É bom falar de ambiente, está na moda, as pessoas apreciam, e portanto temos de aproveitar – “temos”: pessoas que se importam com o ambiente, mesmo quando a moda passar de moda… Hoje até haveria vários temas possíveis a abordar, inclusive o facto de crianças andarem de porta em porta, durante a noite, à espera que adultos lhes ofereçam doces, possivelmente adultos totalmente desconhecidos (os chamados “estranhos”), e se os adultos não colaborarem poderão ter de sofrer as travessuras infantis; isto dito assim… E dito assim remete-nos para a importância do contexto, é Halloween (Dia das Bruxas, vá), essa importação anglo-saxónica, e por conseguinte é “normal”, ou passou a ser, ou começa a ser “normal”. Contudo, já me parece totalmente anormal a reacção da ANA (Aeroportos e Navegação Aérea) – Aeroportos de Portugal, “ a empresa responsável pela gestão de 10 aeroportos em Portugal Continental” (1), no contexto da discussão da construção do aeroporto do Montijo – e sim, é este o tema que escolhi esta semana.
Na comunicação social de hoje, a notícia da aprovação condicionada da Declaração de Impacto Ambiental (DIA) sobre o aeroporto do Montijo, emitida ontem, Quarta-feira, pela APA (Associação Portuguesa do Ambiente), foi quase sempre apresentada segundo o prisma da referida ANA, que terá recebido com “surpresa e apreensão” algumas das medidas propostas para a compensação do impacto ambiental. De facto, é com alguma surpresa que a DIA é favorável à construção do aeroporto, ainda que condicionada, nomeadamente sabendo que está presente a preocupação com a avifauna.
Obviamente que o meu papel aqui é o da defesa do ambiente, tanto por formação académica como convicção pessoal, mas devo salientar que esta questão da avifauna não é uma matéria menor ou menosprezável, muito pelo contrário. Inclusive, pensando na futura segurança dos passageiros do aeroporto – saber que, à partida, haverá voos regulares a coexistir com rotas migratórias de aves, é um risco ambiental mas também um risco “humano”: há vários casos de acidentes aéreos devido a colisões de voos com aves. É que talvez não seja claro para toda a gente mas depois de estar feito um aeroporto não há propriamente hipótese de emendar a localização. Portanto, a discussão sobre a construção – ou não – do aeroporto deve ser séria e cuidada, o que pode implicar que seja longa (está a ser, demasiado longa…).
Ainda a semana passada falei aqui de aves, e das Primaveras silenciosas que poderão ser uma realidade (uma triste realidade); um desequilíbrio desta ordem (como no exemplo da semana passada, uma extinção em massa dum grupo – as aves – num determinado local) pode ter consequências nefastas, e de difícil previsão, e provavelmente de impossível remediação.
Além da avifauna, estão encontradas duas outras preocupações principais com a construção do aeroporto, que são o ruído e a mobilidade. Se a primeira parece óbvia, e incontornável, a segunda parece menos importante – ambas poderão ter um grande impacto, contudo. O ruído afecta directamente a nossa própria espécie humana, nomeadamente quem habitar as imediações do aeroporto (e se hoje em dia pode não ser uma zona muito populosa, é expectável que assim se torne), além da fauna (com especial destaque para as aves). E, por que não dizê-lo, afectará também a flora, embora os efeitos do ruído nas plantas não sejam tão “imediatos” e tão bem conhecidos, o que não quer dizer que não os haja – é minha profunda convicção pessoal que este tema (os “sentidos” em plantas) terá grandes desenvolvimentos nas próximas décadas. A mobilidade é sempre crítica em termos ambientais – com um novo aeroporto, haverá a necessidade de construção de novos acessos, o que implica sempre um impacto ambiental, seja no momento da construção, no local “natural” que passará a ser uma estrada, mais veículos, mais poluição, …
Por que é que, em comunicado, a ANA vê com “surpresa e apreensão” (2) as chamadas medidas de mitigação ambiental? Sinceramente, e tratando-se duma grande empresa nacional, não consigo perceber esta reacção – acredito que a política de comunicação da ANA exista, e seja diferente de uma simples conversa de café, como se costuma dizer. Dito de outro modo, o que esperava a ANA ouvir da parte da DIA da APA? Uma aprovação incondicional da construção do aeroporto no Montijo? Aí sim, o meu artigo seria num outro sentido: na condenação da escandalosa decisão que seria! Esperaria, por outro lado, a não aprovação? Penso que esta nem preciso de desenvolver, embora haja muito boa gente, e muitas boas entidades, totalmente relevantes nesta matéria, que igualmente apresentam a sua perplexidade por não ter sido esta a decisão da APA – a não aprovação.
Não sou tão extremista mas compreenderia perfeitamente o “chumbo” ambiental deste projecto. A aprovação condicional parece-me ser a proposta mais razoável e lógica da APA, ou a mais politicamente correcta. E, afinal, para que serve um estudo de impacto ambiental se não para isto mesmo? A resposta “Sim, podem construir, mas têm de compensar o ambiente através de x, y e z.” é, simplesmente, o que é esperado de um estudo de impacto ambiental! E na falta de uma verdadeira medida económica do impacto ambiental de um projecto, a proposta de medidas de mitigação, que têm custos, parece-me o mais correcto.
Em termos de medidas de compensação, falamos de valores da ordem dos 48 milhões de euros (2), naturalmente suportadas pela ANA. Será este um valor razoável? O investimento a realizar é de 1.15 mil milhões de euros (2), portanto cerca de 4% – não sendo um perito na matéria, não parece ser um valor ridiculamente elevado mas não deixa de ser considerável… estes 48 milhões servirão para o isolamento de ruído, a compra de 2 barcos para transporte de passageiros até Lisboa e, claro, a compensação para a complexa questão da avifauna (2). Há uma medida de minimização de impacto, contudo, em que compreendo a apreensão da ANA: proibir voos entre as 00h00 e as 06h00 parece-me que pode ser muito problemático de um ponto de vista operacional e económico.
Em conclusão, havendo esta decisão “sim, mas…” da DIA da APA de decisão favorável condicionada, com uma condição de 48 milhões de euros, não será razoável voltar a equacionar as outras opções de que se tem falado, nomeadamente Alverca e Alcochete? Há algo positivo em tudo isto: a avaliação de impacto ambiental foi bastante participada em termos de consulta pública, e está a ser discutida com seriedade, um espaço que a DIA merece, e que deve ajudar na decisão a tomar, que será sempre uma decisão política. Despeço-me com uma foto familiar, famílias de gansos a nadar calmamente num lago, uma paz que, obviamente, será altamente afectada se decidirem construir um aeroporto neste local.
REFERÊNCIAS:
- https://www.ana.pt/pt/institucional/a-ana/sobre-a-ana
- https://observador.pt/2019/10/30/agencia-do-ambiente-da-luz-verde-ao-aeroporto-do-montijo-com-condicoes-que-custam-48-milhoes/
Nota: o autor opta por não seguir o Acordo Ortográfico de 1990.



