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Liderança em tempos de crise

Liderança em tempos de crise

Em abril de 2019 o autor da presente reflexão publicava o seu primeiro texto em A Pátria, intitulado “Não é preciso saber o que é um líder, ou como ser líder, para se ser um excelente líder”. Nele descrevia a reação da primeira-ministra Jacinda Ardern aos atentados terroristas um mês antes em Christchurch, e comparava a conduta da governante neozelandesa à de outros políticos em alturas semelhantes (George Bush, François Hollande, e Jens Stoltenberg). Volvido um ano sobre essa publicação, e em plena pandemia do COVID-19, vale a pena revisitar as atitudes de alguns líderes perante a crise, conferindo estilos e posturas.

Em primeiro lugar, importa considerar o momento que se vive desde janeiro de 2020. A expressão “ambiente VUCA” é popularmente usada para qualificar ambientes de negócio voláteis (V), incertos (U, do inglês uncertain), complexos (C), e ambíguos (A). Muita da literatura recente em gestão e economia tem identificado e glorificado os líderes que têm navegado com sucesso por águas do tipo VUCA, mas a verdade é que, face à conturbação provocada pelo coronavírus, já vertida numa cadeia de crises (saúde, económica, social, política e talvez cultural), o acrónimo VUCA parece totalmente esmagado e ultrapassado pela força dos acontecimentos, tal como os exemplos de lideranças de sucesso. Ninguém nem nada foi capaz de prever o que iria passar-se em 2020. E tampouco alguém se atreve a conjeturar como será o mundo pós-COVID-19.

A referida literatura também é insuficiente para explicar o momento único da História Universal que se averba em 2020. Todavia, existem análises que ajudam a perceber incidentes disruptivos como o presente. No texto publicado antes deste, em março de 2020, expôs-se o efeito borboleta, para explicar como é que a teoria do caos permite compreender a ligação entre um momento inicial localizado, e a devastação subsequente globalizada. Agora introduz-se a expressão “eventos tipo cisne negro”, usada, entre outros, por Taleb, um matemático libanês. A metáfora é utilizada para designar ocorrências que têm três características: 1) são completamente inesperadas; 2) produzem um forte impacto, positivo ou negativo; e 3) apesar de ter sido inesperada, a ocorrência é claramente explicada e previsível em retrospetiva. Os cisnes negros são eventos extremamente raros, e que, por isso mesmo, revelam a fragilidade do conhecimento humano, a impreparação da ação e reação ao evento, e os limites da aprendizagem baseada na observação e na experiência. Estas ideias confirmam que a pandemia provocada pelo COVID-19 é um cisne negro.

Se os cisnes negros são momentos dramáticos de mudança, para os quais nenhum plano ou contingência ou mesmo pensamento tinha sido preparado, é natural questionar-se sobre o que se pode fazer em tais momentos. Sobretudo, como devem as lideranças agir durante tais perturbações? Note-se que a questão é como “agir durante uma crise extrema?”, não “como se preparar para uma crise extrema?”, dado que isso é uma quase-impossibilidade, à luz da definição de ocorrência do tipo cisne negro.

A literatura sobre liderar em crises extremas não é abundante, tal como é exíguo o espaço para desenvolvimento do tema. Para o leitor interessado em aprender sobre o assunto, sugere-se consultar o número especial da Harvard Business Review, de março de 2020. Aqui apenas se apresentam os exemplos de quatro líderes políticos e respetivas atuações durante a crise. A análise é necessariamente breve, e os casos correspondem aos países evocados no texto de abril de 2019: Noruega, França, EUA e Nova Zelândia.

O executivo da PM Erna Solberg decretou o confinamento obrigatório no dia 12 de março, quinze dias depois do primeiro caso positivo de COVID-19 na Noruega (26 de fevereiro). No dia seguinte decretaram-se limitações nos aeroportos; no dia 16 fecharam-se as fronteiras a não residentes; e no dia 24 Solberg prolongou todas as medidas de emergência até abril, acrescentando: “a decisão do governo obriga a restrições nas nossas vidas, mas fazemo-lo por aqueles que amamos”. Entre as ações mais curiosas da PM norueguesa, conta-se uma conferência de imprensa dirigida a crianças, onde respondeu a questões dos petizes, e também lhes comunicou que era normal ter medo durante a pandemia.

