Resumo
Os jogos tem-se revelado uma ferramenta transformadora na promoção da saúde, reabilitação e envolvimento dos utentes e profissionais. Ao integrar elementos de jogos em contextos clínicos e de prevenção, reforça-se a adesão terapêutica, o bem-estar emocional e o compromisso com o autocuidado. Este artigo explora o conceito, as suas aplicações em Portugal e no mundo, os benefícios e os desafios éticos de melhorar os resultados em saúde, com foco na reabilitação e no envelhecimento ativo.
Palavras-chave
Jogos; saúde digital; motivação; reabilitação; envelhecimento ativo; terapias interativas.
Introdução
“A motivação é o combustível invisível de toda cura.” — Viktor Frankl
O avanço da tecnologia trouxe consigo novas linguagens, novas formas de comunicar, e novas formas de cuidar. Os jogos é uma destas linguagens emergentes, que dialoga com a neurociência, a psicologia comportamental e o design digital para tornar o cuidado em saúde mais participativo, envolvente e eficaz. Longe de trivializar a terapêutica, as metas, jogos, procura reforçá-la — transformando o esforço clínico em desafio superável, o gesto repetitivo em missão, e o utente em protagonista do seu processo de cura.
Revisão da Literatura
“Jogamos não porque é fácil, mas porque queremos superar os nossos limites.” — Jane McGonigal (2023)
As metas/resultados em saúde, envolvendo jogos é definida como o uso de mecânicas e dinâmicas de jogo — como recompensas, pontuação, desafios, progressão por níveis e feedback imediato — para promover comportamentos saudáveis e a adesão a tratamentos (Sardi et al., 2020; WHO, 2023). A sua eficácia tem sido documentada em contextos como a enfermagem, fisioterapia, nutrição, saúde mental, cuidados com doenças crónicas, e prevenção de recaídas em dependências.
Segundo Abreu et al. (2024), os jogos terapêuticos ativam circuitos neurológicos de prazer e reforço, promovendo a libertação de dopamina — o que melhora a memória, o foco e o humor. A OMS (2024) salienta que, no contexto do envelhecimento ativo, os jogos podem reduzir o isolamento social, estimular a cognição e prevenir o declínio funcional.
No entanto, há desafios éticos, como a dependência de dispositivos, a privacidade de dados e a dificuldade em adaptar jogos a pessoas com limitações motoras ou cognitivas (Calvão et al., 2025).
Metodologia
A abordagem metodológica foi qualitativa, baseada em análise documental e revisão de literatura entre 2020 e 2025, com foco em estudos publicados nas bases PubMed, ScienceDirect e WHO Global Digital Health Reports. Foram selecionadas práticas com aplicação em saúde pública, reabilitação, cuidados geriátricos e ambientes hospitalares em Portugal e no espaço europeu.
Discussão
1. Jogar para reabilitar: mais do que distrair, é transformar
“O jogo é a forma mais séria de aprendizagem.” — Albert Einstein
Em Portugal, hospitais como o Santa Maria (Lisboa) e o São João (Porto) já testam videojogos para recuperação pós-AVC e doenças neuromusculares. Plataformas como o Neuro@Home ou o Rehametrics permitem exercícios de reabilitação física e cognitiva com feedback em tempo real, promovendo a motivação diária dos utentes.
Em contexto domiciliário, jogos com sensores de movimento e realidade aumentada estão a ser utilizados para prevenção de quedas, treino de equilíbrio e estimulação da memória (Luís et al., 2025).
2. A adesão terapêutica como jogo de continuidade
“O segredo do tratamento não está só na prescrição, mas na perseverança.” — Florence Nightingale (adaptada)
Doentes com doenças crónicas como diabetes ou insuficiência cardíaca têm, por vezes, dificuldade em manter comportamentos consistentes de autocuidado. Aplicações como o mySugr (para controlo glicémico) ou o CardioSurvivor (desenvolvido em Espanha) usam jogos com níveis, recompensas e desafios semanais para incentivar a toma da medicação, a prática de exercício e a alimentação saudável (Gómez-Torres et al., 2024).
3. Jogos para cuidadores: entre o alívio e a formação contínua
“Quem cuida também precisa de ânimo para continuar a cuidar.” — Virginia Satir
Aplicações jogos estão a ser utilizadas em Portugal e no estrangeiro para formação interativa de cuidadores informais, com simulações práticas, resolução de casos clínicos e sistemas de pontuação para reforço positivo. A app CUIDA+, testada na Madeira, oferece desafios diários para o cuidador aprender sobre mobilização, prevenção de úlceras de pressão e comunicação com doentes com demência (Calado et al., 2024).
