O inhame (Colocasia esculenta), é um tubérculo com uma longa história de domesticação e consumo humano. Presente em várias culturas tropicais e subtropicais, este alimento milenar continua a desempenhar um papel relevante na segurança alimentar de milhões de pessoas em diferentes continentes. Em Portugal é nos territórios insulares, Madeira e Açores, que se encontra este alimento. Nestas regiões o inhame tornou-se parte da identidade cultural e gastronómica, simbolizando não apenas nutrição, mas também tradição, memória e ligação à terra. Contudo, mais do que uma herança cultural, o inhame revela-se hoje um alimento com futuro, graças às suas propriedades nutricionais com benefícios para a saúde e um potencial por explorar na indústria alimentar.
O inhame é uma das plantas cultivadas mais antigas do mundo. Evidências arqueológicas indicam que já era utilizado há cerca de 28.000 anos na região da Melanésia (Loy et al., 1992, cit. em Temesgen & Retta, 2015). Embora seja difícil identificar um único centro de origem, é geralmente aceito que a espécie tem raízes no sudeste asiático, de onde se difundiu para a Índia, Pacífico e África, antes de alcançar outras regiões. Atualmente, o inhame é cultivado em diversos países, com destaque para Nigéria, China, Japão, Filipinas e regiões do Pacífico. Estima-se que mais de 400 milhões de pessoas dependem do inhame como fonte regular de alimento (Alcantara et al., 2013). Esta difusão global demonstra a sua relevância enquanto cultura de subsistência, mas também o seu potencial como produto agrícola.
Em Portugal, o inhame encontrou condições ideais de cultivo nos solos vulcânicos da Madeira e dos Açores. Nas zonas rurais, onde a água é abundante esta cultura representou durante séculos uma fonte segura de energia alimentar. O inhame cozido, geralmente servido como acompanhamento em refeições familiares ou em festas religiosas, simboliza tradição e identidade local. Mais do que um alimento, o inhame é memória coletiva um saber transmitido entre gerações: sobre quando plantar, como cuidar e quando colher, tudo isso faz parte do património imaterial das populações. Este conhecimento, aliado ao seu valor cultural, reforça a ideia de que o inhame não deve ser visto apenas como um tubérculo, mas como um legado que une passado e presente.
Do ponto de vista nutricional, o inhame apresenta características que justificam o seu destaque crescente nas discussões sobre alimentação saudável. Em média, este alimento contém 73–80% de amido, em base seca, com grânulos pequenos (1–4 µm), propriedades que lhe conferem alta digestibilidade, razão pela qual é frequentemente utilizado em dietas especiais (Jane, 1992, cit. em Temesgen & Retta, 2015). O valor energético do inhame é significativo: fornece cerca de 135 kcal por 100 g, com baixo teor de gordura e moderada presença de proteínas (cerca de 11% em base seca), valor superior ao da mandioca ou da batata-doce (Temesgen & Retta, 2015). Além disso, é fonte relevante de minerais como potássio, ferro, magnésio, fósforo e zinco, este último particularmente importante para combater a deficiência nutricional que afeta milhões de pessoas em países em desenvolvimento (Alcantara et al., 2013). Embora sem histórico de consumo no nosso país, as folhas do inhame, são consumidas em países da Ásia e do Pacífico, estas apresentam um elevado valor nutricional, destacando-se pelo teor de proteínas (até 23% em base seca) e vitaminas como a C, tiamina, riboflavina e niacina (Temesgen & Retta, 2015). Esta combinação torna a planta uma fonte completa, capaz de complementar dietas. Outro aspeto relevante são os compostos bioativos. Estudos apontam a presença de flavonoides, antocianinas e fenóis com propriedades antioxidantes, anti-inflamatórias e até anti carcinogénicas (Prajapati et al., 2011). Estas características reforçam o papel do inhame não apenas como alimento energético, mas também como aliado na prevenção de doenças crónicas não transmissíveis. Apesar das suas vantagens, o consumo do inhame enfrenta alguns desafios. Entre os principais estão os fatores antinutricionais, como oxalatos, fitatos e taninos, que podem reduzir a biodisponibilidade de minerais ou causar irritação na pele e mucosas. Os cristais de oxalato de cálcio, por exemplo, são responsáveis pela sensação de prurido na descasca do inhame. (Bradbury & Nixon, 1998, cit. em Temesgen & Retta, 2015). Este fator pode causar “repulsa” em novos consumidores. Contudo, métodos tradicionais de processamento, como demolha, cozedura prolongada ou fermentação, reduzem significativamente estes compostos, tornando o inhame seguro para consumo (Alcantara et al., 2013). De facto, a sua preparação culinária faz parte do conhecimento acumulado ao longo dos séculos, garantindo não apenas sabor, mas também segurança.
