘impunidade absoluta’; ‘os menores podem fazer qualquer coisa’” (ZAFFARONI, 2012, p. 129, grifos do autor).
Deste modo, a análise do discurso midiático funciona como um local no domínio dos direitos humanos, tentando elucidar as interações entre o fazer jornalístico na integração social e as relações de poder que marcam este espaço de comunicação, sobretudo a partir da análise de notícias que tratam de adolescentes envolvidos em atos infracionais, e como este discurso legitima ou não as práticas afirmativas de direitos.
As relações entre a imprensa e o discurso punitivo é exemplificado aqui a partir do caso emblemático que neste 22 de março completou 12 anos, e envolveu um adolescente em conflito com a lei no Centro Sul de Sergipe, no nordeste brasileiro. O episódio, com grande projeção midiática, teve como principal personagem no noticiário local, o então adolescente Cleverton Santos Reis, morto durante a operação policial no município de Tomar do Geru após uma ampla mobilização da mídia policialesca incitando discursos de ódio.
Na memória coletiva, “Pipita” passou a ser lembrado pela representação simbólica de periculosidade, ameaça, medo. A cobertura jornalística sobre o episódio teve, sobretudo, no jornal Cinform, na época o semanário mais popular de Sergipe, intensa cobertura em relação ao comportamento violento atribuído ao adolescente, apontado como liderança de grupos de “delinquência juvenil” que aterrorizavam a região centro-sul de Sergipe, onde, segundo o jornal, o jovem potencializou ”[…] suas maldades, permeadas por assaltos, assassinatos, sequestro de menores e excesso de abuso sexual” (Cinform, Edição 1302, Caderno 1, p. 3, 24 a 30 de março de 2008).
O “Caso Pipita” é apenas ilustrativo, mas ressalta de forma emblemática a complexidade midiática quando se trata de uma compreensão da relação entre a mídia e os direitos humanos, mais especificamente, no contexto da representação e da produção do discurso jornalístico envolvendo o adolescente em conflito com a lei, quando vigora a ideia de ameaça e perigo social. É neste contexto que algumas considerações acerca da construção histórica da violência juvenil e sua relação com a defesa dos direitos humanos através da mídia e de suas implicações no imaginário social se mostram relevantes.
Ilustração: Mário Fiscina
REFERÊNCIAS
FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e Mudança Social. Tradução de Izabel Magalhães. Brasília: Universidade de Brasília, 2001.
Pipita é Mandado aos Quintos dos Infernos. Jornal Cinform, Aracaju. Ano XXV, Edição 1302, 24 a 30 de Março de 2008, primeira página
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a legitimidade do sistema penal. Tradução de Vânia Romano Pedrosa e Amir Lopes da Conceição. Rio de Janeiro: Revan, 1991, 5ª edição, janeiro de 2001, 1ª reimpressão, outubro de 2010, setembro de 2012.