4. Estimulação cognitiva e saúde mental com realidade jogos
“O cérebro envelhece mais lentamente quando diverte-se.” — Norman Doidge
Para utentes com demência ou doença de Alzheimer, plataformas como o CogniFit ou o português NeuroSénior oferecem jogos para treino de atenção, memória e linguagem. Estas plataformas promovem sessões curtas, visuais e acessíveis que ajudam a manter a função cognitiva e a autoestima. Estudos de Del Barrio et al. (2023) confirmam a sua eficácia como complemento à reabilitação convencional.
5. Promover a literacia em saúde com jogos interativos
“Saber cuidar de si é o primeiro nível de qualquer jogo da vida.” — Paulo Freire (adaptado)
Nos jogos, também é usada para ensinar sobre prevenção, primeiros socorros, sexualidade segura e vacinação — especialmente entre jovens. Iniciativas como o jogo VacGame, da Comissão Europeia, ensinam crianças a combater vírus e aprender sobre imunidade de grupo de forma divertida. Em Portugal, o SNS 24 explora a integração de jogos educativos no portal de saúde, voltados para literacia digital intergeracional.
6. Desafios éticos e limites do entusiasmo
“Nem toda recompensa é cura, nem todo jogo é justo.” — Hans Jonas (adaptado)
Embora os benefícios sejam numerosos, é importante refletir sobre os seus limites. A dependência tecnológica, a frustração por falhas no jogo, a exposição de dados pessoais e a falta de acessibilidade para pessoas com incapacidades graves são riscos reais. É necessário garantir regulação ética, acessibilidade universal e equilíbrio entre o digital e o humano (WHO, 2023).
7. Jogos no contexto rural e insular: a ponte entre distâncias
“Quando o desafio é grande, o jogo pode ser a ponte.” — Gilda Jardim (2025)
Nas regiões rurais e ilhas, como nos Açores e Madeira, onde o acesso a serviços de reabilitação é limitado, os resultados tem demonstrado utilidade. O projeto inovadores por exemplo, integrando sensores, jogos de treino cognitivo e desafios semanais personalizados, adaptados à realidade cultural dos idosos locais. A reabilitação deixa de ser uma obrigação isolada e passa a ser um caminho com metas alcançáveis, valorizando a persistência e a identidade local.
Conclusão
“A motivação transforma o tratamento numa jornada, e o jogo transforma esta jornada numa descoberta.” — Gilda Jardim (2025)
Os jogos em saúde não é uma moda passageira, mas uma ferramenta com potencial profundo de transformar comportamentos, estimular a adesão terapêutica e tornar o cuidado mais humano e acessível. Para os profissionais de saúde, oferece novos caminhos para comunicar, motivar e acompanhar os utentes. Para os doentes, representa uma oportunidade de recuperar o controlo sobre o seu processo de cura — com dignidade, envolvimento e sentido.
É tempo de reconhecer o jogo como ferramenta terapêutica, não para substituir o toque humano, mas para o prolongar — mesmo à distância, mesmo na solidão. A motivação é a linguagem da esperança, e na saúde, toda esperança precisa de ser alimentada. Talvez jogar seja, afinal, uma forma de cuidar.
Referências Bibliográficas
Abreu, J., Silva, F., & Matos, M. (2024). Neurociência da motivação: O papel da dopamina nos jogos terapêuticos. Revista Portuguesa de Neuropsicologia, 12(1), 32-45.
Calado, S., Pimenta, R., & Alves, T. (2024). Aplicações móveis para cuidadores informais: inovação e acessibilidade. Revista de Saúde Digital, 9(2), 67-80.
Calvão, F., Ribeiro, D., & Lopes, J. (2025). Ética digital na reabilitação gamificada. Revista Portuguesa de Bioética, 31(1), 88–104.
Del Barrio, E., Zunzunegui, M. V., & Santana, P. (2023). Cognitive gaming interventions for seniors: Evidence from Europe. European Journal of Gerontology, 29(3), 154–166.
Gómez-Torres, D., & Riklikienė, O. (2024). Chronic care gamification: Impact on self-efficacy and adherence. Health Policy and Technology, 13(1), 100–115.
Luís, C., Salgueiro, A., & Freitas, M. (2025). Realidade aumentada na fisioterapia geriátrica: Estudo piloto. Revista de Envelhecimento Ativo, 7(2), 101–117.
Sardi, L., Idri, A., & Fernández-Alemán, J. L. (2020). A systematic review of gamification in e-Health. Journal of Biomedical Informatics, 94, 103188.
World Health Organization. (2023). Digital Health Interventions for Behaviour Change. Genebra: WHO.
World Health Organization. (2024). Innovation for Healthy Ageing: Global Framework for Digital Inclusion. Genebra: WHO.