Se o valor nutricional e funcional do inhame é reconhecido, a sua preparação continua a ser um obstáculo à sua maior integração nas dietas modernas. O descasque é trabalhoso e a cozedura longa, podendo ultrapassar duas horas. Num mundo onde a conveniência e a rapidez são fatores determinantes, estas características limitam o consumo. É precisamente neste ponto que se abre espaço para a inovação. A transformação do inhame em farinha ou em produtos prontos a consumir, como snacks, barras de cereais e refeições embaladas a vácuo, constitui um caminho promissor. Estudos recentes demonstraram que a farinha de inhame pode ser usada com sucesso em produtos funcionais, como barras de cereais enriquecidas com proteínas, oferecendo praticidade e benefícios à saúde (Dias et al., 2020).
O futuro do inhame dependerá da capacidade de unir tradição e inovação. Por um lado, é fundamental preservar o seu valor cultural e patrimonial, garantindo que continue a ser símbolo de identidade e ligação à terra em comunidades como as da Madeira e dos Açores. Por outro, é necessário investir em investigação, novas formas de processamento e marketing que o tornem mais atrativo para os consumidores contemporâneos. As tendências globais de consumo, que privilegiam alimentos saudáveis, sem glúten, ricos em fibras e com propriedades funcionais, alinham-se perfeitamente com as características do inhame. Além disso, a sua adaptabilidade a diferentes ecossistemas e o baixo impacto ambiental do seu cultivo colocam-no como candidato natural a desempenhar um papel de relevo na promoção da sustentabilidade alimentar.
O inhame é mais do que um tubérculo: é uma herança cultural, uma fonte de nutrição e um recurso de futuro. Da sua história milenar às propriedades funcionais hoje reconhecidas pela ciência, este alimento prova que tradição e inovação não são contraditórias, mas sim complementares. Se devidamente valorizado, o inhame pode deixar de ser visto apenas como parte das memórias gastronómicas insulares para se afirmar como um alimento global, saudável e sustentável. Entre as suas raízes do passado e o sabor que promete para o futuro, encontra-se uma oportunidade única de conciliar identidade, saúde e inovação.
Referências
Alcantara, R. M., Hurtada, W. A., & Dizon, E. I. (2013). The nutritional value and phytochemical components of taro (Colocasia esculenta [L.] Schott) powder and its selected processed foods. Journal of Nutrition & Food Sciences, 3(3), 207. https://doi.org/10.4172/2155-9600.1000207
Dias, J. S. R., Mendes, F. Z. C., Nolasco, M. V. F. M., & Bogo, D. (2020). Obtenção de farinha de inhame para elaboração de barra de cereal como suplemento alimentar e funcional. Brazilian Journal of Development, 6(3), 15716–15735. https://doi.org/10.34117/bjdv6n3-446
Prajapati, R., Kalariya, M., Umbarkar, R., Parmar, S., & Sheth, N. (2011). Colocasia esculenta: A potent indigenous plant. International Journal of Nutrition, Pharmacology, Neurological Diseases, 1(2), 90–96. https://doi.org/10.4103/2231-0738.84188
Temesgen, M., & Retta, N. (2015). Nutritional potential, health and food security benefits of taro (Colocasia esculenta [L.]). Food Science and Quality Management, 36, 23–33.
Kaushal, P., Kumar, V., & Sharma, H. K. (2013). Utilization of taro (Colocasia esculenta): Nutritional, medicinal and industrial perspective. Journal of Food Science and Technology, 50(4), 611–619. https://doi.org/10.1007/s13197-011-0460-7



