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Lágrimas pela “Rainha Idosa das Catedrais”

Lágrimas pela “Rainha Idosa das Catedrais”

Estava eu a escrever para A PÁTRIA um artigo sobre o que infelizmente caracterizou a vida política portuguesa no mês de abril, que se podia resumir numa palavra: nepotismo. 

Com efeito, é escandaloso o número de parentes próximos dos membros do atual governo português que este tem chamado como secretários de Estado, assessores ou consultores. Como 2019 é ano de eleições legislativas, este fenómeno tem servido de arma de arremesso político, sobretudo à direita, donde ressurgiu um ex-Primeiro Ministro para criticar o atual no que a este assunto diz respeito. Infelizmente, como ninguém tem telhados de vidro, o feitiço virou-se contra o feiticeiro de fraca memória que, feitas as contas, tinha integrado no seu governo 15 parentes dos seus ministros! 

É evidente que o problema já é antigo. E eu até vira a origem etimológica da palavra (do latim nepos, sobrinho, neto ou descendente), primeiramente referente ao favoritismo acordado por um Papa a um dos seus sobrinhos. O primeiro caso atestado foi o do Papa Calisto III (1455-1458), Bórgia que nomeou cardeal o seu sobrinho e filho adotivo o futuro Papa Alexandre VI. E já tinha quase um artigo alinhavado sobre este triste assunto que alia assim o nepotismo eclesiástico antigo ao amiguismo na política de épocas mais recentes, quando um triste acontecimento me fez pô-lo de lado.

Naquele infeliz dia 15 de abril, fomos todos surpreendidos por um acontecimento que nos obrigou a parar para olhar, chorar, rezar ou refletir, conforme a cultura e a sensibilidade de cada cidadão parisiense, francês, europeu e/ou do mundo. 

Na verdade, naquele terrível fim de tarde, vimos boquiabertos incendiarem-se em minutos 850 anos de História: Notre Dame de Paris estava a arder a olhos vistos. As chamas cruzavam-se com os jactos de água lançados por cerca de 400 bombeiros que num esforço titânico tentavam apagar as chamas devoradoras de um dos maiores símbolos da cultura ocidental, da expressão coletiva artística  e um grande testemunho da esperança invencível.

Um misto de emoções assolava-me por estar a assistir a um momento negativo único e singular da minha vida. Foi comovente ver pessoas a chorar e a orar pelas ruas de Paris. E também as minhas lágrimas logo se lhes  juntaram, quanto mais não fosse pela minha formação na língua e na cultura francesa, farol da Europa nos anos 60 e 70.

Não repetirei as hipotéticas circunstâncias em que terá ocorrido o incêndio, amplamente divulgadas pela comunicação social de todo o mundo. Também foram muito detalhados os danos  que o incêndio provocou naquele templo católico europeu, visitado anualmente por cerca de 14 milhões de pessoas. Quando o pináculo (flèche) caiu, um grito lancinante soou por toda a cristandade, como se uma flecha tivesse trespassado os nossos corações. Impressionante foi ver que, apesar da derrocada do teto da catedral, a cruz dourada do altar permaneceu intacta no meio dos escombros, tendo-se salvado ainda duas valiosas relíquias religiosas.

Foram bem expressivos e sentidos os títulos dos jornais franceses desse dia: Libérátion: “NOTRE DRAME”, La Croix: “LE COEUR EN CENDRES”, Le Parisien: “NOTRE-DAME DES LARMES”, Le Figaro: “NOTRE-DAME DE PARIS. LE DÉSASTRE”.

Prefiro falar da onda de solidariedade que, como um rastilho, se gerou em França e internacionalmente. Em 3 dias, já se tinham reunido donativos no valor de quase mil milhões de euros, fora o apoio da UNESCO, da União europeia e do Parlamento europeu. E ficou a promessa algo irrealista do presidente Macron da reconstrução do monumento em 5 anos.

Foi, pois, um momento único de comunhão entre o sagrado e o humano que nos pôs a refletir várias questões, entre elas a segurança do nosso património. A construção original da catedral estendeu-se de 1163 a 1345 e foi classificado como Património Mundial da UNESCO em 1991. Foi lá que se casou Napoleão Bonaparte e foi canonizada Joana d’Arc. O historiador de arte Paulo Fernandes sublinha que a catedral de Notre Dame “é o monumento fundador do estilo gótico e o mais icónico de um tempo de afirmação da Europa”.

Foi notável verificar como uma das obras mais importantes da literatura universal, NOTRE DAME DE PARIS de um dos maiores autores europeus, Victor Hugo, disparou as suas vendas, chegando ao Top da Amazon! No livro III, capítulo 1 da obra, diz Victor Hugo:

“A igreja de Nossa Senhora de Paris é decerto ainda um majestoso e sublime edifício. Contudo, por muito formosa que se tenha mantido ao envelhecer, a custo se contém um suspiro e não nos indignamos perante as degradações, as multidões inúmeras, que simultaneamente o Tempo e os Homens causaram ao venerável monumento, sem respeitarem Carlos Magno, que assentou a primeira pedra, nem Filipe Augusto, que colocou a última. No rosto desta idosa rainha das nossas catedrais, ao lado duma ruga depara-se sempre uma cicatriz. Tempus edax, homo edacior, o que de bom grado assim traduziria: O Tempo é cego, o Homem é estúpido.”

Victor Hugo referia-se, neste passo do seu romance, às sucessivas acções de restauro do edifício da catedral. Mas, face a este grande incêndio na segunda-feira da semana da Páscoa, vislumbramos nele um certo tom profético. Sendo a época pascal um tempo de reconstrução e de renovação, acreditemos que, embora necessariamente diferente, Notre Dame renascerá das cinzas. Que seja reconstruída, crendo nestas palavras também de Victor Hugo: “O tempo é o grande arquiteto, o povo é o grande construtor”.

Páscoa feliz!

Bibliografia:
Hugo Pinto Santos, “Notre-Dame: “A idosa rainha das nossas catedrais”, chamava-lhe Victor Hugo”, Público, 15-04-2019

Imagem (skeeze) de uso gratuito em Pixabay

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