No dia 12 de março o presidente francês Emmanuel Macron anunciou na TV o encerramento de escolas e universidades a partir de 16 de março (51 dias depois do primeiro caso de COVID-19: 24 de janeiro). No dia 16 decretou o confinamento obrigatório, e no dia 27 o PM Édouard Philippe estendeu a medida até abril. No discurso de 20 minutos de 16 de março, Macron usou uma linguagem dura e direta, com várias expressões bélicas: “mobilização”, “estamos em guerra” e “o inimigo é invisível”.

O primeiro caso de COVID-19 nos EUA foi identificado no dia 20 de janeiro. O presidente Donald Trump decretou restrições a voos da China no dia 31 desse mês, do Irão no dia 29 de fevereiro, e de 26 países europeus a 13 de março. As ordens de confinamento surgiram pela voz dos governadores da Califórnia, Nova Iorque, e New Jersey (19-21 de março). A 16 de março, no mesmo dia em que Solberg e Macron se dirigiam às respetivas nações, Trump falava aos jornalistas, dizendo por quatro vezes que estava “muito contente” pelo facto da Reserva Federal americana ter reduzido para zero as taxas de juro, tendo ainda acrescentado: “relaxem, estamos a ir muito bem. Tudo vai passar”. A leitura da conduta do presidente americano reflete-se no título da notícia do CNN Politics desse dia: “Donald Trump’s surreal alternate universe on coronavírus”. Os media dos EUA foram muito críticos sobre as prioridades do presidente, que optou por manter a economia aberta até bastante tarde depois do início do contágio. Por outro lado, os mesmos media notam a mudança drástica de posição num espaço de uma semana, de uma quase-negação da gravidade da situação no dia 24 de março, para uma apresentação das projeções do número de fatalidades no dia 31 do mesmo mês.

Por fim, a Nova Zelândia reportou o primeiro caso COVID-19 a 28 de fevereiro, altura em que já vigorava a rejeição de entrada de viajantes oriundos da China (desde 3 de fevereiro). A PM Jacinda Ardern declarou o estado de alerta 2 no dia 21 de março, e quatro dias depois passou ao nível máximo (o 4), com confinamento obrigatório. No mesmo dia, a governante começou a comunicar com a nação através das redes sociais, filmando-se e fotografando-se em casa, deixando mensagens como “Pensei em dar um saltinho online só para ver se estavam todos bem… enquanto nos preparamos para nos resguardarmos durante umas semanas”, e explicando como é desafiante ensinar a filha de dois anos a usar a sanita.

Estes exemplos ilustram não apenas diferentes estilos de liderança, mas também graus diferentes de competência em lidar com cisnes negros. Macron intenta unir o país numa guerra contra um inimigo invisível, enquanto Solberg e Ardern se aproximam dos seus cidadãos, compreendendo-os e compartilhando as suas apreensões e desafios numa altura de isolamento social forçado. Os três foram mais ou menos céleres em mobilizar os países na cruzada contra o COVID-19. Trump, por seu lado, constrói a sua própria realidade, desfasada da ciência e das ações dos governos estatuais, perdendo semanas preciosas no combate à doença. As críticas à atuação do presidente têm sido duras, esquecendo-se por vezes que a própria cultura e o sistema social do país também estimulam um crescimento económico a (quase) todo o custo. Ainda assim, parece ser cada vez mais claro que a atuação de Trump foi a menos ajustada a lidar com cisnes negros, e que o seu slogan “America First” pode muito bem tornar-se na maior das ironias, caso a evolução da pandemia no país se torne na mais trágica a nível mundial.

Taleb, N.N. (2010). The Black Swan: The impact of the highly improbable (2nd Ed.), London: Penguin.

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