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Júlio Dinis – um autor injustamente esquecido, 150 anos após a sua morte

Júlio Dinis – um autor injustamente esquecido, 150 anos após a sua morte

Nascido a 14 de novembro de 1839, no Porto, o escritor português Júlio Dinis é o pseudónimo literário mais conhecido de Joaquim Guilherme Gomes Coelho, entre os vários que o autor adotou ao longo da sua carreira literária. Licenciou-se em Medicina, mas dedicou-se sobretudo à literatura, podendo ser considerado como um escritor de transição, situado entre o fim do romantismo e o início do realismo. Destaca-se sobretudo como romancista, deixando ao longo de  apenas 32 anos de vida uma produção original e inovadora, que contribuiu grandemente para a criação do romance moderno em Portugal. Apesar de ter ficado para a posteridade como romancista, o primeiro amor de Joaquim parece ter sido o teatro. Além do teatro, o autor dedicou-se também à poesia. De ascendência inglesa, o que lhe facilitou a leitura de novelistas como Jane Austen, Richardson, Thackeray e Dickens, cujas obras são marcadas pelo realismo psicológico, deixou uma produção romanesca cheia de elementos  realistas e românticos.

Em 1867, Júlio Diniz publicou o romance As Pupilas do Senhor Reitor. O enredo campesino desenvolve-se em função dos desencontros amorosos de Daniel, um dos filhos do lavrador João das Dornas que, voltando ao campo depois de concluídos os estudos, sente-se meio deslocado no ambiente rústico da aldeia. Nesse ano, As Pupilas do Senhor Reitor esgotaram-se num mês! Em 1900, As Pupilas do senhor Reitor têm já catorze edições correspondentes a vinte e oito mil exemplares. Além das suas vivências no campo, também a sua profissão de médico ajudou a moldar a linguagem e estilo das suas narrativas, de que são exemplo personagens como João Semana ou Daniel. Em 1868, o escritor lançou Uma Família Inglesa, um retrato da vida na cidade e da pequena burguesia, e A Morgadinha dos Canaviais. Foi também em 1868 que As Pupilas subiram pela primeira vez ao palco, numa adaptação de Ernesto Biester. Numa altura em que os romances costumavam ser publicados em folhetins nos jornais (como acontecia também com as obras de Camilo Castelo Branco, por exemplo), Júlio Dinis era um autor “lido e reconhecido no seu tempo”.

O amor é o grande tema dos romances de Júlio Dinis, contudo não é concebido de forma fatal, como era para o ultrarromântico. Os enredos, girando em torno de problemas amorosos e familiares, são simples e no final os mal-entendidos se esclarecem e tudo se resolve. Se a idealização do campo, da mulher, da família, a tendência para a solução harmoniosa dos conflitos, o pendor moralizador dos desfechos das intrigas, o otimismo do seu ideal social, em que felicidade amorosa e harmonização social são indissociáveis, têm ressonâncias românticas, o seu estilo espontâneo e sugestivo antecipou-se com delicadeza às técnicas realistas na abordagem dos costumes e das relações sociais, especialmente em Os Fidalgos da Casa Mourisca (1871), em que adquire mais densidade. Uma das grandes novidades de Júlio Dinis é a utilização de personagens “modeladas”. O lavrador não é apenas um lavrador, e o merceeiro não é apenas um merceeiro, cada um tem uma personalidade e características diferentes, apesar de serem representativos do tipo de pessoas que habitam no meio rural. E é isso que acontece em As Pupilas do Senhor Reitor. Apesar de mostrarem um Portugal rural, com as suas figuras típicas, como o lavrador, o merceeiro, o padre, a figura de Daniel revela uma outra realidade, mais complexa. 

Para Maria Almira Soares,  Júlio Dinis tem consciência da vivacidade que anima os seus romances. Mais: dá-nos testemunho de como esse apelo literário ao vívido contacto com situações e personagens animadas por um realismo pleno de espontaneidade na exteriorização de sentimentos e anseios, reverte também em seu benefício, interrompendo o seu pendor para a solidão, o seu feitio avesso à convivialidade que não fosse a dos muito próximos. Segundo esta autora, “a matéria do seu trabalho literário é fruto de uma aguda e justa observação do real, da vida de gente vulgar, e, por isso, os leitores, gente real e comum, sentem-se participantes dos seus romances e, daí, confortados com o reconhecimento de situações por eles vividas ou testemunhadas. Deste modo, experimentam a felicidade pela leitura e agregam grande afetividade ao acolhimento da sua obra. E esta é a principal razão de ter sido, ele, um caso singular de intenso e extenso êxito popular, o que não poderá ter deixado de talhar com momentos de alegria o seu pendor melancólico”. E prossegue: “no entanto, enquanto as suas histórias, fruto de aturado trabalho de elaboração literária, iam preenchendo, com cenas cheias de alegria, o imaginário dos portugueses, Júlio Dinis sofria melancolicamente os tormentos da sua tristíssima e tão curta vida”.

Ainda para esta autora, Eça de Queirós precipitou-se, arrastado pelo efeito de estilo, quando, afastando-se da realidade dinisiana, que talvez não conhecesse muito bem, disse de Júlio Dinis: «viveu de leve, escreveu de leve, morreu de leve». Júlio Dinis não viveu de leve; ninguém morre de leve; e a sua obra não se concretizou através da espontaneidade simples de uma escrita ingénua, mas foi fruto de pesquisa e de uma elaboração assente em convicções maduramente ponderadas. Júlio Dinis escreveu: «Há uma lei do gosto literário em que eu acredito firmemente. O excecional, o extravagante, o desregrado não é o que desperta nos leitores ou nos espectadores o mais verdadeiro, o mais duradouro interesse; pelo contrário, é o comum, o vulgar na justa aceção do termo”. 

Rita Cipriano analisa e refere: “numa sociedade clivada por grupos sociais marcados”, Dinis mostra uma realidade onde a elite é ainda ocupada pela nobreza e pela aristocracia mas onde, ao mesmo tempo, começa a surgir uma nova visão, “toda sua obra fala da “ascensão de uma nova classe que se está a destacar e que cria contornos entre o velho e o novo Portugal”. Contornos e diferenças que devem ser harmonizadas. Segundo esta autora, relevando as diferenças, Júlio Dinis mostra que é possível haver uma aproximação entre dois mundos — da mesma forma que acredita que é possível juntar Romantismo e Realismo. Esta visão é diferente da que era partilhada por realistas e naturalistas, incluindo Eça de Queirós, que acreditavam que não havia forma de ultrapassar as diferenças. 

Annabela Rita defende que Júlio Dinis “tem sido secundarizado”, mas por motivos diferentes “É um autor particularmente importante que tem sido subvalorizado pelo facto de cruzar romantismo e realismo, que combina muito bem e com uma consciência do que é fazer literatura realista que o próprio Eça não tem , na mesma altura, não equaciona com tanta clareza”, e afirma: “Apesar de a junção de características divergentes ser o que define Júlio Dinis enquanto autor, foi isso que acabou por jogar contra si. O facto de não pertencer a nenhuma escola em exclusividade, faz com que seja difícil integrá-lo nos programas escolares, onde acaba por ser mais importante falar de escritores como Camilo ou Eça, claramente representativos de determinadas correntes literárias”. Para esta professora de literatura portuguesa, é essa a grande capacidade do escritor — a de conciliar diferentes correntes, “com racionalidade e atenção à relação entre o projeto estético e político”. “É isso que faz dele um autor curiosíssimo no panorama nacional. E, do modo como se apresenta, único” – conclui.

Vitimado pela tuberculose, Júlio Dinis foi obrigado a deixar o Porto. Fez constantes viagens para o campo, e encontrou na vida campestre os motivos para seus romances, com exceção de Uma Família Inglesa, onde analisa os costumes da burguesia do Porto. O autor vem a falecer nesta cidade, no dia 12 de setembro de 1871, com apenas 32 anos. Há exatamente 150 anos.

Heldena Garvão

Lisboa, 26 de outubro de 2021

Bibliografia:

“Júlio Dinis”, INFOPÉDIA

“150 anos depois das”Pupilas” ainda nos lembramos de Júlio Dinis?”, OBSERVADOR, 8-1-2017, por Rita Cipriano

“Júlio Dinis sob o signo  da melancolias e do prazer”, SCRIPTORIUM, 16-9-2021, por Maria Almira Soares

Imagem de capa: Monumento escultórico a Júlio Dinis, na cidade do Porto.

Pormenor de fotografia, por Manuel de Sousa – Obra do próprio, Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=1499286

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